sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Conclusões sobre a tragédia no Haiti

Logo no dia em que ocorreu a tragédia no Haiti, especulei sobre os desdobramentos políticos que o terremoto poderia provocar. Agora, duas semanas depois daquele texto, acho que já é possível analisar os acontecimentos com mais material em mãos.
De fato, concretizou-se a interação entre equipes de resgates de países rivais. Felizmente, a política ficou pra trás em muitos aspectos. Talvez, este seja um dos raríssimos pontos positivos de situações como esta do Haiti.

"Na maior parte do tempo, a política doméstica ocupou um assento secundário, com inimigos trabalhando em proximidade, quando não exatamente lado a lado: israelenses e líbios, paquistaneses e indianos, todos tentando colocar este país novamente de pé", informa reportagem publicada hoje no New York Times.

Além desta conclusão muito clara, há outro ponto interessante. O Brasil tem mais uma vez ocupado papel central num importante palco do cenário internacional. Talvez seja triste falar desta forma, mas a verdade é essa. A missão brasileira no Haiti e o modo como o governo em Brasília se mostra disponível a ajudar com equipamento, militares e dinheiro é destaque inclusive no Fórum Econômico de Davos, na Suíça.

Muito mais do que a atuação das forças armadas na campanha das Nações Unidas para apaziguar o Haiti, antes da tragédia, o governo e o corpo militar brasileiros acabaram por assumir, ao lado dos EUA, os debates de como reconstruir um Estado a partir do zero. É claro que os americanos têm mais gente e dinheiro a empregar, mas o Brasil tem sido o ator latino-americano mais atuante.

Acho inclusive que, cedo ou tarde, novamente o Brasil será chamado a liderar os esforços. Tudo por conta das críticas internas ao governo Obama, que nada tem a ver com sua atual política externa.

Com a queda dos números de popularidade do presidente dos EUA, não há dúvidas de que em algum momento o Haiti vai deixar de ser prioridade e Washington irá se voltar para questões urgentes aos próprios americanos: desemprego e saúde são bons exemplos. Aliás, o próprio Obama prometeu no Estado da União se empenhar ao máximo na busca por soluções nessas áreas.

Por mais incrível que pareça, o Brasil está num momento melhor. Tanto a economia quanto a popularidade de Lula apresentam resultados mais positivos em comparação com os mesmos dados nos EUA. O Haiti vai acabar no colo do Brasil. É a essa mesma conclusão – apenas com a diferença de não mencionar o presidente brasileiro – que chega editorial do Irish Times.

"Como o governo americano vai criar empregos no Haiti com 17 milhões de seus próprios cidadãos desempregados em casa? Os EUA vão construir abrigos para 1 milhão de haitianos quando 600 mil americanos não têm uma casa para morar?", diz o jornal.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Ansiedade de Obama pode atrapalhar seus planos

O discurso proferido por Obama na noite desta quarta-feira dita os rumos da política americana em seus três anos de mandato restantes. O Estado da União, como é conhecido, trata-se de uma tradição nacional nos Estados Unidos e costuma acontecer a cada início de ano. Como não poderia deixar de ser, a imprensa americana se debruçou sobre as palavras do presidente em busca de interpretações, sinais e avaliações. Com veículos polarizados contra e a favor do que foi dito, existe um clima de que Obama aos poucos está sendo "fritado".

Há uma divisão muito clara nos Estados Unidos entre os veículos progressistas e os mais conservadores. Esse racha pode ser expresso pelas posições defendidas por dois dos principais jornais americanos: o Washington Post e o New York Times. As opiniões de ambos sobre o discurso desta quarta seguem a mesma linha de raciocínio.
Enquanto a publicação da capital procura aprofundar ainda mais as divisões internas e ressaltar os infortúnios do presidente, o New York Times pede mais paciência aos eleitores – muitos deles ainda aguardando que o sonho tão marcante no período da campanha se torne realidade.
"A união está em estado de profunda e justificável ansiedade por conta de empregos, hipotecas e duas longas e sangrentas guerras. O presidente Obama não criou esses problemas, e, muito menos, qualquer um deles pode ser resolvido em um ano. Mas 2009 ofereceu lições para um novo líder em luta para preencher as promessas de sua eleição", avalia editorial do jornal nova-iorquino.
Por outro lado, o Washington Post é bem menos condescendente. Além de lembrar a derrota do partido Democrata na eleição para o Senado, na semana passada, e a inércia do projeto de criar um plano de saúde governamental, o jornal critica o próprio conteúdo do discurso.
"O que Obama ofereceu foram 'pequenas coisas' para todo mundo, às vezes de modo conciliatório, outras vezes combativo, mas sempre soando como um discurso de campanha, apenas mais longo", diz editorial do WaPo. Não se pode qualificar exatamente como um texto elogioso.
Acho que ainda é muito cedo para avaliar Obama, exatamente como escrevi sobre a política externa do presidente americano no post da semana passada. O presidente elegeu como prioridade para o discurso os principais problemas internos: desemprego, hipotecas, falta de perspectivas para tratamento de saúde.
Existe uma enorme ansiedade em aprovar medidas nessas áreas e dar início às mudanças prometidas. E a oposição política nos EUA sabe disso. Obama está pagando com a própria popularidade pela rivalidade entre Democratas e Republicanos. Esses últimos vêm obtendo sucesso em travar as discussões e impedir que o pragmatismo aplicado na política externa, por exemplo, seja repetido nas decisões urgentes que precisam ser tomadas.
Muitas vezes penso que Obama em algum momento vai pagar pela própria ousadia. Regular os bancos – como pediu ontem – e se opor ao financiamento privado de campanha não são medidas populares entre o empresariado. O lobby no Congresso americano existe há muito tempo e, ao contrário do Brasil, a prática não tem conotação necessariamente negativa. Para se ter ideia como a situação está complicada nos Estados Unidos, Obama afirmou ontem que não pensa em renunciar.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Pragmatismo é a marca da nova estratégia no Afeganistão

A partir de amanhã o foco do mundo vai se voltar novamente para o Afeganistão. Ou melhor, para Londres, onde ocorre uma conferência entre os ministros das Relações Exteriores dos membros da Otan, a aliança militar ocidental cujas tropas atuam na Ásia ao lado das forças americanas. Não é a primeira nem vai ser a última reunião para pensar em formas viáveis de se reconstruir e governar o país. A diferença é que este é um momento diferente.

