A entrevista do presidente americano, Barack Obama, à Fox News foi reveladora quanto à posição dos EUA em relação aos protestos no Egito. Pouco antes do Super Bowl, o maior evento esportivo do país e que atrai a maior audiência televisiva, o presidente declarou que a Irmandade Muçulmana não detém o monopólio das manifestações e não possui apoio majoritário. Esta é uma visão um tanto otimista dos acontecimentos e mostra que a Casa Branca preferiu seguir um caminho pouco produtivo.
Foto: conferência de imprensa da Irmandade Muçulmana no Cairo
Em parte, consigo entender as motivações para desviar o olhar dos fatos. É como quando temos um pesadelo muito ruim e, num lapso de consciência, fechamos os olhos com força – ou abrimos, depende do método pessoal de cada um – para retomar o controle. No final, torcemos para que o pesadelo não passe disso mesmo. O problema, no entanto, é que, como em Vanilla Sky, Obama abriu os olhos e se viu diante de um problema complicado de ser resolvido. Ao contrário do que afirmou na entrevista, há muito apoio ao islamismo político representado pela Irmandade Muçulmana; o lulístico índice de 95%. Não se pode menosprezar tal número.
Como os EUA demoraram muito tempo para se posicionar, o presidente americano decidiu seguir alguma coerência e optar por uma estratégia um tanto juvenil: em vez de acordar e pensar no que pode ser feito daqui para frente, a estratégia americana prefere investir em colocar o líder do país para dormir de novo. Isso se explica, em parte, como um método cujo objetivo final é ganhar tempo, adiar o enfrentamento. Até porque, como já escrevi por aqui, debater política com a Irmandade Muçulmana significa aceitar que grupos radicais islâmicos passem a governo; ou seja, os EUA estariam, num efeito dominó de resultados imprevisíveis, de portas abertas para a legitimação em sequência de Hamas e Hezbollah – apenas para citar os mais óbvios.
Enquanto isso, algumas leituras sobre o posicionamento da Irmandade Muçulmana: o britânico Telegraph declarou que a posição do presidente Mubarak estaria mais segura agora que o grupo islâmico voltou atrás e decidiu participar das negociações para um governo de transição. Isso faz algum sentido, ainda mais porque agora os islâmicos se dispuseram a abrir mão de que o presidente deixasse o cargo imediatamente. Se este radicalismo natural do grupo continuar a recuar, ninguém sabe como os manifestantes poderão reagir. Até porque, não custa lembrar que o movimento de massa exigindo mudanças não foi organizado pela Irmandade Muçulmana. O grupo apenas surfou sobre a sucessão de acontecimentos.
Se por um lado o islamismo político pretende abrir caminho para uma transição tranquila que lhe garanta acesso ao poder, existe a possibilidade de consequências distintas: o gesto ser interpretado como traição – reaquecendo os protestos – ; e os EUA considerarem existir um ambiente propício a negociações de bastidores com a Irmandade Muçulmana. De qualquer maneira, a complexidade do cenário aumenta bastante.
Como escrevi antes, é bastante natural que o grupo passe a assumir responsabilidades e compromissos na medida em que passa de oposição – ilegal, inclusive – a governo. Politicamente, acrescenta ainda mais elementos à pressão enfrentada pelos americanos – que vão esgotando os argumentos que impedem o diálogo aberto com o islamismo radical. O problema é que, localmente, é até bastante natural que os manifestantes que se expuseram durante todos esses dias continuem a não aceitar nada menos que a renúncia imediata de Mubarak.
Em longo prazo, a pressão popular pode exigir da Irmandade Muçulmana a adoção de medidas radicais. E isso seria teoricamente algo simples de ser realizado. Bastaria simplesmente que o grupo – já na posição de governo – ignorasse a cláusula do acordo de paz com Israel que exige a desmilitarização do Deserto do Sinai. Resta saber se as milhares de pessoas que tomaram a capital egípcia em busca por democracia e emprego estariam dispostas a aceitar tal populismo vazio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário