segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Vitória na Líbia ainda não permite a líderes ocidentais respirarem aliviados

Quase seis meses se passaram entre aquele anúncio americano de que o país e uma força multinacional atacariam a Líbia de Muammar Kadafi. O período de intensos combates entre rebeldes e forças leais ao ditador não foi difícil apenas sob o ponto de vista militar. Estava em jogo também a própria capacidade de intervenção estrangeira e sua estratégia para derrotar um exército considerado fraco. No fundo, é fácil perceber qual foi o maior erro cometido desde o pronunciamento de Barack Obama: não havia objetivos claros. Mas, mesmo assim, isso também está superado.

Entre debates e divergências na ONU sobre o que fazer para supostamente proteger os civis líbios do massacre conduzido pelo próprio presidente do país, a Assembleia-Geral se transformou, mais uma vez, em palco de enfrentamento entre visões de política externa completamente distintas: de um lado, EUA, França e Grã-Bretanha em busca de legitimidade internacional para nova empreitada militar; de outro, China e Rússia tentaram impedir a consumação dos esforços de guerra. Hoje, fica mais claro perceber que o vago propósito de “proteger civis” culminou, na prática, com a mudança de regime na Líbia.

A Primavera Árabe é ponto central desta narrativa. Os vizinhos do Estado líbio – Tunísia e Egito – conseguiram empreender mudanças a partir de dentro. A Líbia é, agora, o primeiro cenário atingido pelo movimento popular árabe que se sagrou vencedor graças à ajuda externa. Ninguém sabe o que isso significa, mas tenho algumas hipóteses.

Há certo ânimo de que a situação na Síria possa mudar. Isso pode acontecer. Até porque a Líbia passa a exemplo de sucesso a partir de um novo “modelo de negócios” regional. A articulação entre opositores armados no solo e bombardeio aéreo ocidental pode abrir precedentes importantes. Por mais que a Síria apresente características próprias e mesmo os manifestantes antigoverno não sejam abertamente favoráveis a intervenções estrangeiras, Bashar al-Assad deve nutrir algum receio neste momento. Principalmente porque a resistência doméstica a ajuda externa tem limites práticos. Ela é inversamente proporcional ao aumento da violência por parte de Assad.

Outra regra de ouro que cai a partir do caso líbio: a certeza de que ditadores conseguem se manter no poder graças ao apoio dos militares. Escrevi isso por aqui algumas vezes, inclusive. O monopólio da força é determinante para o fracasso das manifestações popular, desde que a poderosa Otan e as potências estrangeiras não façam nada para derrubar o regime. Agora, todas as estruturas estão abaladas e todas as certezas foram jogadas por terra. E não apenas isso: este é um momento de regozijo para europeus e americanos – cujas ações vinham sendo criticadas devido à ausência de resultados minimamente palpáveis.

Para finalizar, vai ser curioso observar os movimentos geopolíticos dos muitos atores interessados em alguma forma de atuação na Primavera Árabe. Em primeiro lugar, dos 22 países que compõe a Liga Árabe, somente nove apoiaram a criação de uma zona de exclusão área sobre o território líbio. Abertamente, nenhum foi claramente favorável à invasão. Eles reagirão à queda de Kadafi, sem dúvida.

No eixo de forças vitoriosas, ainda não está claro que rumo seus governos devem tomar. A França, primeira a reconhecer os rebeldes como autoridade local legítima, já tenta capitalizar. Paris quer ser a sede do primeiro encontro que definirá diretrizes quanto à transição pacífica e que se pretende democrática. Mas Washington precisa de resultados positivos. Mesmo menos importante internamente, Obama não pode abrir mão de ganhos no cenário externo justamente na pré-campanha e no momento em que ostenta os piores índices de avaliação de seu mandato.
Apesar da aparente vitória, os líderes ocidentais que bancaram todo este projeto militar e político ainda não podem respirar completamente. Há urgência de se reunir com os rebeldes justamente porque eles detêm enorme poder de acabar com as carreiras e ambições de Obama, Sarkozy e David Cameron. Se houver um banho de sangue na Líbia e o triunfalismo desbancar para uma vingança violenta às forças até agora leais a Kadafi, o sucesso atual pode rapidamente se transformar em fracasso histórico.

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