No dia seguinte à publicação do texto onde dizia não acreditar que a Grécia pudesse provocar um banho de sangue contra seus próprios cidadãos, as informações sobre os confrontos entre forças policiais e manifestantes são um tanto assustadoras; já se fala em mais de 300 feridos. Para que feridos se transformem em mortos, basta apenas que a repressão continue por mais tempo, sejamos realistas. Apesar disso, tenho certeza de que a situação por lá é bem diferente da repressão estatal promovida por Bashar al-Assad, na Síria. Um ponto importante que distancia os dois cenários é a liberdade de imprensa. Os olhos do mundo inteiro estão na Grécia. Jornais, televisões e agências de notícias trabalham livremente.
Como escrevi nesta quarta-feira, a crise extrapolou a mera discussão econômica. Já se trata de um evento político importante e que, certamente, não se restringe à história grega. Se os bancos franceses e alemães estavam muito preocupados com a aprovação do pacote de austeridade no parlamento em Atenas, a situação agora pode sofrer um revés importante. Afinal de contas, está cada vez mais óbvio o quanto a União Europeia é um organismo frágil sob o ponto de vista mais básico; as lideranças dos Estados-membros não tem em mente qualquer projeto sério de entidade supranacional. As atuações de Sarkozy e Merkel neste momento têm reafirmado o que muita gente já supunha: durante uma crise interna europeia, cada um que cuide de si e lute pelos próprios interesses.
E, nunca custa lembrar, a grande ironia disso tudo é que os governos de França e Alemanha estão mais preocupados com a “saúde” financeira do bloco e de seus próprios bancos do que com a vida dos cidadãos gregos. Tudo bem, há um tanto de purismo neste comentário, mas, afinal de contas, a Grécia e os gregos não deveriam ser mais importantes para a União Europeia do que os bancos? Sinceramente, não sei qual a impressão que os cidadãos gregos têm hoje da própria UE, da França e da Alemanha, mas imagino que eles não devem estar lá muito satisfeitos. Na prática, há também uma grande quebra do contrato social – parte importante do conceito de cidadania europeia – quando a qualidade de vida das pessoas deixa de ser prioritária.
E por falar em prática, toda esta discussão em torno da aprovação do pacote de austeridade já tem uma consequência óbvia: a UE está rachada. A fratura é até bem simples de ser compreendida e está exposta em toda a parte: virou lugar-comum se referir à Grécia, Espanha, Itália, Irlanda e a Portugal como Estados europeus “periféricos”. Se isso vai causar a exclusão desses países em algum momento é especulação. Mas, acho que pode ser o início do fim do bloco que, durante alguns anos, foi sinônimo de prosperidade e sucesso político e econômico.