Em primeiro lugar, há uma mudança teórica sobre a abordagem que deve ser aplicada ao Talibã. Se, em 2001, quando o Afeganistão foi invadido após os atentados de 11 de Setembro, o objetivo era encontrar Osama Bin Laden, hoje já se trabalha com a possibilidade de o líder da al-Qaeda não ser encontrado. EUA e Otan procuram uma forma de lidar com o Talibã, grupo fundamentalista que deu abrigo a Bin Laden e que, apesar de toda a gigantesca soma de dinheiro empregada na ofensiva ocidental, ainda insiste em ser um ator importante no país.

Há, no entanto, algumas mensagens contraditórias que antecipam a conferência. Se por um lado o presidente Obama anunciou no ano passado o envio de mais 30 mil soldados – que se juntarão aos 70 mil que já atuam no Afeganistão –, a grande imprensa americana tem como certo o estabelecimento de um diálogo com talibãs considerados moderados. O New York Times, inclusive, publica matéria onde afirma que, nesta quinta, EUA, Japão e Grã-Bretanha devem liberar cerca de 100 milhões de dólares para investir na criação de empregos para membros do Talibã que queiram deixar as armas e construir uma nova vida.

Por mais que este pareça um passo inteligente, como justificar à própria opinião pública – que, afinal, paga as contas da empreitada militar com seus impostos – quais os motivos para a estratégia não ter sido adotada evitando o grande número de baixas e os altíssimos gastos? Como justificar os oito anos de discursos contra o Talibã e seus atos injustificáveis de jogar ácido em mulheres que insistiam em frequentar escolas?

Os sinais de que esta mudança de abordagem é bem provável estão cada vez mais claros. A ONU decidiu retirar de sua própria lista de foras-da-lei os nomes de cinco ex-ministros do governo Talibã – autoridade anterior à invasão americana – considerados moderados. Há outros 140 talibãs na lista por conta de possíveis ligações com a al-Qaeda.

Otan e EUA ao que parecem decidiram esquecer quaisquer traços ideológicos e adotar o pragmatismo. Se não é possível eliminar o Talibã de vez, o melhor a ser feito é negociar com o grupo. Mas nem tudo é tão óbvio quanto parece. Ao mesmo tempo em que os sinais de modificação estratégica começam a aparecer, a revista alemã Der Spiegel teve acesso a um rascunho de algumas propostas que serão apresentadas na conferência que se inicia amanhã. O texto menciona não apenas a tentativa de dobrar os talibãs com remuneração, mas também a intenção da Otan de permanecer no país por mais alguns bons anos – o tempo específico não é mencionado.

Ou seja, há perguntas de sobra a serem feitas e talvez esta conferência possa servir para unificar planos. Até porque não me parece que, por mais que os membros moderados do Talibã fiquem satisfeitos com a criação de empregos, os ex-combatentes do grupo aceitem a presença das tropas da Otan no Afeganistão por tempo indefinido

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Desgaste desnecessário na França

Numa decisão semelhante ao banimento da construção de minaretes na Suíça, em novembro passado, uma comissão parlamentar francesa deu mais um passo para complicar as relações com os muçulmanos que vivem no país. O grupo de legisladores recomendou, nesta terça-feira, a proibição do uso de véus em lugares públicos, como hospitais, escolas e nos transportes.

Sem a menor dúvida, a decisão vai causar muita polêmica. Apesar de se tratar de uma escolha política interna francesa, a controvérsia deve se espalhar e provocar debates intensos em todo o mundo.
E a verdade é que o governo Sarkozy vai se expor a represálias de toda sorte sem qualquer necessidade real. Vale dizer que o próprio Ministério do Interior francês acredita que apenas 1,9 mil mulheres costumam fazer uso do niqab, o véu que deixa apenas os olhos à mostra.
Existe uma grande preocupação sobre o caráter republicano e laico do país. Daí os debates internos sobre eventuais ameaças que essa vestimenta tradicional islâmica poderia causar. Em resumo, por maior que seja o temor acerca das influências muçulmanas no DNA da república francesa, é preciso ter bom senso.
Ainda que os cinco milhões de muçulmanos franceses usassem o niqab - e não usam, como se sabe, até porque o contingente não é composto apenas por mulheres, é claro - os demais 59 milhões de habitantes não o fariam. Há um grande frenesi em torno da questão, quando, de fato, é preciso se preocupar com assuntos mais importantes. A França mostra, mais uma vez, um pouco do pensamento europeu atual, como escrevi algumas vezes por aqui.

Os países do continente se fecham em torno de seus próprios problemas, esquecendo-se dos grandes dilemas internacionais. É uma estratégia muito pouco eficaz e fica cada vez mais claro pra mim a possibilidade de que a Europa fique de fora das grandes decisões globais.
E olha que a França nem é um dos maiores adeptos desta política que vem tomando conta do continente. Paris decidiu retornar à Otan, em 2009, após 43 anos de afastamento voluntário da aliança militar ocidental. O presidente Sarkozy volta e meia se mostra preocupado em se aproximar de países em desenvolvimento, como o Brasil, evidenciando estar atento à mudança das relações internacionais.
A discussão em torno do uso do véu na França é um passo atrás, ao meu ver, por dificultar a vida dos muçulmanos no país. Mas essa é uma questão um tanto obsessiva de seus governantes, que, com certa frequência, acaba ocupando o centro das discussões.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Novo foco do terrorismo internacional

Apesar de o novo comunicado de Osama bin Laden ser a grande notícia da política internacional de hoje, prefiro me concentrar num possível centro de operações da al-Qaeda, a Nigéria. Após o frustrado atentado de 25 de dezembro passado, o foco das atenções se voltou para o país de origem do jovem que quase detonou explosivos improvisados no voo da Northwest Airlines.

