quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O declínio do império americano

Dando continuidade ao assunto abordado ontem, acho válido aprofundar mais os grandes prejuízos regionais americanos. No final das contas, se ainda há muitas dúvidas quanto ao futuro dos países atingidos pelos ventos da mudança, uma das poucas certezas diz respeito aos maiores derrotados deste processo: EUA e Israel. E como na maioria das situações, quando há perdedores, há também os vencedores.

E o mapeamento dessas conclusões é muito claro porque os acontecimentos chacoalharam os modelos estabelecidos. De um lado, foram colocados para fora do jogo os supostos líderes moderados. E é bom que se diga que este termo “moderado” vai precisar ser revisto. Nas palavras conscientes do diplomata jordaniano Marwan Muasher, a política americana para o Oriente Médio sempre priorizou a estabilidade em detrimento da democracia. Será preciso também mudar este paradigma a partir de agora. O fato é que a geopolítica regional caminha para o outro lado da balança: democracia sobreposta à estabilidade – pelo menos sob a ótica de americanos e israelenses.

 

Disse tudo isso para concluir que os modelos que levavam em consideração a estabilidade estão relegados ao lixo da história local. Seguramente, a mudança que está por vir em Egito, Tunísia, Líbia, Iêmen e Bahrein não irá destinar honras históricas aos líderes autoritários depostos. Até porque a forma como este processo se sucede apresenta requintes óbvios de heroísmo por parte dos manifestantes.

E aí é um tanto curioso notar que as duas potências em disputa por poder no Oriente Médio assistem passivamente aos acontecimentos. EUA e Irã não são protagonistas dos movimentos populares, mas sofrem diretamente suas consequências. A Casa Branca não apenas sai enfraquecida deste momento, mas periga perder de vez a influência regional. Se antes de toda esta reviravolta havia uma espécie de esquematização da disputa – a polarização política entre Estados sunitas e xiitas sobre a qual tratei tantas vezes por aqui –, agora ninguém sabe o que esperar dos novos governos que irão surgir.

No entanto, há uma enorme possibilidade de os países ora aliados à política externa americana abandonarem tal fidelidade. E aí o esquema ao qual os EUA se agarraram com tanta certeza simplesmente deixará de existir. Os países não são seus líderes. O Egito não era Hosni Mubarak, muito embora este fosse seu projeto político. Novos dirigentes colocarão em prática novas diretrizes. E, pelo menos até este momento, o Irã é o maior vencedor geopolítico da região porque conseguiu o feito de esmagar a estratégia americana sem fazer qualquer esforço. O passeio dos navios de guerra pelo Canal de Suez e pela costa de Israel foi apenas uma forma de tripudiar.

O programa de “relações públicas” iraniano vai ter o trabalho apenas de empurrar o carro ladeira abaixo. Pesquisa do instituto Brookings mostra que Mahmoud Ahmadinejad é a terceira figura política internacional mais admirada nos países árabes (fica atrás apenas do primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, e do presidente venezuelano - ! -, Hugo Chávez). Basta agora vincular o regime de Teerã aos muitos partidos islâmicos que estão surgindo para que o modelo de governo iraniano se transforme em protagonista das novas democracias que irão surgir. A ironia disso tudo é que a tão sonhada democracia no Oriente Médio vai ajudar justamente os principais inimigos dos EUA. Não era difícil prever esta possibilidade. Basta ver o que aconteceu democraticamente no Líbano há poucos meses e na Faixa de Gaza, em 2006.

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