O concerto internacional mudou. Não está claro se está mudança é duradoura, mas os eventos na Líbia mostram que a relação de poder entre países está alterada. A indecisão sobre o que fazer para frear o ímpeto de poder de Khadafi é sintomática. Como não acredito na “Era de Aquárius”, não creio que a relutância das potências em colocarem em prática a capacidade militar de que dispõem seja fruto de algum tipo de “evolução do pensamento humano”. Deixemos o musical Hair de lado por ora.
A nova ordem tem mais a ver com realismo econômico e político. Com Europa e EUA em crise, não é de se espantar que ambos já não sejam mais porta-vozes e atores únicos das decisões. Enquanto nos últimos anos assistimos à retração de ambos, testemunhamos também o crescimento de grandes países emergentes: Brasil, Turquia, África do Sul, Índia – sem falar na China, potência que muitas vezes não compartilha das decisões internacionais americanas e já reconhecida com assento no Conselho de Segurança da ONU.
O impasse líbio diz respeito a este momento singular. Por mais que Washington e europeus ainda representem uma considerável fatia do poder internacional, simplesmente já não é mais possível ignorar a existência dos outros atores. O problema é que por ora não estão definidos que papéis serão exercidos por esses países. Por isso é importante reformar a ONU. Por isso é importante repensar o próprio Conselho de Segurança. Se ele já contasse com a participação efetiva dos emergentes, possivelmente um plano conjunto seria elaborado.
A crise humanitária na Líbia pode ser considerada a primeira expressão deste novo mundo. Como há grande ansiedade por parte dos países – que querem e precisam se afirmar –, ninguém parece disposto a concordar – o que poderia ser interpretado como sinal de fraqueza diante da pressão das potências.
É neste cenário também que está o Brasil. Não porque esta é uma posição da atual presidente Rousseff, mas porque seu governo colhe os frutos de oito anos de alinhamento do país com os Estados emergentes – o que o próprio Itamaraty costumava chamar de política “Sul-Sul”. Por conta dela, por conta das inúmeras viagens e conferências realizadas por Lula na África e do reconhecimento do Brasil como espécie de porta-voz dos interesses dos países não-vinculados, Khadafi cogitou a possibilidade de receber uma missão de observadores internacionais – e Brasília enviaria integrantes para compor esta missão.
Como fica claro que o ditador Líbio não está disposto a se render às demandas do status quo de poder internacional representado principalmente por EUA e União Europeia, há um incentivo para que os emergentes atuem com ainda mais protagonismo na resolução deste problema. E crise é sempre uma tremenda oportunidade. Assim, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, aproveitou para surfar nesta onda e sugeriu a Khadafi que receba uma comissão internacional para ouvir governistas e opositores.
Tudo isso mostra um mundo em transformação, um mundo que já não aceita mais as mesmas soluções apresentadas há bem pouco tempo. E é claro que americanos e europeus têm feito uma leitura desses eventos, o que talvez explique a demora em por em prática planos de controle aéreo sobre o território e, menos ainda, intervenção militar. A crise líbia pode passar à história como o evento internacional que modificou de vez a forma como conflitos são resolvidos. Se isso será positivo, só o tempo dirá.
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