Por conta do episódio, a Nigéria passou a integrar a lista de 14 países cujos passageiros passam a ser ainda mais vigiados nos aeroportos americanos. Mas a verdade é que a situação no Estado mais populoso do continente africano é crítica. E não é de hoje.
Existe uma divisão étnica e econômica que contribui bastante para periódicas explosões de violência interna. O norte é mais pobre e de maioria muçulmana; o sul, mais rico, é majoritariamente cristão. A tensão é permanente entre as partes e não é raro que haja confrontos.
Na última semana, 326 pessoas morreram em conflitos religiosos; em julho do ano passado, houve mais de 700 mortos após o grupo fundamentalista islâmico conhecido como Boko Haram entrar em ação coordenando três grandes ataques.
O governo tampouco contribui e, quando reprime os confrontos, age com significativa brutalidade. O líder do grupo que assumiu a autoria dos ataques, Mohammed Yusuf, era acusado de ter contatos com a al-Qaeda. Mas isso pode nunca ser esclarecido já que as autoridades governamentais o mataram logo após sua prisão.
Richard Downie, membro do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, de Washington, nos EUA, considera a situação ainda mais grave ao levar em consideração alguns dados fornecidos por pesquisa de opinião pública conduzida pela Pew Global Attitudes.
Segundo levantamento realizado em 2009, 43% dos muçulmanos nigerianos dizem considerar justificáveis os atentados suicidas; mais da metade dos entrevistados expressa confiança em Osama bin Laden.
O ambiente onde Umar Farouk Abdulmutallab cresceu não é propriamente, digamos, hostil às ideologias que o jovem quase conseguiu transformar em assassinato em massa no dia 25 de dezembro.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Guerra fria virtual

A semana termina exatamente como na última sexta-feira. Quem imaginava que o caso de espionagem e revide envolvendo Google e China terminaria sem maior repercussão enganou-se por completo. Na verdade, a situação adquiriu proporções ainda maiores, com o choque entre as partes rumando para pôr em rota de colisão os governos de Beijing e Washington.

Curiosamente, no dia seguinte ao anúncio de que a China deve ultrapassar o Japão e se ancorar no segundo lugar do ranking das maiores economias do mundo, a secretária de Estado Hillary Clinton decidiu comprar oficialmente a briga do Google. A posição do governo americano é de que o livre acesso à internet é prioridade em sua política externa.
Antes de assumir qualquer traço de teoria da conspiração, deixo claro que este é simplesmente um passo natural das decisões americanas. Ninguém acredita que os EUA se distanciarão da China no ranking econômico apenas condenando suas posições virtuais. E nem é esta a intenção.
A ideia é simplesmente transportar valores caros aos americanos para o terreno da internet. Ora, se existe um discurso de que é ponto fundamental exportar o conceito de democracia na prática, como deixar de fora tal requinte teórico do universo virtual?
Por outro lado, a situação não é tão óbvia assim. Afinal, nem Clinton, nem Obama são inocentes o bastante para imaginar que podem mudar o planeta fomentando os dissidentes virtuais em países resistentes à diplomacia americana. Mas vale lembrar o poder que as novas ferramentas de comunicação têm tido em episódios internacionais recentes.
Os protestos na Grécia, em 2008, foram convocados pelo Twitter. O mesmo aconteceu no início de 2009 quando a Ucrânia ficou sem gás por conta de represálias russas. O caso mais significativo é o caos pós-eleitoral no Irã, em junho do ano passado. Graças a vídeos postados no Youtube o mundo pode ter a mínima ideia do que se passava por lá, uma vez que os jornalistas foram impedidos de trabalhar livremente.
Não por acaso, um grupo de cinco senadores americanos pressiona Washington a liberar 45 milhões de dólares para apoiar a liberdade de acesso à internet. A movimentação lembra bastante o apoio financeiro dado pelos EUA a veículos de comunicação que se opunham ao comunismo durante a Guerra Fria. Hoje os métodos são diferente, mas os objetivos, semelhantes aos daqueles tempos.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Um primeiro ano animador

Existe um clima de caça às bruxas neste marco do primeiro ano de mandato de Barack Obama. A imprensa, a opinião pública e o próprio Obama estão em fase de crítica e autocrítica do que pode ter dado errado para que os Democratas tenham perdido a maioria absoluta no Senado. Pior do que isso é o simbolismo dessa derrota: a perda da cadeira que Ted Kennedy ocupou de 1962 até sua morte, em agosto passado.

Além de tudo isso, fica a sensação de soco no estômago dos Democratas quando objetivamente se expõe parte do repertório filosófico do vitorioso – e até então pouco conhecido – Scott Brown. Ele promete combater a reforma do sistema de saúde americano – o que considero um retrocesso – e diz acreditar que o afogamento de prisioneiros com o objetivo de extrair informações (método conhecido como "waterboarding", em inglês) não é um tipo de tortura – o que considero um tremendo retrocesso).
Ted Kennedy deve estar se revirando no túmulo. Após um ano de governo Obama, concordo com Dan Kennedy, do britânico Guardian, para quem uma das principais frustrações seja o fato de o presidente não ter conseguido pôr em prática seu projeto de criar uma administração suprapartidária.
Particularmente, considero o projeto de Obama de governar sem oposição um tanto ambicioso. Talvez soe até messiânico, de certa maneira, e a exposição pública da ideia me leva a crer que ele talvez tenha se deixado levar um pouco pelo clima criado durante a campanha eleitoral.
Mas não acho que este primeiro ano tenha sido desastroso. E menos ainda que esta derrota em Massachussets signifique um caminho ladeira abaixo sem volta. Obama tem 50% de aprovação. É 30 pontos menos do que o apresentado no período da posse. Mas é natural. Como mencionou editorial do San Francisco Chronicle, a esperança agora deu de cara com a realidade.
E por pior que seja a realidade, acho que Obama vai no caminho certo. Acima de tudo, acho que ainda está pagando pela imagem criada durante a campanha. Se por um lado o mito em torno de sua figura em boa parte foi fundamental para elegê-lo, não se pode culpar a opinião pública quando ela cobra do presidente soluções de milagreiro. O fato é que um ano é pouco tempo para se avaliar qualquer coisa, muito menos a capacidade de dar conta dos problemas do país mais poderoso do mundo e cujas responsabilidades e ambições são igualmente grandes.
Além do mais, penso que a política externa de Obama está longe de ser uma decepção. Em apenas um ano, os EUA fixaram prazos para a saída do Iraque, valorizaram as instituições multilaterais, tentaram criar uma linha de diálogo direto com o Irã, são os mais atuantes no Haiti, até começam a se adaptar às demandas por compromisso ambiental, dentre vários outros passos importantes. Não acho que seja pouco.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A complexa relação entre Estados e corporações

A batalha retórica que acontece até o momento entre Google e China coloca em questão não apenas os fatos envolvendo os detalhes desta investigação. Como escrevi no texto da última sexta-feira, o caso põe em xeque também a relação entre empresas privadas e Estados-nação quando há confluência de interesses em áreas estratégicas, como segurança.

