O programa de carnaval de ex-jogadores de futebol brasileiros de sucesso foi bastante curioso. Romário, Bebeto, Dunga, Denílson, Djalminha, Júnior Baiano e outros fizeram uma viagem extravagante. Abriram mão de blocos carnavalescos, camarotes vip, desfiles de escolas de samba em nome do altruísmo humanitário. Para ajudar as vítimas das enchentes no Rio, toparam jogar um amistoso na gelada Chechênia. Olha que bacana! Alguém acredita nisso?
Foto: Dunga disputa a bola com o presidente/craque Kadyrov
Agora basta de mundo imaginário. Ninguém confirma, mas o deputado Romário confidenciou a amigos ter recebido cachê de 500 mil reais para participar da partida. Os demais jogadores não revelaram as quantias. O que cada um faz durante o carnaval é um problema particular, certo? Certo, evidente. O problema é que os ídolos brasileiros (e uso o termo por ter noção do país onde vivo, não porque admire os jogadores de futebol) participaram da festa futebolística particular do presidente checheno Ramzan Kadyrov.
No cargo desde abril de 2007, Kadyrov tem uma história de vida no mínimo suspeita. Nomeado pelo então presidente russo Vladimir Putin, Kadyrov defendeu a independência chechena, mas depois mudou de lado. Até aí nada de errado, afinal mudar de opinião pode ser considerado até uma sofisticação intelectual. A questão é que seus métodos de exercício de poder são suspeitos. Há 3 mil desaparecidos, e o presidente é acusado de ordenar sequestros, torturas e execuções sumárias de opositores e ativistas de direitos humanos.
Essas não são informações confidenciais. Estão publicadas em todo o tipo de veículo, basta apenas fazer uma pesquisa rápida na internet. Mesmo assim, nossos craques parecem não ter pensado duas vezes antes de compactuar com a festa particular de Kadyrov. E vestindo o uniforme da seleção brasileira. Aliás, este é um aspecto interessante porque num primeiro momento, quando questionada sobre o jogo, a CBF disse ter dado autorização para que os jogadores usassem o traje oficial da entidade. Depois, num pronunciamento que beira o ridículo, autoridades da confederação disseram que a partida era informal, e que camisas, calções e meiões da seleção estão disponíveis nas lojas a qualquer um que queira comprá-las. Ou seja, a CBF tirou o seu da reta.
Obviamente, a entidade é uma empresa privada (sempre é importante ressaltar isso, diga-se de passagem). Mas o futebol brasileiro é um patrimônio nacional, uma das expressões mais significativas do povo brasileiro – e longe de mim adornos e patriotadas em torno do assunto. Na medida em que cuida de um dos aspectos mais relevantes do país, a CBF deveria, em tese, ter algum cuidado nas associações que faz. Em pior situação estão os jogadores que participaram da “festa”. Seria irresponsabilidade dizer que todos receberam dinheiro para jogar, mas parece que sim. Se não estão dispostos a qualquer pensamento crítico quanto a suas fontes de renda, que ao menos tivessem cuidado com suas próprias carreiras. Definitivamente, entrar em campo e bater palmas a um sujeito acusado de tantos crimes não conta pontos a ninguém.
Não é a primeira vez que futebol e política estão aliados – e do lado errado. Foi assim na Copa de 1978, na Argentina; ou durante a Copa de 1970, quando o governo militar abusou da patriotada. Mas vivemos tempos distintos, onde não há ameaças à vida dos que não se dobram às vontades políticas. Muito menos do presidente da Chechênia. Aliás, para piorar o quadro, Kadyrov jogou e fez dois gols. Numa cena patética, driblou o goleiro Zetti – um drible infantil em que Zetti claramente permite a passagem do presidente.
Os “ídolos” brasileiros que participaram do circo de mídia na Chechênia não estão arrependidos. Mas deveriam. Como deveriam também ser menos admirados, criticados com menos polidez, menos vergonha. Quando entram em campo, levam todo o Brasil com eles. E, dessa vez, entraram do lado errado da história.
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