Agora sim podemos classificar os acontecimentos em países árabes e islâmicos do Oriente Médio e Norte da África como revolução. O caso específico do Egito por si só ainda não poder ser interpretado como o surgimento de um novo modelo político, mas a onda de protestos que se seguiu estabelece um caminho sem volta. A luta por liberdade e mudança em Tunísia, Marrocos, Egito, Líbia, Bahrein, Iêmen e Irã já marca um capítulo importante da história mundial.
Foto: protestos contro o governo Khadafi na Líbia
E este é um caminho sem volta porque mesmo que as ditaduras consigam ter sucesso e permanecer no poder, o recado já está dado. E, sem a menor dúvida – ainda neste cenário de manutenção do estado vigente –, os líderes atuais precisarão fazer concessões em troca do restabelecimento da ordem. Negociar com a perspectiva de encontrarem forças de oposição capazes de apresentar alguma resistência importante já é um fato novo de grande importância mundial. A análise geopolítica e mesmo a atuação das antigas lideranças desses países passam a precisar pensar passos e decisões a partir de agora, a partir desta nova e ainda cambaleante realidade.
Esta perspectiva apresentada considera somente a possibilidade mais conservadora, onde os governos ameaçados pelos protestos populares conseguiriam, de alguma maneira (possivelmente da maneira mais violenta, diga-se de passagem), manter o status quo. Ou seja, existe ainda chance real de que parte desses países viva novas realidades, com novos regimes construídos sobre os escombros das ditaduras. Este terreno de experimentação é mais incerto e dá margem a especulações ainda mais criativas.
Para não cair no erro da generalização, é importante analisar cada um dos levantes populares separadamente. A Líbia é a bola da vez e pode se transformar também no palco da repressão mais violenta. Isso porque, ao contrário do Egito (onde o comando do exército possui certa independência do governo central), as forças militares líbias são controladas de muito perto pela família Khadafi. Como escrevi durante as manifestações no Cairo, Mubarak caiu mais cedo do que se imaginava porque já não contava com o apoio do poder coercitivo. Não é o que acontece na Líbia, pelo contrário.
Por isso também que fontes próximas à família Khadafi disseram ao jornal saudita al-Sharq al-Awsat que para o coronel Muamar Khadafi, “é matar ou morrer”. E é isso mesmo. Como lembra Ian Black, editor de Oriente Médio do britânico Guardian, o objetivo central do ditador líbio sempre foi se manter no poder. Por conta disso, fez grandes concessões – abrir mão do programa de desenvolvimento de armas nucleares e indenizar os familiares das vítimas do atentado ao avião da Pan Am que caiu sobre Lockerbie, em 1988, foram duas delas. E o país assiste à escalada de violência porque nem Khadafi quer deixar o cargo, nem os manifestantes podem recuar agora (seguramente, o regime irá punir com severidade os capturados).
O caso líbio é muito importante justamente por conta deste infortúnio violento. Se houver um banho de sangue, a comunidade internacional terá de tomar alguma atitude. E a ONU vai precisar assumir alguma responsabilidade diante de caso. Como Trípoli sofreu sanções durante muitos anos, possivelmente elas não seriam suficientes para mudar o quadro de repressão. A resposta teria de ser mais assertiva, uma invasão militar, por exemplo. E a dúvida principal seria: como o Conselho de Segurança se comportaria diante disso? Os países árabes e islâmicos estariam dispostos a abrir tal precedente? Até que ponto a comunidade internacional se manteria indiferente ao eventual crescimento do número de mortos na Líbia?
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