A anulação e o silêncio são as regras do jogo político atual do Oriente Médio. Ontem comentei sobre as dúvidas que pairam em análises publicadas em veículos de todo o mundo. Tais questões não se restringem somente a quem cabe tentar entender o momento histórico da região, mas estendem-se também a governos e lideranças locais. Todos temem pisar em falso. Talvez pela primeira vez, mesmo que por motivos distintos, Israel, Autoridade Palestina, EUA, Líbano, Irã e Iraque estão unidos pelo medo de alguma forma se associarem ao lado perdedor. E, por ora, ainda que as evidências apontem a provável queda de Hosni Mubarak, ninguém sabe como isso tudo vai terminar.
Para completar, há muitas possibilidades quanto aos sucessores do presidente egípcio. Enquanto o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, orientou os membros do seu governo a permanecerem calados, o presidente Shimon Peres decidiu elogiar Mubarak por conta própria. O gesto talvez reflita um tanto de autoconfiança por seu admirável currículo político, mas pegou mal. No momento atual, mostrar solidariedade ao governante não é apenas improdutivo, mas mostra um tanto de incompreensão do quadro maior. A maior lição de hoje é que, pelo menos por ora, a bola está com as pessoas que se manifestam nas ruas. Não com lideranças políticas. E, menos ainda, com a figura mais contestada deste processo de ruptura. É claro que Israel teme a ascensão de figuras que contestem o acordo de paz entre os países, mas o melhor a fazer é esperar e ver quais os resultados deste imbróglio.
Se do lado israelense houve este escorregão marcante, os palestinos agiram com inteligência. Não apenas a Autoridade Palestina não quis se manifestar, mas também o Hamas. Ambos os grupos temem que a revolta que já tomou Tunísia e agora tem tudo para mudar a realidade de forças no Egito se espalhe para os territórios palestinos. Se a AP e o Hamas partilham algumas similaridades, a mais importante delas, sem dúvida, é que ambos prezam com afinco a disputa de poder entre si. Nenhum dos grupos cogita a possibilidade do nascimento de uma terceira via política que clame por emprego, eleições periódicas, liberdade de imprensa e a discussão de um projeto de desenvolvimento interno sério, imagina. Soa como lugar-comum a esta altura, mas mesmo com manifestantes egípcios entoando slogans contra Israel e EUA, os protestos iniciados na Tunísia parecem ter levado as populações dos distintos países árabes a ousar questionar seus problemas internos. É a percepção de que enquanto Israel e EUA estiveram no centro das manifestações, as respectivas ditaduras se perpetuaram no poder.
E aí começa a contradição com a qual Barack Obama precisa lidar. A política externa americana na região sempre teve preocupações importantes, mas restritas: segurança e terrorismo. Por mais que o discurso de Washington reafirme o clamor nacional por democracia, direitos humanos e liberdade de imprensa para todo o mundo, no Oriente Médio o pragmatismo superou esses valores. Sucessivos ocupantes da Casa Branca jamais ousaram mexer nos vespeiros de aliados fundamentais, como Egito e Arábia Saudita, por exemplo. Em troca do silêncio, os ditadores nacionais cumpriram a cartilha de impedir que os grupos terroristas locais se institucionalizassem ou usassem o aparato estatal para lançar plataformas ideológicas ou mesmo operações. Foram mantidos à margem do sistema, banidos da política local.
Após 30 anos de apoio financeiro a Mubarak, a única alternativa americana é interferir o mínimo possível. E aguardar o resultado disso tudo para pensar em qual caminho seguir. Até porque os EUA cometeram um erro estratégico: nunca imaginaram – ou se o fizeram não agiram – que as oposições poderiam virar o jogo. E, por isso, não estreitaram os laços com os distintos grupos.
Muito embora exista uma tentativa de veículos de imprensa de apresentar Mohamed ElBaradei – ex-diretor geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) – como o representante mais palatável aos ocidentais, é importante fazer duas ressalvas: primeiro quanto a sua atuação fortemente antiamericana durante o processo que buscou justificar a invasão dos EUA ao Iraque, em 2003, e pela qual levou o prêmio Nobel da Paz dois anos depois; segundo, assim como qualquer oposicionista que venha a liderar a realidade posterior a Mubarak, ElBaradei sempre deixou claro que irá incluir a Irmandade Muçulmana no novo cenário político.
Como também escrevi ontem, Irã, Líbano e Iraque se mantêm silenciosos porque a situação lhes é favorável. Mas não apenas por isso. Todos os países temem que um governo egípcio popular se transforme em modelo para toda a região. Irã, Líbano e Iraque aprovam a participação da Irmandade Muçulmana, mas não uma revolução liberal que adote medidas “extremas”, como a permissão da existência de um jogo político plural com partidos de posição e oposição, e libere o trabalho da imprensa. Aí também é demais.
Por mais otimismo que exista neste momento – e ele é em parte justificado –, não creio numa transformação plena da realidade no Egito e, menos ainda, nos demais países da região. Principalmente porque qualquer vitorioso que assumir a presidência do país precisará assumir muitos compromissos. E numa região conflituosa e com interesses distintos, irá precisar se acomodar à força e demandas dos vizinhos e dos EUA. Não é produtivo imaginar que, depois de 30 anos, o Egito passará a ser uma ilha de democracia entre os Estados árabes e islâmicos do Oriente Médio.
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