No domingo à noite recebi um telefonema de uma entusiasta do blog que se apressou a compartilhar comigo os segredos revelados no final de semana pelo Wikileaks, projeto dedicado a encontrar e divulgar documentos secretos. Como não costumo acessar a internet com frequência nos finais de semana, corri ao computador para entender o que havia acontecido. De fato, os mais de 250 mil textos e telegramas sigilosos que revelam as ansiedades, opiniões e o pensamento internacional do governo americano poderiam pautar este site por um bom tempo.
Por conta disso, decidi me dedicar sem qualquer pressa ao assunto e neste primeiro momento pretendo examinar as interessantíssimas posições diplomáticas brasileiras. Sim, deste total de documentos descobertos, há 1.948 dedicados somente ao Brasil. Antes que se questione o volume, é bom dizer também que as informações cobrem correspondências entre embaixadas americanas e Washington entre 28 de dezembro de 1966 e 28 de fevereiro de 2010.
Um dos aspectos interessantes – e o WikiLeaks estrategicamente divulgará todas as informações em intervalos de tempo de forma a manter o assunto vivo – é verificar mais sobre a relação de Washington e Brasília durante a ditadura militar brasileira.
De qualquer maneira, os dados disponíveis ajudam a entender não apenas as relações atuais entre Brasil e EUA, mas também a política externa do governo Lula. Há vários sinais que mostram a ratificação de uma linha de raciocínio sofisticada. Por exemplo, em relação ao terrorismo, a embaixada americana traça um perfil sobre o comportamento do Itamaraty.
Documento do então embaixador Clifford Sobel elogia as ações de combate ao terrorismo, mas deixa claro que o Brasil não quer tornar públicas tais práticas. O texto afirma que as autoridades brasileiras prendem com frequência indivíduos ligados ao terrorismo. Ainda segundo o ex-embaixador, o país evitaria estardalhaços devido ao "medo de estigmatizar a grande comunidade muçulmana no Brasil" ou "prejudicar sua imagem como destino turístico". Também "evita parecer com o que é visto como uma política agressiva dos EUA de guerra ao terrorismo".
Há muito para ser dito diante de tantas revelações. Em primeiro lugar, acho que a maneira como Sobel interpreta a preferência de Brasília por não divulgar ações antiterror é limitada. É claro que há esforços para não estigmatizar os 1,5 milhão de muçulmanos que vivem no país ou mesmo de não arranhar a imagem como destino turístico. Mas isso não é tudo. O Brasil não quer se colocar como agente da guerra ao terrorismo na América Latina justamente porque internacionalmente defende um discurso de busca por negociações e frequentes críticas à maneira como países que enfrentam ameaças terroristas lutam contra elas.
Além do mais – e aí o ex-embaixador faz uma ótima análise – haveria grandes estragos às pretensões internacionais brasileiras se o país passasse a ser visto como parceiro americano em questões de segurança global. O Brasil perderia onde quer mais ganhar politicamente: no posicionamento como líder equilibrado do movimento dos Estados "não-alinhados". Como poderia requisitar tal status ao se colocar voluntariamente ao lado dos EUA num assunto tão sensível a parceiros que Brasília considera fundamentais?
O fato de manter o discurso equilibrado abertamente e combater ações, planejamento e financiamento ao terrorismo em "low profile" resume o pensamento externo corrente do Itamaraty: manter a legalidade nacionalmente e não incentivar a violência ao mesmo tempo que evita cumprir com entusiasmo o que poderia ser interpretado como a "cartilha americana".
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