Assim como no ano passado, uma nova frota de navios abarrotada de ativistas internacionais pretende furar o bloqueio marítimo israelense a Gaza. Em 2010, a iniciativa foi muito bem sucedida. Se ela não atingiu seu objetivo declarado, conseguiu alcançar metas políticas muito mais significativas: a abordagem de Israel promoveu uma onda de condenação internacional ao Estado Judeu, deixando evidente a incapacidade do governo de Benjamin Netanyahu de enxergar um palmo além do óbvio. Fora isso, o isolamento de Jerusalém também foi seguido pelo esfriamento completo das relações com a Turquia, país cada vez mais importante no Oriente Médio.
Foto: embarque da frota em 2010
Apesar de tudo isso, apesar de todos os seríssimos prejuízos a Israel, Netanyahu parece estar disposto a repetir a fracassada estratégia de 2010. Tudo bem, errar uma vez é compreensível. Errar pela segunda vez e da mesma maneira é de uma burrice astronômica.
A velocidade das mudanças é incrível. Um ano e um mês após a monumental derrota de Israel, a região está completamente diferente. Hosni Mubarak não é mais o presidente egípcio, e o bloqueio a Gaza já deixou de existir. A nova administração do Cairo decidiu abrir a passagem de Rafah – que liga Gaza ao Egito – e, na prática, não há maiores impedimentos ao trânsito de bens e pessoas entre o território palestino e o egípcio. Israel argumenta que aceitaria receber o suposto carregamento humanitário a bordo dos navios que rumam para Gaza em algum porto israelense e diz contar com a aprovação das autoridades egípcias para que a carga também possa ser recebida na cidade de El-Arish, no norte do deserto do Sinai – e de lá seria repassada por terra para Gaza.
Tudo isso faria sentido se o bloqueio entre Gaza e Egito ainda estivesse vigente. Por mais que o temor israelense de que o carregamento a bordo dos navios possa incluir armas, este deveria ser o momento de calcular o menor dos prejuízos. É até bastante simples de entender: se houvesse mais do que ajuda humanitária no interior das embarcações e elas fossem descarregadas no Egito, o armamento chegaria a Gaza de qualquer maneira, na medida em que o bloqueio entre os territórios não existe mais. Agora, se Israel novamente abordar os navios e um novo confronto acontecer, o prejuízo aos israelenses será ainda maior.
A iniciativa de furar o bloqueio marítimo não se propõe meramente ao enfrentamento com os soldados de Israel em alto-mar. A ideia é, mais uma vez, criar um evento midiático e geopolítico que acabe por expor e isolar ainda mais o país. Isso aconteceu no ano passado e pode se repetir agora. O atual governo israelense não apenas parece incapaz de compreender e lidar com óbvio, como também oferece de presente alguns “brindes” a seus inimigos. Por exemplo, emitiu comunicado oficial em que alerta aos jornalistas estrangeiros a bordo do navio que eles poderão ser impedidos de entrar em Israel pelos próximos dez anos. Ou seja, justamente no momento em que a região está em processo de profunda mudança, Israel acaba por voluntariamente abrir mão de um de seus maiores diferenciais em relação a todos os países vizinhos: a liberdade de imprensa. A troco de nada, vale dizer (acabo de ler no New York Times que, demonstrando inteligência, o Escritório Geral de Imprensa israelense retirou o aviso e informa que os jornalistas poderão cobrir o evento sem qualquer restrição).
Inclusive, esta nova frota tem tudo para estar um tanto esvaziada. O número de participantes estimado inicialmente era de 1,5 mil. Agora, já se fala em no máximo 500. A Turquia, país que incentivou e financiou a empreitada do ano passado, sugeriu que a viagem fosse cancelada ou adiada, “por conta de fatos regionais mais relevantes” (o foco de Ancara está nos acontecimentos na Síria e no crescente contingente de refugiados provocado pela perseguição de Bashar al-Assad a seus próprios cidadãos).
Existe uma maneira interessante e criativa de Israel exercer seu direito de defesa. Basta permitir que os navios desembarquem em Gaza. Simples assim. Seria uma demonstração de compreensão sobre este novo mundo, em que atos midiáticos e de relações públicas podem muitas vezes ser mais importantes que argumentos políticos. Mas como Benjamin Netanyahu e seu ministro das Relações Exteriores, Avigdor Lieberman, parecem incapazes de perceber isso, a próxima quinta-feira promete mais um gol-contra deste governo.
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