Mais uma vez, a fronteira entre Israel e Síria foi palco de confrontos entre as forças militares israelenses e manifestantes sírios que tentaram cruzar a fronteira para o interior do Estado judeu. Menos de um mês depois de evento bastante similar, foi a vez de, segundo explicações dos envolvidos no protesto, lembrar o início da Guerra dos Seis Dias. Esta nova tática de manifestação é tão simples quanto eficaz. Ela reconstrói aos olhos da comunidade internacional a poderosíssima narrativa que polariza fracos e fortes, opressores e oprimidos.
Escrevi sobre isso em maio. Na época, disse que esta nova estratégia iria se repetir. Se antes havia alguma dúvida, agora está muito claro que este tipo de operação deve dar o tom nas fronteiras de Israel a partir de agora. Ela serve não apenas aos palestinos, mas também aos países árabes que se mantêm em confronto com Israel. Síria e Líbano sabem da dificuldade de encarar militarmente os israelenses. Por isso, decidiram mudar o foco das provocações. No lugar de bombas e tanques, manifestantes desarmados que, simples assim, burlam a soberania do país com seus próprios corpos.
Segundo grupos de oposição ao presidente sírio, Bashar Assad, cada um dos envolvidos na operação deste domingo teria recebido mil dólares do governo. Damasco teria prometido dez mil dólares a cada família de militante eventualmente morto durante a tentativa de cruzar a fronteira. Levando-se em consideração que o salário médio na Síria é de 200 dólares por mês, as cifras têm grande poder de sedução. A Assad o evento é duplamente útil. Enquanto seu regime tirou a vida de mais de mil cidadãos nos últimos três meses, aumentar a tensão com Israel tem o óbvio objetivo de acalmar a situação doméstica. Além disso, sensibiliza a opinião pública árabe – que assiste igualmente aflita ao genocídio popular cometido não apenas na Síria, mas também no Iêmen.
Operações desta natureza conseguem estar na crista da onda do mundo contemporâneo. São bem sucedidas porque acertam na política a partir da criação de eventos mais midiáticos e menos militares – pelo menos do ponto de vista dos manifestantes. Artigo publicado pela imprensa oficial síria mostra bem a visão bastante pragmática de seus idealizadores: “nem nós, nem a região temos um futuro natural à sombra da existência de Israel. E não há lugar para Israel em nosso futuro natural ou da região”. Neste caso, fica muito claro que, quando as fronteiras de Israel são invadidas, não é a localização das linhas divisórias que estão sendo questionadas, mas a própria existência de fronteiras israelenses. Eventos deste tipo não são criados para discutir onde o Estado palestino será criado ou qual será sua dimensão ao lado de Israel. Longe disso.
Manifestações como a de domingo têm também grande sucesso porque contam com o despreparo de Israel. Nem as lideranças políticas, nem as militares conseguem encontrar uma forma menos desastrosa de resposta. Cada sírio morto em combate será sempre contabilizado como um gol-contra das autoridades israelenses. Não adianta argumentar que se trata de uma provocação de Assad, nem reivindicar o direito à soberania. Tudo isso pode ser verdade, mas não convence. Simplesmente porque se trata de uma argumentação linear, racional. E ela jamais será capaz de superar as emoções causadas por imagens de manifestantes mortos. A narrativa polarizada e estomacal que coloca em lados opostos a iniciativa popular (por mais que não seja espontânea, ela é percebida assim. E é isso o que importa) e os soldados israelenses já é intrinsecamente vitoriosa. E por isso ela será repetida muitas e muitas vezes. Como tudo o que diz respeito ao conflito árabe-israelense (e ao conflito israelense-palestino, em particular), ela atingirá seu auge em setembro deste ano.
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