E não importa se o conceito de segurança se aplicaria ao universo virtual - como ocorreu durante a invasão promovida às contas de email de ativistas de direitos humanos na China - ou à realidade no campo de batalha. E quando se fala na atuação de empresas privadas em guerras, a Blackwater não pode passar em branco, com o perdão do trocadilho.
Maior grupo privado em atuação desde o início da invasão ao Iraque, a Xe, nome atual da corporação, voltou a ser notícia sem grande destaque por aqui. O governo iraquiano entrou com uma ação na Justiça nesta semana contra a empresa em nome de cidadãos feridos ou que tiveram parentes mortos durante suas operações.
O episódio mais polêmico envolvendo a Blackwater aconteceu em 2007, quando 17 civis foram mortos por seus soldados numa praça de Bagdá. O imbróglio é problemático do ponto de vista judicial. Afinal de contas, os funcionários devem responder como civis ou militares?
De toda forma, a crescente relação entre governos e empresas privadas em questões relativas à segurança só tende a aumentar. Pouca gente parou para pesquisar, mas a próxima leva de envio de militares ao Afeganistão, anunciada no fim do ano passado pelo presidente Obama, incluirá nada menos do que 56 mil soldados-funcionários de empresas privadas. Hoje já há mais agentes de segurança privados no Afeganistão do que militares das forças armadas americanas.
Acredito que regular a relação entre Estados e corporações será um dos maiores desafios deste início de século. Está cada vez menos claro o limite de atuação de um e de outro. Como questões de segurança envolvem gastos astronômicos e lucros igualmente altos, ninguém duvida de que governos e capital privado estarão juntos em busca de poder, ganhos estratégicos e rendimentos.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Série de ataques repleta de simbolismo

O Talibã promoveu hoje um amplo ataque a Cabul, a capital do Afeganistão. Muito além de causar mortes e multiplicar os danos às forças internacionais presentes no que se pretende ser um país, o objetivo do grupo é simbólico.

Antes de entrar no assunto, acho que vale uma ressalva. Se alguém duvidava das características terroristas do Talibã, penso que não restam quaisquer questionamentos. Os alvos foram em boa parte escolhidos levando em consideração a concentração de civis.
Os atentados já deixaram dezenas de feridos e o número de mortos, pelo menos até o momento em que escrevo, é de 11 pessoas. Seguramente, vai aumentar. O simbolismo dos atentados é claro. Além de um dos principais shoppings centers de Cabul, o palácio presidencial, o banco central, os ministérios das Finanças, Justiça, Minas e Indústrias, Defesa, o Hotel Serena - um dos principais da cidade -, a Afghan Telecom e a sala de cinema Pamir, a um quilômetro do epicentro dos ataques, foram atacados.
As explosões suicidas e os foguetes de artilharia talibã atingiram os prédios por volta das dez da manhã, mesmo horário em que o presidente Hamid Karzai recebia ministros que assumiriam seus cargos no governo.
Com a ofensiva de hoje, o Talibã reafirma sua instransigência a alguns dos valores que compõem as sociedades ocidentais. Organização do aparato burocrático do Estado, comunicações, cultura e turismo. Este é o ponto de conflito entre Talibã e as forças de ocupação. E também entre o fundamentalismo islâmico e o Ocidente. E por isso, em boa parte, que é quase nula a possibilidade de convivência pacífica entre os dois lados.
Nem o Ocidente abrirá mão desses valores, nem os fundamentalistas deixarão de promover sua jihad antagônica. De certa maneira, o simbolismo dos ataques realizados em Cabul é semelhante à série de ataques que originou a ocupação do Afeganistão. Em 11 de Setembro de 2001, a al-Qaeda escolheu alvos simbólicos em solo americano para demonstrar sua contraposição ao Ocidente no solo de seu mais poderoso representante. Hoje, o Talibã demonstra ímpeto de continuar desafiando os EUA.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Google, China e Estados Unidos num imbróglio de nossos tempos

O caso envolvendo o ataque cibernético ao Google na China resume bem o estado de coisas do mundo contemporâneo. A disputa entre o Estado chinês e um gigante privado da internet mostra o quanto oriente e ocidente chegaram a um denominador comum ao menos no que concerne o foco de boa parte das discordâncias: informação é o maior valor. Quanto a isso, todos parecem concordar.

O fato coloca de lados opostos uma relação que já começou complicada há cinco anos. Ao acatar algumas das modificações propostas por Beijing em relação aos resultados das buscas que seriam apresentados aos internautas locais, o Google pensou como empresa. Mesmo tendo enfrentado grandes debates internos, como foi divulgado na época, os executivos pesaram a relação custo-benefício e chegaram à conclusão de que valia a pena perder parte do capital de simpatia dos usuários em nome do capital propriamente dito.

