sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Síria: presidente Assad e comunidade internacional empenhados em não fazer nada

O presidente Bashar al-Assad aprovou às pressas um decreto que prevê a permissão para que os sírios formem partidos políticos. Esta não é apenas uma medida que procura iludir o Ocidente – cuja opinião pública está a cada dia mais estupefata diante da violência promovida pelo regime –, mas também uma tentativa de desviar o foco dos acontecimentos de Hama. De nada adianta Assad recuperar as esperanças das potências ocidentais de que o ditador se tratava de um jovem reformista (o que claramente não é o caso), se ordena às tropas o sufocamento dos protestos com mão-de-ferro.

E é bom dizer algumas verdades sobre o suposto gesto de boa vontade. Assad não é bobo. Mesmo com partidos políticos, ele se manterá em posição de controle absoluto. A lei que aprovou deixa claro que as legendas não podem ser formadas em torno de etnias, grupos religiosos e tribais. Devem também respeito à constituição (a constituição do clã Assad, para ser mais claro). Esta é uma forma de preservar sua posição e da minoria que o sustenta no poder. O presidente é alauíta, vertente muçulmana que corresponde à fé de apenas 12% dos sírios. Um partido que representasse a maioria sunita facilmente o derrotaria nas urnas (isso, claro, diante da remota possibilidade de eleições limpas). O próprio tecido social sírio é baseado nessas fidelidades étnico-religiosas. Excluir esta realidade do processo de formação dos partidos é o mesmo que manter o sistema atual de legenda única.

Um regime policialesco como o da Síria não precisa de partidos que discutam liberalismo econômico ou qualquer característica de democracias avançadas e consolidadas; precisa de abertura, de grupos políticos que representem a enorme diversidade do país (inclusive dos curdos, é bom dizer). A lei aprovada por Assad não serve de nada, pelo contrário. Ajuda apenas a envernizar sua aparência de líder reformista. Na prática, no entanto, o presidente criou uma farsa que pode receber o nome de “gincana da democracia”. Para ele, o ideal é que existam partidos que reúnam as pessoas em torno de assuntos desimportantes. É como decretar que, a partir de hoje, haverá partidos para cuidar dos interesses dos que gostam da cor azul ou laranja; ou para os que preferem carros clássicos a esportivos. A democracia de Assad não concebe discussões reais, mudanças que façam alguma diferença.

Enquanto isso, o mundo assiste sem fazer muito. Os EUA subiram o tom pela primeira vez. O porta-voz da Casa Branca, Jay Carney, disse que a Síria seria um país mais seguro sem Assad. Mas mesmo os EUA têm dado passos muito incipientes. A estratégia americana é aplicar sanções aos empresários ligados a Assad e também depositar duas esperanças na atuação do embaixador baseado em Damasco, Robert Ford. Ou seja, é muito pouco. Por mais doloroso que seja a Washington testemunhar o massacre de braços cruzados, os americanos não querem pôr em risco a estabilidade do vizinho Iraque, que custou muitas vidas e também muito dinheiro aos cofres públicos.

Toda a atuação internacional tem sido cuidadosa demais, minimalista demais, irrelevante demais. Até a condenação aprovada pelos 15 membros do Conselho de Segurança foi menor. Ninguém entrou muito no mérito, mas o texto foi apresentado como uma declaração presidencial, categoria inferior a uma resolução. No final das contas, há uma espécie de cumplicidade velada entre Assad e a comunidade internacional. O presidente sírio finge que recua, e o resto dos países finge estar decidido a acabar com os abusos do regime de Damasco.

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