As significativas mudanças em curso no Oriente Médio realmente atingem todos os atores. Há muitas questões em torno da Arábia Saudita. Não apenas por conta de sua importância estratégica na produção de petróleo – e este dado é ainda mais relevante num mundo em crise, vale lembrar –, mas também porque o regime do país é tão fechado que as informações são muito contraditórias. Na prática, no entanto, é claro que, como Khadafi na Líbia, a dinastia Saud faz qualquer negócio para se manter no poder.
Há algumas diferenças, no entanto. Se o ditador líbio sempre se esforçou para aparecer, os Saud preferem a discrição. Enquanto Khadafi incitou e patrocinou atos terroristas e criou para si uma diretriz internacional que por muitos anos se baseou no discurso antiamericano, os sauditas se aliaram a sucessivos ocupantes da Casa Branca. Há muitas razões para justificar tal relacionamento, mas é importante não deixar de lado em qualquer análise o embate regional estratégico entre sunitas e xiitas.
Outra importante diferença entre o rei Abdullah (foto) – ocupante do trono saudita – e Khadafi é o método escolhido diante da escalada da oposição. Enquanto o ainda líder líbio optou por contratar mercenários e usar a força militar para reprimir os próprios cidadãos, Abdullah decidiu usar o que a Arábia Saudita tem de sobra: dinheiro. Na semana passada, anunciou medidas no valor de 36 bilhões de dólares para acalmar a população. Também cogita a possibilidade de organizar algum tipo de eleição e investir 400 bilhões de dólares em infraestrutura. A similaridade entre os dois líderes é a que mais lhes causa danos: muito possivelmente, perderão muito com as manifestações.
Khadafi deve perder mais porque meteu os pés pelas mãos e deu o tremendo azar de estar espremido entre Tunísia e Egito. Vai acabar caindo em algum momento. No caso da Arábia Saudita, é pouco provável que a monarquia da família Saud – de fato, a fundadora do moderno Estado saudita – seja derrubada. Principalmente porque o regime é tão hermético que a oposição é desarticulada. Mas mesmo o rei Abdullah vai precisar se esforçar para mudar. E este processo será profundamente doloroso.
Para variar, o WikiLeaks apresenta material novo que ajuda a entender a complexidade dessas mudanças. Os muitos príncipes e seus parentes são sustentados pelo governo. Submetido ao Ministério das Finanças, o curioso “Escritório de Decisões e Regras” é encarregado de distribuir a grana. A mesada é definida de acordo com o grau de parentesco com a família real. “São cerca de dez bilhões de dólares anuais controlados por meia dúzia de príncipes” – palavras usadas por um príncipe no relatório vazado pelo WikiLeaks.
A questão agora é que essas informações podem acrescentar ainda mais revolta à incipiente tentativa de oposição saudita. E aí retomo um dos aspectos tratados por aqui ao longo dessas três últimas semanas: os meios de comunicação passaram a agentes, não meros reprodutores de acontecimentos. E a al-Jazeera, a principal protagonista deste grande evento midiático, também possui suas próprias convicções políticas. A rede de TV qatari está alinhada aos interesses dos Estados xiitas, principalmente do Irã. Desestabilizar a Arábia Saudita é profundamente interessante a Teerã como forma de se firmar como potência hegemônica regional. Como o controle sobre os meios de comunicação é bastante rígido pelos sauditas, talvez seja mais difícil que as informações cheguem ao país.
Além disso, um investimento financeiro tão alto como o prometido pode prejudicar o fluxo que se tornou padrão à realeza. Isso poderia provocar uma instabilidade curiosa e muito diferente daquela que tem acontecido até agora: a elite insatisfeita com a própria monarquia que a sustenta. É por todos esses motivos que considero único o caso da Arábia Saudita.