Foi uma escolha que arranhou pouco a imagem da empresa. Mas, esta semana, ao decidir expor os ataques sofridos e reclamar com as autoridades chinesas, o Google também pensou como empresa. Mas conseguiu com que parte da opinião pública pensasse que os executivos pensaram com o coração, a mente ou qualquer outro sinal de idealismo. A decisão também foi pensada, a relação custo-benefício igualmente analisada e a conclusão foi a brilhante ideia de jogar no ventilador o ataque. O fato acabou se tornando um tremendo case de reversão de crise.
Os chineses democráticos estão depositando flores na sede da empresa em Beijing implorando para que o Google não cumpra a ameaça de deixar o país, caso as autoridades não esclareçam o ocorrido. O ponto é que a disputa coloca, além do Google, o próprio governo americano em choque com a República Popular. E tudo o que os EUA querem é evitar um choque com os chineses. Pelo menos neste momento.
Curiosamente, Washington teve de se pronunciar sobre o ocorrido. Afinal, o Google é um dos ativos mais bem-sucedidos dos Estados Unidos no mundo digital. Não apenas isso. É também uma empresa que conta com a simpatia e admiração de cidadãos de todo o planeta. Mas o problema pode ser ainda mais complicado. Reportagem publicada no Washington Post informa que o ataque seria um caso de espionagem corporativa e política cujos objetivos iriam além de simplesmente invadir as contas de email de ativistas de direitos humanos (esta é a versão apresentada pelo Google até agora): segundo o jornal, a meta seria invadir as redes de empresas de tecnologia, pesquisa e armamento nos EUA.
Ou seja, a disputa entre Google e China pode ficar marcada como o pontapé inicial do conflito entre duas das maiores economias do mundo. E não faltariam justificativas para represálias comerciais americanas.
"Ela (a disputa entre Google e China) toca em alguns dos temas mais sensíveis das relações sino-americanas: direitos humanos e censura, comércio, propriedade intelectual e acesso a tecnologias militares high-tech", diz editorial do Washington Post.
Eu acrescento ainda mais um dado interessante: acho que vale lembrar que Obama chegou à presidência dos EUA graças em grande parte a uma bem-sucedida campanha eleitoral usando todo tipo de ferramenta da internet. Será que ele vai reagir levando em consideração a própria relação pessoal com os ideais democráticos da rede ou vai se esquecer disso em nome do pragmatismo que seu cargo muitas vezes exige?

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Desdobramentos políticos da tragédia no Haiti

A tragédia que atingiu o Haiti é um fato a que não se pode atribuir culpados ou responsabilidades. A catástrofe é fruto do movimento de placas tectônicas no fundo do mar. Entretanto, soa bastante irônico que a natureza tenha escolhido justamente o país mais pobre das Américas para realizar o maior terremoto de que se tem registro no continente. A partir de agora, o mundo corre para enviar equipes de resgate e ajuda médica e material. Aí sim a política passa a intervir na realidade.

Além da política, os políticos. Não tenham dúvidas de que vai faltar lugar no Haiti para receber centenas de bem intencionados deles. Afinal, todo mundo vai querer ser "pai" desse esforço internacional. O ex-presidente Bill Clinton já se pronunciou sobre a catástrofe em artigo publicado hoje no Washington Post.
"No último mês de junho, aceitei o cargo de enviado especial da ONU para o Haiti com o objetivo de ajudar a implementar um plano de desenvolvimento de longo prazo. Também coordeno o envio de contribuições de origem não governamental envolvendo mais membros da diáspora haitiana", escreve.
Não acho que este tipo de ação seja necessariamente ruim. Acho que uma das funções dos políticos seja essa mesmo. Só penso ser curioso que, ao ocupar seus cargos executivos, este tipo de voluntarismo não seja determinante durante seus mandatos. A filantropia e disponibilidade ficam pra depois. Aliás, já existe uma grande categoria de ex-líderes de países importantes que se dedicam a causas humanitárias para, digamos, manter-se na ativa. Além de Bill Clinton, Al Gore, Jimmy Carter, Tony Blair, Fernando Henrique Cardoso, dentre vários outros.
Por outro lado, o empenho americano nos esforços no Haiti permite aos EUA se conectar novamente com o continente latino-americano. Desde que assumiu a presidência, apesar das tentativas de abrir frentes de diálogo e ação com seus vizinhos do sul, Obama ainda não conseguiu emplacar seus ideais multilaterais na região. Não foi assim durante a reunião da Organização dos Estados Americanos, no ano passado, e tampouco a consolidação de uma aproximação com a América Latina tem ocupado papel de destaque em sua política externa.
Fora, é claro, que o envio internacional de ajuda ao Haiti cria situações inesperadas. Por exemplo, a possibilidade de trabalhadores cubanos e americanos atuarem juntos, já que ambos os países anunciaram o envio de equipes. Seria interessante também ver membros da força de resgate israelense - cuja participação nos esforços humanitários já foi confirmada por Jerusalém - em cooperação com uma eventual equipe de socorro enviada por países árabes.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Mais teorias sobre o ataque ao físico iraniano

Ainda sobre a morte do físico iraniano que causou polêmica e especulação mundial, acho que vale ressaltar a grande quantidade de possibilidades, conspirações e teorias acerca do atentado. Interessante a análise publicada hoje por Meir Javedanfar no britânico Guardian.

Meir, que é iraniano e israelense e quem tive o prazer de conhecer em Tel Aviv, em 2006, aprofunda a questão e cita mais uma das possibilidades sobre o ocorrido. Para ele, as próprias autoridades iranianas estão perdidas em relação ao caso e sabem menos do que se supõe.
Mesmo sem admitir, é óbvio, a cúpula governamental de Teerã deve estar bastante alarmada por isso. Afinal, a ausência de provas conclusivas por parte dos investigadores iranianos poderia ser interpretada como um sinal de que o país tem menos controle sobre o que se passa internamente do que o Ocidente imagina. Ou seja, a superestrutura de investigadores, milícias, agências oficiais de informação e polícias secretas não seria suficiente para frustrar um atentado dentro de seu próprio território.

