segunda-feira, 28 de março de 2011

Protestos na Síria podem expor contradições da comunidade internacional

É natural a grande expectativa criada em torno das manifestações populares contra o governo sírio. Nesta onda de descontentamento que toma conta do Oriente Médio, é surpreendente a coragem demonstrada pelos manifestantes sírios para desafiar o regime. O presidente do país, Bashar al-Assad, mantém controle rígido sobre todas as atividades nacionais, além de contar com forte aparato de segurança. Suas várias agências de espionagem não apenas contribuem para o permanente clima de tensão, como também encontram amparo legal.

 

Após o golpe de Estado que, em 1963, levou o Partido Baath ao poder, Hafez Assad – de quem Bashar herdou o cargo – criou um artifício que sustenta esta situação: a declaração de um estado de emergência. Na prática, a manobra política tornou possível a consolidação de leis que impedem qualquer tentativa de oposição. Assim, o governo pode exercer quando e como quiser o “direito” de monitorar comunicações pessoais entre cidadãos, por exemplo. Além disso, instaurou o controle estatal sobre os meios de comunicação, permite ao governo julgar civis em cortes militares, proíbe a formação de partidos políticos (claro!) etc.

Nada disso, no entanto, impediu os protestos. A diferença da situação síria para as demais é que há alguns pontos sensíveis – principalmente aos americanos: os EUA vinham tentando uma aproximação com Damasco ou pelo menos um relaxamento de tensões. A Síria é um ator-chave no grande conflito geopolítico regional. Claro que o Egito também era – e todo mundo sabe que Washington demorou a se pronunciar sobre a crise envolvendo o aliado Hosni Mubarak –, mas a Síria é um problema maior.

Além de se transformar no primeiro palco de protestos que faz fronteira com Israel e que legalmente se mantém em estado de beligerância com os israelenses desde a fundação do país, a força militar síria não pode ser ignorada. Por mais que a supremacia bélica do Estado Judeu no Oriente Médio seja incontestável, numa eventual guerra, as forças sírias seriam as que causariam maior preocupação a Israel.

Do ponto de vista estratégico, a Síria também é peça fundamental do tabuleiro do Oriente Médio: a proximidade de laços que mantém com o Irã levanta suspeitas quanto as intenções do país. Se por um lado Assad se mostrou aberto a receber congressistas americanos e a reabrir a embaixada dos EUA em Damasco, o presidente sírio está profundamente vinculado a Mahmoud Ahmadinejad. Para complicar ainda mais, o último ano deixou ainda mais claro o estabelecimento de um eixo de poder oposto aos interesses regionais americanos: a aliança entre Irã, Síria e Turquia.

Por conta de todos esses elementos, a postura da comunidade internacional está em xeque. Se Assad decidir promover carnificina contra seus próprios cidadãos, e EUA, União Europeia e Otan não fizerem nada, a incoerência estará exposta. Por mais que política seja um jogo de pragmatismo mesmo, ninguém quer ter suas contradições comprovadas. E a bola está nas mãos de Assad agora. É claro que ele não gostaria de enfrentar o processo de insurgência popular, mas talvez tais manifestações tenham dado ao presidente sírio uma tremenda vantagem estratégica.

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