O julgamento de Ratko Mladic está marcado para começar nesta sexta-feira, às dez horas da manhã, em Haia, na Holanda. Quando os juízes do Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia (TPII) iniciarem a leitura das 11 acusações (que incluem genocídio e crimes contra a humanidade) haverá muito mais em jogo do que a condenação de um criminoso de guerra: politicamente, os Estados dos Bálcãs querem descobrir que tipo de recompensa a União Europeia está disposta a dar a seus movimentos.
Quando escrevi sobre o assunto pela primeira vez, na semana passada, mencionei a ambição da Sérvia de se candidatar à União Europeia. A captura de Mladic e sua extradição para a Holanda são atos pensados pelo governo de Belgrado de forma a mostrar medidas práticas que satisfaçam parte das demandas do bloco. Se havia alguma dúvida quanto a isso, o próprio presidente sérvio, Boris Tadic, fez questão de esclarecer.
“Eu peço apenas que a UE cumpra com a sua parte. Nós cumprimos com a nossa e continuaremos a cumprir”, disse. Este é um recado endereçado não apenas a Bruxelas, mas também aos nacionalistas sérvios que têm contestado diariamente a colaboração de seu governo. Tadic deixou claro o que todo mundo já sabia numa tentativa de acalmar os ânimos. Se a Sérvia entrar no bloco europeu, os esforços atuais valerão a pena. Este é o raciocínio. Além disso, de alguma maneira o presidente sérvio dá caráter mais pragmático à captura de Mladic. Ela serviria para cumprir uma demanda externa, não necessariamente refletiria convicções pessoais ou de seu governo.
Os países dos Bálcãs estão profundamente atentos aos acontecimentos em Haia. Vale lembrar que há 35 detentos da região em julgamento, condenados ou aguardando os trâmites legais. Este número expressivo acaba por expor os abusos cometidos nesta parte da Europa durante os anos 1990. Se o continente conseguiu ter sucesso na construção de uma imagem de paz e prosperidade, os Bálcãs representam a pedra no sapato europeu. Revirar esta história é também mexer com o conceito de cidadania europeia. Afinal de contas, a própria União Europeia parecia ter um destino glorioso pela frente. Mas o mundo mudou, a crise econômica atual pegou importantes membros do bloco de jeito e a expansão para o oriente tem sido menos tranquila do que se imaginava.
Com a decadência de países fundadores da UE como Espanha, Portugal, Itália e Grécia, por exemplo, a inclusão de novos países passou a ser um problema conceitual. De fato, a UE foi criada para ser um “clube especial”, não um enorme banco pronto a socorrer Estados a caminho da bancarrota. Há movimentos que vem ganhando relevância em França, Alemanha e Grã-Bretanha que já questionam a filiação ao bloco. Com suas próprias crises domésticas, o discurso de grupos de direita e extrema-direita estão cada vez mais populares. Para este espectro político a adesão de países mais pobres – e que certamente necessitariam de pacotes de ajuda que possibilitassem um certo nivelamento com os demais – é encarada como ameaça.
Mas a UE estabeleceu metas a serem cumpridas aos candidatos. E a Croácia está correndo atrás. A Sérvia idem. Enquanto a esses dois a adesão ao bloco representaria um tremendo ganho político, os cidadãos da parte ocidental têm suas questões particulares. É este o impasse em jogo neste momento. Há uma espécie de efeito catalisador deste processo quando Ratko Mladic é entregue numa bandeja de prata ao Tribunal de Haia.
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