E a cada hora que passa, a situação piora. E acho que o caso representa mesmo uma sinuca de bico para Khmanei e Ahmadinejad – admitindo-se, claro, que o regime não está por trás do atentado ao professor. Se não conseguir chegar aos verdadeiros culpados, Teerã vai dar sinais de fraqueza. Por outro lado, este é o tipo de investigação que requer o trabalho de agentes secretos, informantes e setor de inteligência. Ou seja, demora. E o tempo não está ao lado do Irã neste caso, acredito.
Lembro sempre que os países sunitas não podem ser excluídos de uma eventual lista de suspeitos. A rivalidade entre Arábia Saudita e Egito é crescente e um tanto tradicional. Nesta semana, por exemplo, dois dos maiores operadores de televisão por satélite do mundo árabe - Nilesat e Arabsat - tiraram do ar o canal iraniano Alaam. Nenhuma justificativa foi apresentada para isso, mas não há dúvidas de que se trata de uma atitude política. Informação é uma ferramenta poderosa de propaganda. Ainda mais no Oriente Médio.
Não me espantaria se os Estados sunitas estivessem por trás do atentado de ontem. Mas acho que mesmo se as autoridades iranianas chegarem a esta conclusão, elas irão preferir a versão já apresentada de que Israel e EUA seriam os autores do ataque.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Atentado no Irã: nenhuma possibilidade pode ser desconsiderada

É preciso tempo para analisar e juntar as peças por trás do atentado que matou hoje o físico Massoud Ali Mohammadi. Uma série de acusações já estão sendo feitas, mas no intrincado cenário do Oriente Médio sempre existe a possibilidade de este crime jamais ser esclarecido. Mas não há dúvidas de que se trata de uma ação política. Afinal, não se pode em qualquer hipótese creditar às taxas de criminalidade normais iranianas a morte de um professor por conta da explosão de uma bomba presa a uma motocicleta pilotada por controle remoto.

Não é de se espantar que as agências de notícias oficiais iranianas tenham escolhido de cara Israel e Estados Unidos para culpar pelo ataque. Não apenas é óbvio, mas também um tanto conveniente. Como escrevi no texto de ontem, nada melhor para frear a onda de manifestações internas do que apontar dois dos principais inimigos públicos do país como os supostos autores do atentado.

Não que a hipótese de Israel e EUA estarem por trás do crime possa ser descartada totalmente. Não pode mesmo. Mas seria um tanto estranho. Por alguns motivos: primeiro porque, de acordo com as primeiras informações, Mohammadi não participava do programa nuclear iraniano. Segundo porque esses países dariam um tiro no próprio pé num momento que possivelmente antecede o anúncio de que a República Islâmica estaria disposta a aceitar o plano ocidental de trocar urânio enriquecido por combustível.

Ou seja, qual seria o sentido de tanta exposição numa das raras ocasiões em que tudo leva a crer que a situação nuclear pode ser controlada pelo menos por ora?

No mais, todas as informações a partir de agora serão usadas como propaganda. O governo iraniano já trata o físico como um mártir nuclear, muito embora sites de oposição ao regime Khamenei-Ahmadinejad listem Mohammadi como um dos 240 professores universitários partidários de Mir Hussein Moussavi, principal adversário do presidente iraniano nas últimas eleições.

Excluindo-se também a eventual participação do próprio regime – num momento de especulação como esse vale colocar todas as possibilidades sobre a mesa –, não se pode esquecer também dos Estados árabes sunitas, que, como escrevi outras tantas vezes, opõem-se ao crescimento político e militar iraniano na região. Muito embora considere que a lógica que desfavoreceria a participação de EUA e Israel no atentado de hoje se aplicaria também a esses países.

Resultado da promoção

Gostaria de agradecer a todos os participantes que enviaram respostas inteligentes e criativas. O vencedor foi Tiago Duarte, do Rio de Janeiro, autor da seguinte frase: "O fato mais importante do ano foi o surgimento do Brasil como forte protagonista internacional. Seja negociando de igual para igual com os países mais poderosos, tomando a dianteira na crise de Honduras ou até recebendo líderes das mais variadas ideologias e matizes o país deixa de ser apenas o país do futuro para se tornar uma potência mundial".

Em breve, o livro será enviado por correio a você, Tiago. Continuem a escrever também para o email
cartaecronica@gmail.com .

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O Irã pode ceder. Mas nada é tão simples quanto parece

O site americano Politico anuncia com exclusividade – até onde eu saiba – uma notícia importante para o cenário internacional: existiria a possibilidade de o Irã aceitar a oferta ocidental de trocar urânio enriquecido por combustível nuclear para uso médico. Na prática, significaria o primeiro retrocesso do regime de Teerã em seu programa nuclear.

A contraproposta do regime Khamenei-Ahmadinejad muda um pouco o plano original do grupo conhecido como P5+1 (China, França, Alemanha, Rússia, Grã-Bretanha e Estados Unidos). Inicialmente, a República Islâmica deveria enviar 1200 quilos de LEU (Urânio de Baixo Enriquecimento, sigla em inglês) para a Rússia, enquanto a França seria a responsável por fornecer o combustível para uso medicinal.

A ideia dos iranianos seria colocar a Turquia no circuito e Ancara deveria receber o carregamento de LEU diretamente de Teerã. Há três leituras possíveis sobre este acordo ainda a ser confirmado.

Escrevi um texto há pouco tempo sobre a mudança de posicionamento internacional turca, que vem cada vez mais se aliando a Irã e Síria. É uma forma de adquirir importância internacional e refletir a insatisfação latente de sua sociedade com as alianças que vinham sendo estabelecidas pela cúpula política do país.

Ao incluir Ancara nas conversações sobre seu programa nuclear, o Irã de certa forma retribui o apoio que vem recebendo. Afinal, a Turquia recebe entrada gratuita para um dos principais palcos de disputa internacional. Ou seja, uma grande oportunidade de conseguir se tornar um mediador legítimo numa questão que a própria União Europeia enfrenta grandes dificuldades de solucionar.

Por outro lado, nada garante que o gesto de boa vontade de Khamenei-Ahmadinejad não possa ser mais um dos esquemas adotados pelo governo do país para ganhar tempo e frear as sanções internacionais. Isso já aconteceu outras vezes e pode ocorrer de novo.

Outra possibilidade – que considero a mais provável, particularmente – é que, se de fato um acordo for anunciado, as autoridades da República Islâmica pretendam com isso amenizar o tom de críticas internacionais que vêm recebendo por conta da repressão aos protestos populares e que têm tido grande repercussão na imprensa ocidental.

Todas as alternativas estão em aberto.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Osama bin Laden acorda americanos. De novo

Novo relatório sobre a recuperação da economia americana foi divulgado hoje. Aos poucos, os EUA têm perdido menos postos de trabalho. No último mês de dezembro, o estudo aponta a perda de 85 mil empregos. A taxa média de desemprego permanece em 10%. Como recorda a Secretária de Trabalho, Hilda L. Solis, a situação hoje é bem menos grave do que no ano passado.

