A situação parece ter tomado novo rumo no Egito. As forças armadas anunciaram a aliança com os revoltosos. Não se sabe se isso significa que o exército terá papel central no novo governo ou se simplesmente quer usar o monopólio da força que lhe cabe para finalmente depor o presidente Hosni Mubarak.
Lembro-me de outro texto que escrevi na terça-feira (leia aqui). Se os militares assumirem o poder, existe a possibilidade de a Irmandade Muçulmana buscar alguma influência nesta área. Por mais que seus líderes jurem que a participação do movimento nas manifestações não é sinal de qualquer ambição, tenho certeza de que o grupo vai estar presente no novo governo a ser formado.
E isso é até muito natural. Enquanto a Irmandade Muçulmana possui todo o aparato organizacional e ideológico, as manifestações populares se tornaram reais pela insatisfação generalizada. Ou seja, há muitas reivindicações por mudanças de toda a sorte, mas não um planejamento estratégico de longo prazo – e isso vai fazer toda a diferença num futuro próximo. Aliás, esta característica explica também o sucesso dos protestos ao unir setores tão distintos da sociedade egípcia, provocando, inclusive, a tolerância à comunidade cristã do país.
Quando a poeira baixar, os distintos interesses e conflitos irão emergir. Resta saber como uma sociedade sedenta por democracia e reprimida por 30 anos irá reagir quando tiver de negociar. E, como escrevi ao abordar o vazamento dos documentos secretos palestinos, negociar é perder. Sempre.
Enquanto isso, quem nunca perdeu procura reagir como pode à derrota iminente. Há uma curiosíssima união dos regimes ditatoriais. Em certo tom desafiador, a Arábia Saudita declarou apoio a Mubarak. O rei Abdullah (foto), inclusive, teria dito – segundo informações do britânico Times – que seu regime estaria disposto a financiar o Egito de Hosni Mubarak, caso os EUA deixarem de enviar os 1,5 bilhão de dólares anuais ao país.
Esta declaração é uma real lembrança a Obama de quem são seus verdadeiros aliados entre os países árabes “moderados”. As autoridades oficiais de Egito, Arábia Saudita e Jordânia estão decepcionadas com a mudança de posição da Casa Branca. Enquanto foi possível, Washington fechou os olhos a todos os governos ditatoriais. Mas a mudança está a caminho e a maior potência do planeta não pode agir como se nada estivesse acontecendo. Por mais que tal atitude seja contraditória.
Mais além do Oriente Médio, coube também uma reação chinesa: uma declaração oficial de que os EUA não devem interferir nos assuntos do Egito. Se Arábia Saudita, Jordânia e os demais autoritários regionais temem suas respectivas quedas, o caso chinês vai um pouco além disso. Beijing sabe da oposição interna e de seu desejo por mais abertura, mas também teme os acontecimentos no Oriente Médio e na África. Vale lembrar que as autoridades da China mantêm contratos comerciais com todo o tipo de parceiro – Irã e Sudão são apenas dois exemplos dos controversos negócios estabelecidos pela república popular. O realismo político se funde com o realismo econômico. Grandes mudanças nesses países podem provocar também importantes revisões contratuais.
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