quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Líbia, EUA e o novo Oriente Médio

Há muitas contradições nos termos usados quando se aborda a tragédia humanitária líbia. A mais visível delas diz respeito ao exército de mercenários contratado por Khadafi para se manter no cargo. De fato, o ditador tem espalhado panfletos pelos países árabes em busca de homens dispostos a vender suas vidas pelo regime. Esta informação amplamente divulgada pode chocar leitores ocidentais. Mas, como bem lembra reportagem da revista Time, a associação entre patriotismo e forças armadas é um fenômeno recente, do século vinte. Antes disso, contratar “funcionários” para as guerras nacionais era prática comum.

Longe de mim querer livrar a barra do Khadafi, mas acho válido fazer a seguinte comparação: os EUA firmaram um acordo com a empresa Blackwater (hoje, Xe) para que ela cuidasse de boa parte da empreitada militar no Iraque. E tal fato mereceu pouca relevância no ocidente, causando quase nenhuma surpresa. São situações diferentes, mas ambas envolvem recursos humanos militares privados.

E por falar nos EUA, acredito que tal movimentação geopolítica em curso deve alterar também o posicionamento americano na região. Pode parecer fato isolado, mas o sucesso da travessia dos navios de guerra iranianos pelo Canal de Suez é um golpe nas pretensões de Washington no Oriente Médio. O teste iraniano sobre o comportamento da nova administração egípcia foi bem sucedido. Pelo menos num primeiro momento. Acho que a permissão concedida ao Irã é uma pequena demonstração do que vem por aí. E, como a onda de manifestações populares, há possibilidade de uma resposta em bloco.

A insatisfação com o governo local é um traço marcante a todos os protestos. Por mais que as exigências populares não fizessem menção clara aos EUA, ninguém se esqueceu do apoio histórico americano aos ditadores depostos (à exceção da Líbia, claro). Sem qualquer dúvida, as novas administrações emergentes desse grande escombro político não vão esquecer este dado. Pelo contrário, até porque há a real possibilidade de grupos com discursos mais radicais assumirem postos importantes nesses países.

E o impacto dessas grandes mudanças será bastante sensível aos interesses de Washington na região: eventuais acordos de cooperação na área de segurança e combate ao terrorismo devem esfriar. E por isso a posição de Obama ainda é de espera por resultados mais concretos. E enquanto a Casa Branca se mantém afastada deste cenário por motivos óbvios, o Irã experimenta como pode. E a grande ironia disso tudo é que a tão sonhada expansão da democracia parece seguir a regra de três em relação ao posicionamento americano: quanto mais democracia, menor a aproximação com os EUA. Pelo menos num curto prazo.

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