"Nesta época do ano, perdemos mais de 700 mil postos. A Lei de Recuperação (uma série de medidas adotadas pelo governo) continua a ajudar", diz.
O que isso tem a ver com a política externa? Bastante. Principalmente na área de segurança. Com a recuperação econômica, aos poucos a atenção da opinião pública interna dos EUA vai se voltar para o combate ao terrorismo. E o assunto retornou à vida cotidiana do imaginário local após o atentado frustrado do dia 25 de dezembro.
À medida que as primeiras necessidades após a crise começam a ser sanadas, certamente o governo Obama será cobrado a responder a questões relativas à segurança interna. Afinal, após oito anos de guerra em Afeganistão e Iraque, é natural que o terrorismo deixe de ser visto como uma ameaça à vida cotidiana.
Entretanto, com a al-Qaeda fazendo questão de acordar a opinião pública americana numa quase carnificina em pleno dia de Natal, a história muda por completo. Tanto que a imprensa está caindo de pau sobre os erros de segurança que fizeram de tudo para viabilizar o ataque.
Os fatos chocam pela inocência cometida pelas autoridades; além do aviso do pai de Abdulmutallab sobre a aproximação ideológica de seu filho ao fundamentalismo islâmico, ninguém achou estranho um jovem nigeriano sem bagagem comprar uma passagem apenas de ida para Detroit. Além disso tudo, o nome do rapaz estava numa lista de 550 mil nomes - é isso tudo mesmo - de suspeitos de ligação com terrorismo.
No discurso à nação de ontem, basicamente Obama fez um mea-culpa e garantiu que vai aumentar a lista de suspeitos. As informações de segurança deverão ser distribuídas com mais eficácia entre as diversas agências governamentais. Mas agora é tarde e a responsabilidade pelos erros ficou mesmo na conta do presidente.
O que importa agora é que a al-Qaeda conseguiu o que queria. Como numa relação de amor e ódio, sua carência está para terminar. Obama não precisará mais convencer os americanos quanto às evidências da ameaça terrorista. Imprensa e opinião pública cobram novas, mais tecnológicas e criativas formas de caçar os líderes da organização fundamentalista.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

A placa tectônica do Oriente Médio volta a se mover

George Friedman, fundador do grupo Stratfor e autor do livro que vou presentear ao vencedor da promoção, usa o termo "placa tectônica" para nomear regiões do planeta que poderão se transformar em palcos de conflitos neste século. O Oriente Médio não é uma novidade, como todo mundo sabe, e esta placa tectônica está se mexendo agora. O pequeno território de Gaza é novamente protagonista e ao mesmo tempo representante do grande e silencioso conflito da região: a disputa entre xiitas e sunitas.

Apesar de importante, por ora a imprensa brasileira vem dando pouco destaque à construção de uma barreira subterrânea pelo governo do Egito na fronteira com o território palestino controlado pelo Hamas. Nesta quarta-feira, tropas egípcias e membros do grupo terrorista trocaram tiros. O conflito deixou um soldado egípcio morto e ao menos uma dezena de palestinos feridos. Os protestos devido à construção da barreira pelo país árabe devem conseguir maior repercussão a partir desta semana. Mas a cobertura vai se restringir ao fato em si, não ao que ele representa de verdade.
Não se enganem: ao construir um muro subterrâneo para impedir o contrabando de armas e produtos ao Hamas, o Cairo não pretende agradar a Israel, EUA ou quem quer que seja. O objetivo é mandar mais um recado a Síria e Irã. A mensagem é clara: o Egito considera esta zona como sua e não vai tolerar a interferência dos xiitas por ali. Lembrem-se do grande conflito entre xiitas e sunitas mencionado no primeiro parágrafo e objeto de atenção de outros tantos textos publicados aqui.
Não apenas a interferência de Síria e Irã num território localizado quase no interior do Egito, mas também o programa nuclear iraniano são exemplos de batalhas importantes que evidenciam a disputa entre os dois grupos muçulmanos em busca de afirmação e hegemonia no Oriente Médio. O presidente Hosni Mubarak quer deixar claro internacionalmente – e principalmente na região – quem dá as cartas.
Interessante notar que uma das iniciativas do Hamas após o enfrentamento com tropas egípcias foi retomar o lançamento de mísseis sobre o sul de Israel. O objetivo é usar a única arma de que dispõe para unir a opinião pública muçulmana e desviar a atenção para o conflito estratégico em curso. Além disso, de certa forma, pretende colocar o Egito numa posição constrangedora diante dos demais países islâmicos ao usar uma lógica superficial, mas bastante eficaz para os menos atentos: se o Cairo combate o Hamas e este por sua vez combate Israel, logo o Egito estaria se aliando militarmente a Israel, um pecado mortal na visão da opinião pública dos países árabes e muçulmanos.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Novamente a polêmica dos aviões

Acho curiosa a reedição da polêmica acerca da escolha política dos aviões franceses a serem comprados pelo Brasil. Numa época em que a imprensa sofre para encontrar pautas por conta dos efeitos das festas de fim de ano e da lenta retomada da vida cotidiana no país, não chega a surpreender a opção por reviver um assunto já amplamente discutido em setembro do ano passado. Aliás, a Folha conseguiu uma nova e importante informação sobre a questão: o relatório militar que aponta a empresa sueca, e não a francesa, como mais adequada.

O que me parece fundamental aí é dividir o assunto em duas partes. Primeiro, o documento elaborado pelas forças armadas apresenta posições e justificativas militares sobre a escolha. E, meus amigos, as escolhas nesta área não se baseiam apenas em avaliações técnicas. Porque, é sempre bom lembrar, comprar equipamento militar deste ou daquele país é um dado importante para o estabelecimento de alianças políticas, não somente militares. Aviões de guerra ou defesa não são geladeiras. As aquisições não são feitas somente a partir do preço.

Em setembro do ano passado escrevi dois textos sobre a opção pela França. E me permito reproduzir aqui parte dos argumentos usados na época – e que, creio, continuam sendo válidos agora.

