É compreensível a preocupação em torno da mais recente ação publicitária e geopolítica iraniana. A tentativa de conseguir autorização das autoridades egípcias para a passagem de duas embarcações do Irã pelo Canal de Suez é muito criativa e ousada. Antes de qualquer argumentação contrária que questione o fato na intenção de avaliá-lo como, imagina, mera coincidência, é importante dizer que há 32 anos navios da República Islâmica não usam a passagem marítima. Há 32 anos está em vigor o acordo de paz entre Egito e Israel.
Segundo autoridades de Teerã, o destino dos navios é a Síria. Ou seja, seguindo o curso pelo canal, os iranianos passariam muito próximos a Gaza e Israel. É claro que não se trata de uma simples viagem. Tanto que o assunto tem sido tratado com seriedade e constrangimento por todas as partes envolvidas – principalmente pela ainda vacilante administração egípcia. Há um evidente desencontro de informações. E o motivo é muito simples: todo mundo teme dar a palavra final sobre o assunto.
Vejamos os fatos: a companhia que administra o canal negou ter autorizado a passagem dos navios. Autoridades do Cairo disseram o mesmo. O administrador do Canal afirmou depender de autorização do Ministério da Defesa. No final das contas, a agência de notícias oficial do Egito informou que autoridades aprovaram o pedido iraniano após receberem garantias de que as duas embarcações não carregavam armamento nuclear ou material químico.
O assunto é tão delicado porque mostra a disposição iraniana de, mais uma vez, criar um fato. Não por acaso, um fato que novamente polariza posições em relação a Israel. E, ainda mais circunstancial, no momento em que a oposição interna iraniana está em nova rota de choque com o regime de Ali Khamenei e Mahmoud Ahmadinejad.
A política externa do Irã é focada na disputa de poder regional. Com a queda de Hosni Mubarak e da ainda vigente posição de impasse no maior rival sunita, há uma lacuna importante em aberto.
Como escrevi ontem, este é um momento de testes para todos os envolvidos. O Irã se aproveita deste vazio para alcançar quatro objetivos de uma só vez: provocar Israel, criando um fato regional que mobiliza as massas (inclusive a própria população iraniana); testar em que ponto está a aliança entre a nova administração egípcia e os EUA (com Mubarak na presidência, jamais navios iranianos seriam autorizados a cruzar o Canal de Suez); reafirmar sua posição de confronto a Israel e EUA – postura que alavanca o sucesso iraniano nas ruas do Oriente Médio; e angariar apoio entre a população egípcia contrária à manutenção do acordo de paz com Israel.
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