Não é a primeira vez que toco neste assunto, mas considero importante retomá-lo. Neste momento de nova guerra no Oriente Médio, é preciso deixar de lado os chavões que tentam se encaixar em muitas análises. Definitivamente, o petróleo não é o motivo mais relevante que motivou a aliança militar comandada pelos EUA a intervir na Líbia. E digo isso não para aplicar maniqueísmos. A luta em curso tampouco demonstra a grande preocupação das potencias pelos civis mortos por Khadafi.
Foto: destroços de avião americano na Líbia
Até porque, nunca é exagero lembrar, há outras tragédias humanitárias que jamais receberam a devida atenção. O caso mais simbólico é o de Darfur, no Sudão.
O que está em jogo agora é o poder das revoltas populares nos países árabes e também a reação dos governos às tentativas de mudanças. Se no começo do processo – ainda na Tunísia – os EUA optaram pelo silêncio, hoje nenhuma autoridade americana ousaria ir a público questionar a legitimidade das reivindicações. Política é assim mesmo. Buscar coerência em cada uma das atitudes de governos certamente ocasionará algum grau de frustração.
Hoje, o governo americano não apenas mudou seu discurso, como também optou por se aliar a um dos lados. E o lado que está no comando costuma ser a opção vencedora eleita pelas administrações. Não apenas os EUA, mas os países que compõem a coalizão precisam vencer Khadafi para mandar um recado claro aos demais Estados da região: o retorno ao status anterior não é uma opção. Pelo menos não com a aplicação da estratégia de guerra civil colocada em prática pelo ditador líbio.
A disputa em jogo é estratégica do ponto de vista principalmente de Washington, mas também esbarra na velha guerra geopolítica. E os sinais estão claros. Por exemplo, a Casa Branca silencia quanto aos protestos nos aliados Bahrein, Arábia Saudita e Iêmen. E sob este ângulo, a loucura de Khadafi ao decidir atacar os próprios civis acabou por dar o sinal que os EUA precisavam para ter alguma participação nos acontecimentos. Mudanças políticas deste porte numa região tão importante não poderiam ser ignoradas pela maior potência do planeta, certo?
E como o jogo internacional ostenta uma diversidade de atores, a oposição a Washington que se consolida neste cenário também tem agido. Como a Turquia demonstra nos últimos anos, seu maior interesse é forjar alianças com os Estados islâmicos opostos aos EUA. Por conta disso, tem dificultado as ações americanas no que é mais caro à Casa Branca: como escrevi ontem, há um discurso único de autoridades do país de forma a demonstrar que não há intenção de se manter na posição de liderança da atual ofensiva.
Ancara procura impedir que Obama passe o bastão a outro membro da coalizão com facilidade. E a Turquia pode fazer isso, na medida em que usufrui de característica única no cenário internacional: ao mesmo tempo em que aprofunda relações com Irã e Síria, é membro da OTAN (a aliança militar ocidental).
A Líbia é, neste momento, o palco principal de uma disputa geopolítica que está em curso no Oriente Médio muito antes dos eventos que provocaram a queda dos ditadores na Tunísia e no Egito. Khadafi acabou por se transformar, sem querer, na bola da vez. E isto tem muito pouco a ver com petróleo.
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