O impasse egípcio tem sido comparado à revolução iraniana de 1979. Há um tanto de razão na análise, muito embora não compartilhe da visão de que eventos tendem a se repetir. Penso que cada caso é único, mas entendo quando leio textos que caminham por este terreno. O que de fato é bastante similar nos dois casos é a ineficiência americana em apresentar respostas rápidas e afirmativas. Há pouco mais de 30 anos, o então presidente Jimmy Carter apostou no silêncio e na associação a representantes do islamismo moderado durante o processo de derrubada popular do xá Reza Pahlevi. E todo mundo sabe como essa história terminou.
Agora, as autoridades americanas igualmente encontram grande dificuldade para tomar uma posição. No começo da revolta popular, pediram calma. Hoje, parecem ter optado por dois rumos paralelos: manter certo distanciamento e iniciar contatos preliminares com Mohamed ElBaradei – o mal menor, digamos. O professor de história militar Geoffrey Wawro resgata um episódio interessantíssimo. Durante a revolta iraniana de 1979, o então coronel Colin Powell conseguiu resumir a reação americana numa única frase: “Todo nosso investimento direcionado a um indivíduo, mais do que a um país, resultou em zero”, disse. No caso, o indivíduo em questão era o próprio xá Pahlevi.
Se 30 anos depois a administração Obama tem tentado com muita dificuldade se distanciar do presidente Hosni Mubarak, ainda reluta em apresentar respostas mais firmes. Tudo porque a Casa Branca tem muito medo de parecer incoerente, justamente por ter apoiado a ditadura egípcia durante todos os esses anos. O problema é que tal pavor freudiano retarda a tomada de ações. E, enquanto isso, o antiamericanismo popular aumenta. E, como a revolta no Egito é popular, seja lá quem emergir vitorioso deste processo certamente vai preferir se distanciar de qualquer parceria com Washington – pelo menos num primeiro momento e publicamente.
O pé atrás da administração Obama é acompanhado com um pé a frente da administração Khamenei-Ahmadinejad no Irã. Livres de qualquer traço da culpa americana, em Teerã 214 membros do parlamento iraniano assinaram um comunicado em que enviam “apoio espiritual” para os egípcios em luta contra a tirania de seus governantes. Como nunca é demais reafirmar a política externa do país, os parlamentares fazem questão de condenar os esforços de “certos países ocidentais”, assim como do “regime sionista” – claro –, em esvaziar as manifestações e separá-las dos valores islâmicos. Na República Islâmica, ninguém está muito preocupado pelo fato de existir uma enorme contradição nisso tudo: afinal, há menos de dois anos, os protestos contra a polêmica reeleição de Ahmadinejad foram reprimidos à força. E, menos ainda, as autoridades iranianas pretendem transformar o país numa democracia plena.
Como contraponto regional aos EUA e em busca de hegemonia e liderança, o Irã sabe que não pode se manter à margem deste processo. Enquanto isso, Washington prefere a distância. Como escrevi, tal atitude seria legítima enquanto nenhum dos demais atores desse o primeiro passo. No entanto, como potência mundial, os EUA não podem se permitir tal isolamento. Ainda mais porque o silêncio pode custar caro demais. Além de perder o resto de credibilidade num dos palcos geopolíticos mais importantes do planeta, expõe a contradição americana que a Casa Branca preferia que fosse esquecida: o apoio às ditaduras que aceitaram jogar regionalmente ao lado dos americanos.
O problema é que as manifestações desses dias exigem justamente a democracia que Washington sempre fez questão de simbolizar. Como os EUA podem justificar a completa falta de apoio ao movimento? Como escreve Ed Husain, membro da organização americana Conselho de Relações Exteriores, “os EUA correm o risco de serem lembrados como a democracia que abandona os democratas”. E isto seria um prejuízo incalculável para a política externa de Obama e suas pretensões no Oriente Médio.
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