Quando esteve por aqui em 2009, Sarkozy disse ter a intenção de promover modificações de organismos multilaterais um tanto ultrapassados.

O mais arcaico e poderoso é o G-8, criado no século passado por potências do século passado e baseado em parâmetros de poder do século passado. O presidente francês se antecipou à falência declarada do grupo e mostrou ter decidido pular fora do barco antes que ele naufrague de vez. Ele propôs ampliá-lo no mínimo em seis países – com o Brasil incluído, claro.

E este foi o pulo-do-gato da parceria que se torna a cada dia mais concreta entre Paris e Brasília. Ambos sabem que é preciso enxergar a nova ordem mundial (no caso da aproximação com uma potência emergente como o Brasil), mas sem abrir mão do poder conquistado até aqui (sob a ótica brasileira, é importante ter a França como um aliado estratégico, já que ela é reconhecida como tal pelos demais países que ainda mantêm o status quo internacional e pode inclusive participar da viabilização de um assento permanente ao Brasil no Conselho de Segurança da ONU, o grande sonho de consumo da política externa brasileira).

O governo francês vem se encaixando como pode nesta característica de parceria, alianças e participação em diversas questões internacionais. Não é à toa que, após ter se destacado no estancamento da guerra entre Israel e o Hamas em Gaza no início do ano passado, decidiu retornar à OTAN após 43 anos de afastamento. Associar-se a um país que se configura como potência de acordo com os novos moldes internacionais é parte de uma estratégia maior.

Num mundo onde valores como supremacia bélica e corrida armamentista dão lugar aos poucos às variáveis econômicas, a França parece ter escolhido o Brasil como parceiro. Vale lembrar que, dentre os membros dos BRICS (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China), o Brasil parece ser o único que apresenta características mais próximas à França – um Estado laico democrático e ocidental. Não é à toa que Sarkozy esteve por aqui. Vender helicópteros e aviões me parece ser apenas a ponta do iceberg.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Putin faz a primeira jogada do ano

Como parte de sua principal estratégia de reviver o que considera sua zona de influência, a Rússia aplicou mais um golpe em direção aos Estados vizinhos. Desta vez, ameaça acabar com o abastecimento de petróleo cru por conta de um suposto desentendimento com a Bielo-Rússia, importante aliada de Moscou.

Segundo a versão oficial, os dois países discordam da renovação do acordo que permite à Bielo-Rússia pagar apenas um terço do valor de exportação da matéria prima fornecida pela Rússia. O fato é que o litígio entre as partes pode levar à interrupção do fornecimento a importantes países
europeus, como Alemanha e Polônia.
A ameaça de Moscou acontece exatamente um ano após o Kremlin ter decidido suspender o abastecimento de outra importante matriz energética, o gás, para a Ucrânia. Não por acaso, os alvos das problemáticas financeiro-energéticas russas costumam ser seus desafetos políticos.
A Rússia ainda considera Ucrânia e Polônia como suas zonas de influência. Como ambos os países se mostram cada vez mais interessados em alianças com a Europa ocidental, Moscou usa as armas de que dispõe de forma a reafirmar uma postura de poder contraditória ao cenário internacional contemporâneo.
A Alemanha também sofre represálias por ser a economia mais importante do continente. Com a medida, os russos supõem que o gesto não ficaria restrito apenas a Estados de segunda categoria e que suas reivindicações estratégicas implícitas serão ouvidas pelos principais atores europeus.
A questão, no entanto, é que, como dinheiro falso, as ambições de reconhecimento russas não têm lastro. Há dez anos no poder, o primeiro-ministro Vladimir Putin julga que apenas o passado soviético é necessário para permitir que a Rússia dos dias de hoje usufrua do status de potência global, mesmo que os índices econômicos do país mostrem o contrário.
"Putin quer dar a entender que ser percebido como potência é mais importante do que realmente ser uma potência. Ele não precisa modernizar a Rússia de modo a competir com os Estados poderosos; Basta blefar o suficiente a ponto de fazer com que seu próprio povo acredite que o país está novamente entre as principais nações do planeta", escreve Nina Khrushcheva, do World Policy Institute, de Nova Iorque.
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segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Estranhas amizades

Para combater o crescimento da al-Qaeda no Iêmen, os EUA já anunciaram o repasse do dobro de verbas em relação a 2009: 140 milhões de dólares. Mas isso não vai adiantar, infelizmente. Ao que parece, não apenas os EUA, mas todos os países interessados em impedir a expansão do terrorismo aplicam os mesmos erros básicos de avaliação a alguns "aliados" que costumam causar problemas.
O Iraque era controlado por Saddam Hussein. Apesar de sanguinário e ditador, houve um tempo em que Washington se aliou ao controverso líder de forma a garantir os interesses americanos durante a Guerra Fria. Mais do que lugar-comum, o fato se tornou um mantra repetido inúmeras vezes depois de duas guerras entre Estados Unidos e Iraque.
Um dos principais aliados na região são os sauditas. Um dos regimes menos abertos do Oriente Médio, a Arábia Saudita é a terra natal de Osama bin Laden. Mais que isso, a aliança entre o rei Abdullah e os EUA é citado pelo próprio Osama bin Laden como o principal motivo que o teria levado a cometer os atentados de 11 de Setembro.
O Paquistão ocupa a terceira colocação na escala de Estados beneficiados pelo repasse de verba americana atrás apenas de Israel e Egito. Nos últimos oito anos, recebeu 10 bilhões de dólares. Como todo mundo já sabe, as forças de segurança locais, as ISI, são altamente corruptíveis e simpáticas à ideologia Talibã – grupo que, teoricamente, deveriam combater. De certa maneira, Washington financia indiretamente um de seus principais inimigos na Guerra do Terror.
E agora todo este volume de dinheiro será entregue ao presidente iemenita Ali Abdullah Salih, que se mantém no poder há 30 anos e cuja agência de segurança central, conhecida como PSO, costuma colaborar com a al-Qaeda. Em 2006, 23 jihadistas locais conseguiram escapar sem dificuldades de uma das principais prisões do país controlada justamente pelo órgão de segurança.
Ou seja, inundar o Iêmen de dólares tem tudo para dar errado.
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