sexta-feira, 25 de março de 2011

As interpretações equivocadas quanto ao voto brasileiro contra o Irã

Pronto. Dilma deu o pontapé inicial em suas intenções internacionais. Para a imprensa brasileira, o fato de o país ter acompanhado outros 21 votos que propõem o envio de um relator ao Irã para investigar violações aos direitos humanos é uma espécie de sentença clara: a política externa brasileira mudou, a atual presidente rompeu com as diretrizes do governo anterior e, finalmente, as muitas páginas escritas por oito anos de Celso Amorim à frente do Ministério das Relações Exteriores são águas passadas. Digo logo de cara: tais premissas estão erradas.

Foto: Lula, Ahmadinejad e Erdogan em maio do ano passado

Em primeiro lugar, em nenhum momento dos oito anos de Lula no Planalto enxerguei a proximidade com Teerã como simples construção de laços de amizade com Mahmoud Ahmadinejad. Esta conclusão precipitada e um tanto alardeada por aqui reflete a incapacidade de uma leitura mais complexa da própria diplomacia brasileira. Talvez fruto do preconceito a Lula, não sei, talvez falta de vontade mesmo, o fato é que as relações entre Brasil e Irã nunca foram vazias. E isso é válido para os dois lados.

Do ponto de vista iraniano, aliar-se ao Brasil constituía parte dos esforços de diversificar parceiros comerciais e políticos. Bancando programa nuclear controverso, as autoridades da República Islâmica jamais imaginaram que a comunidade internacional fosse cruzar os braços. E não me refiro simplesmente à possibilidade de ataques militares contra suas usinas, mas também às sanções colocadas em prática. O Brasil era rota de fuga comercial, bancária e política. Sendo que este último item atendia também a interesses brasileiros. Os iranianos sabiam disso. E investiram na relação. Não apenas assinaram acordos de cooperação, como também ampliaram o montante das relações econômicas.

Nos últimos oito anos, o volume negociado entre os países passou de 500 milhões de dólares para 1,2 bilhão de dólares. As exportações brasileiras para o Irã aumentaram 77% em 2010.

A parceria se consolidou, mas, em nenhum momento, o Brasil se assumiu como o maior defensor do Irã no planeta. E o motivo para isso é bem simples: o Brasil, assim como a maior parte dos países do mundo, mantém diretriz internacional baseada numa plataforma que mescla ideologia e interesse. E, assim também como a maior parte dos atores internacionais, a balança tende com frequência ao pragmatismo. Escrevi na terça-feira que buscar coerência política é um exercício que fatalmente ocasionará frustração. É com este olhar que se deve interpretar o jogo.

Por exemplo, a Folha de São Paulo publica uma ótima entrevista com o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim (leia aqui) em que ele recorda, com razão, uma recente ambiguidade americana em relação ao Brasil: o apoio à pretensão da Índia de ocupar assento permanente no Conselho de Segurança da ONU é contraditório, na medida em que o país possui armamento nuclear. Ao mesmo tempo, Washington mantém discurso condenando a proliferação deste tipo de arsenal. Entre os BRICs, somente o Brasil não dispõe de armas atômicas, nem se mostra disposto a desenvolvê-las.

Seja como for, por mais que não pareça, a atual atitude brasileira de apoiar o envio do relator de direitos humanos ao Irã é simplesmente um prolongamento do lastro internacional anterior. É até bem simples de justificar esta minha visão: como escrevi, o Brasil optou pelo pragmatismo nos anos de Lula. E isso não mudou. Até este momento, a aliança com o Irã foi importante. Vale lembrar que o momento de maior protagonismo brasileiro no cenário internacional aconteceu em maio passado, quando, ao lado da Turquia, o então presidente Lula forjou um acordo nuclear com Teerã. Por mais polêmico que o episódio tenha sido, acabou por reforçar a posição brasileira no jogo geopolítico.

Ao que parece, agora há uma mudança de interpretação. Afinal, o país está consolidado como potência regional e ator global. E tais predicados requerem também responsabilidade. E não simplesmente por questões ideológicas, de forma alguma. Mas justamente para mostrar que o Brasil, que se pretende ocupante de uma vaga permanente no Conselho de Segurança, é um jogador de peso independente. Manter-se fiel ao Irã em qualquer circunstância poderia confundir visões. O que fica de tudo isso é simplesmente a reafirmação do pragmatismo do Itamaraty. E esta é uma herança do governo Lula, não uma ruptura.

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