sexta-feira, 17 de junho de 2011

Crise síria: governo não reduz violência porque não sabe fazer isso

Como tem acontecido ao longo deste processo de luta por mudanças nos países árabes, as sextas-feiras costumam ser dias agitados. Isso tem a ver não apenas com o dia semanal sagrado islâmico, mas também com o fato de as mesquitas serem refúgios políticos, lugares onde as pessoas podem se encontrar, discutir e se organizar. Na Síria, a situação continua a representar um impasse a perder de vista. Primeiro porque a comunidade internacional não consegue criar mecanismos de pressão capazes de impedir que o regime Assad dê prosseguimento às perseguições aos manifestantes; além disso, o presidente sírio não se mostra lá muito disposto a oferecer reformas minimamente convincentes; por último, os manifestantes não parecem estar cansados a ponto de recuarem em suas reivindicações.

Este cenário representa uma complicação. Não há nada que aponte para um acordo entre essas posições em curto prazo. No caso dos atores que já estão em lados opostos – governo e manifestantes – os últimos acontecimentos não convergem para qualquer forma de entendimento ou distensão. E o foco sobre a Síria e toda esta confusão criada a partir da exacerbação da violência é culpa do próprio Bashar Assad. Os protestos iniciais não foram realizados em nome de mudanças estruturais e menos ainda da deposição do presidente, mas contra a brutalidade policial.

A questão é que regimes autocráticos não toleram vozes dissonantes. Isso se aplica à política formal – não há oposição verdadeira, partidos organizados etc – e também a qualquer forma de discordância. Como no caso o alvo era um dos pilares do Estado – e o poder coercitivo costuma exercer papel central em situações deste tipo –, o governo reagiu como sabe. Ou melhor, como não sabe. Perdeu a mão e o controle da situação. O número de mortos já ultrapassou a casa dos 1,3 mil. E pelo motivo óbvio de que, por definição, Estados policialescos simplesmente não tem bom-senso. A natureza autoritária intrínseca a esses regime provoca uma espécie de autoconfiança sem limites, levando seus líderes a acreditarem que podem fazer o que bem entenderem internamente.

E talvez isso fosse verdade até bem pouco tempo. É claro que não se pode creditar o sucesso das manifestações atuais no mundo árabe exclusivamente às novas tecnologias de comunicação. Já escrevi bastante sobre isso e acredito mesmo que o sucesso no Egito, por exemplo, seja explicado pela simbiose entre a capacidade de mobilização e a percepção do exército de que havia chegado a hora de abandonar o presidente Hosni Mubarak. De qualquer forma, a possibilidade de burlar sistemas de controle e vigilância estatais não pode ser desconsiderada e exerce papel fundamental nos movimentos atuais. Principalmente porque países com alguma pretensão internacional que vislumbrem associar seu discurso oficial a valores humanitários não querem ser percebidos como aliados de um governo que ataca indiscriminadamente seus próprios cidadãos.

Este raciocínio tem levado a Turquia – principal aliado de Assad até agora – a se distanciar do regime sírio. Esta é uma medida inteligente por parte dos turcos. Principalmente porque quem não fizer isso corre risco real de afundar junto com o presidente da Síria. Para se ter ideia, nas manifestações internacionais contra a violência de Damasco já é possível perceber uma mudança de comportamento sutil e importante: bandeiras de China, Rússia e Irã tem sido queimadas pelos militantes a favor dos rebeldes.

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