A Grécia está prestes a entrar em guerra civil. Não se trata de uma guerra entre distintas facções ideológicas, mas de um conflito aberto e polarizado entre camadas distintas. De um lado, estão os políticos que pretendem aprovar nos próximos dois dias o pacote de 25 bilhões de euros em cortes públicos, aumentos de impostos e privatizações. Do outro, a população, que não teve nada a ver com a maquiagem econômica do governo anterior e decidiu descruzar os braços justamente parando de trabalhar. E isso faz bastante sentido.
Parar de trabalhar não é apenas uma oposição previsível a esta loucura protagonizada pelos políticos gregos. A greve geral de dois dias colocada em prática pelos dois maiores sindicatos do país carrega uma mensagem intrínseca sofisticada: por que manter a economia produtiva se justamente os responsáveis por isso são os grandes prejudicados pela perversa equação econômica enfiada goela abaixo pelos Estados mais “economicamente saudáveis” da União Europeia? E, para ser franco, pouco importa se o objetivo da greve seja esse também. O que vale é esta interpretação possível.
O que está acontecendo neste momento na Grécia é uma tentativa de punir coletivamente toda a população. Não é à toa que 80% dos gregos se opõem ao plano de austeridade. Quem seria louco de apoiar um projeto que, sob qualquer perspectiva, prevê absurdos tais como o aumento de impostos aos que recebem salário-mínimo ou a privatização de quase 20% da empresa responsável pela produção de energia ou a privatização de 50 bilhões de euros em bens do Estado?
Tentar convencer os gregos – justamente o povo que inventou o conceito de cidade, democracia e tantos outros valores que regem o Ocidente – é como argumentar sobre uma espécie de suicídio nacional e acreditar que toda uma população seja capaz de aceitar este discurso. É loucura ou ingenuidade – talvez uma mistura dos dois – imaginar que cidadãos de um país estejam dispostos a esquecer de uma vez por todas o próprio princípio da noção de Estado nacional. A confusão é tão grande que o governo socialista grego é o responsável por tentar levar as pessoas a considerarem a ideia de que os políticos e administração pública devem empenhar todos os seus esforços na aprovação deste pacote de austeridade.
Ah, o pacote de austeridade é considerado fundamental pelos altos-funcionários da UE e pelos governos de França e Alemanha para manter em funcionamento o sistema financeiro internacional, os bancos franceses e alemães e a própria moeda europeia. Ou seja, os gregos comuns deveriam se colocar ao lado de seu próprio governo e aceitar todas as restrições práticas a partir de agora em nome da salubridade de bancos privados estrangeiros e deste ente sem rosto chamado de “sistema financeiro”. É sério que alguém espera convencer a população da Grécia com “poderosos” argumentos como esses?
Também é preciso dizer que, mesmo se aprovado, há divergências sobre se todos esses cortes representariam a melhor solução para a situação grega. Um grupo importante de economistas defende que seria preciso estimular a produção e o consumo, não o oposto. Aliás, a perversidade deste momento também está no fato de todo este grande projeto restritivo ser apresentado como a única alternativa – sendo que, está claro, não há nenhuma garantia quanto a isso.
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