sexta-feira, 3 de junho de 2011

Eleições na Turquia: Erdogan a caminho do poder. De novo

Em meio aos trágicos acontecimentos no Oriente Médio, um assunto importante ainda permanece intocado, distante do noticiário brasileiro: as eleições parlamentares turcas que serão realizadas no próximo dia 12. A Turquia está longe de poder ser esquecida como ator regional. O Estado turco é hoje uma potência mundial. Este status é inquestionável diante do cenário mais amplo, mas é compreensível que o país seja muitas vezes esquecido. O governo de Ancara se enquadra na categoria de força emergente deste novo mundo.

Para quem não se lembra, a Turquia esteve envolvida num dos episódios regionais mais importantes do ano passado: a empreitada da frota pró-palestina que tentou furar o bloqueio israelense a Gaza. O caso não apenas consolidou o progressivo distanciamento entre Israel e Turquia como também turbinou a imagem do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan. Elevado à posição de um dos mais populares líderes de países islâmicos e árabes, Erdogan exerce grande fascínio doméstico. Seu Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) deve ser o grande vencedor do pleito dos próximos dias.

A legenda tem tudo para levar a maior parte das 550 cadeiras do parlamento. Se conseguir 330 vagas, Erdogan conseguirá reescrever a constituição do país sem maiores problemas. De fato, existe uma unanimidade quanto à necessidade de uma nova constituição, uma vez que a atual foi escrita após o golpe de Estado de 1980. É preciso dizer, no entanto, que Erdogan consegue ter sucesso com a mesma intensidade que provoca polêmica. Por exemplo, pessoalmente excluiu 200 candidatos do AKP considerados menos leais e substituiu-os por outros. Seus aliados são acusados de terem divulgado material em que membros da alta-cúpula do partido nacionalista MHP aparecem traindo suas mulheres. Um deles, inclusive, foi filmado enquanto mantinha relações com uma menina de 16 anos de idade.

Na Turquia, não é segredo para ninguém suas ambições de ocupar a presidência e dar poderes de verdade ao cargo. Assim como em outros países, a função por ora não tem lá grandes atribuições. Eventualmente, no entanto, a partir de modificações nas leis nacionais, a presidência pode ser uma espécie de brecha para Erdogan se manter por mais dois mandatos na cúpula política.

Além de tudo isso, o país é hoje um fenômeno que causa algum embaraço à União Europeia. Por conta da crise de identidade do bloco, a adesão turca se transformou num problema. O ingresso de um Estado de ampla maioria islâmica alteraria um dos principais pilares do continente? Ninguém desenvolve muito bem o assunto porque, apesar de muita gente pensar assim – e aí há tantos líderes políticos que em conversas privadas abordam o tema –, há muitas outras questões que surgiriam se o assunto se transformasse numa pauta aberta. Mas os turcos são inteligentes o bastante para entender que, no final das contas, não parecem lá muito bem-vindos na UE. E Erdogan ganhou prestígio ao elevar a moral do país e colocar os europeus e suas dúvidas existenciais em segundo plano.

O primeiro-ministro conseguiu reverter a equação que aos turcos parecia perversa. Se a UE não quer saber da Turquia, não há problema. Ancara sabe que a situação econômica dos dias atuais está longe de ser favorável aos europeus. Enquanto os vizinhos do Ocidente penam para sair da crise, a Turquia é hoje a segunda economia mundial que mais cresce – a uma taxa média de 9% -, perdendo somente para a China. Erdogan inverteu a lógica e passou a investir pesado no Oriente. O afastamento de Israel é também uma medida econômica, que procura expandir mercados a partir de fatos políticos. Não por acaso, o país é hoje o principal investidor em Albânia, Kosovo, Bósnia, Curdistão, Líbia, Cazaquistão, Azerbaijão, Turcomenistão, Bulgária, Afeganistão, Iraque, Qatar e Argélia. E isso sem falar na aproximação estratégica com Índia, China e países do continente africano.

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