quarta-feira, 28 de abril de 2010

Rússia: a política do gás dá certo mais uma vez

E enquanto a Europa Ocidental se esforça para colocar a cabeça de fora da água, a Rússia aprontou mais uma. Ou melhor, mais duas. No mesmo dia em que a Grécia era jogada para debaixo do tapete, Moscou pôde comemorar duas importantes conquistas internacionais. Conseguiu a manutenção de sua base naval de Sevastopol, na Ucrânia, além de ter chegado a um acordo sobre a divisão da fronteira marítima do Ártico com a Noruega.

Ambas as ações constituem significativos sucessos da marca do governo Medvedev-Putin: a política externa do gás. As conquistas russas internacionais têm se baseado na chantagem, troca ou interrupção do abastecimento da matriz energética. Foi assim com a própria Ucrânia, em 2009, e aconteceu o mesmo ontem: graças ao desconto de 30% que Moscou prometeu a Kiev, a permanência da frota russa no Mar Negro se fez possível.

Desta maneira, o Kremlin consegue impedir a aproximação da Ucrânia com o Ocidente, movimento antigo e que incomodava bastante a Rússia. Afinal, mantém sua influência no país ao sustentar o fornecimento de gás pelo menos até 2042. Qualquer atitude que desagrade a Moscou por parte de Kiev será rechaçada com a sabotagem do abastecimento. Não tenho qualquer dúvida sobre isso. Vale lembrar também que esta é a consagração de uma pressão política conquistada graças à eleição do atual presidente ucraniano, Viktor Yanukovich, velho aliado dos russos.

Agora, ao vender sua alma por 30% de desconto na compra do gás russo, a Ucrânia dá adeus a projetos como a adesão à União Europeia e à OTAN. Moscou jamais permitiria tal rebeldia. Para completar, Putin mantém vivo seu sonho de reconstruir as zonas de influência políticas russas na Europa Oriental. É como entrar no DeLorean e desembarcar na década de 1950 em algum ponto da União Soviética.

Com o gás, a Rússia também pressionou a Noruega, país com o qual se mantinha em disputa há 40 anos. Os dois são os maiores fornecedores de energia da Europa, muito embora a produção de petróleo norueguesa esteja em queda. Medvedev decidiu fazer uma visita e foi direto: a única salvação seria dividir os 175 mil quilômetros quadrados do Mar de Barents e do Oceano Ártico em dois. Fim da disputa e Oslo e Moscou planejam a exploração conjunta da região. Existe a possibilidade de se descobrir um lençol de petróleo sob essas águas; algo em torno de 10 mil barris.

É a Rússia emergindo enquanto o resto da Europa submerge entre a crise econômica e as cinzas do vulcão cujo nome jamais será pronunciado corretamente por essas bandas.


PS1: obrigado ao História Viva por colocar o blog entre os melhores da semana.
PS2: entre amanhã e segunda-feira viajarei a trabalho. Portanto, não garanto que poderei postar com a frequência habitual.

terça-feira, 27 de abril de 2010

O que pode acontecer no Sudão

Muito pouco continua a ser dito sobre a tragédia no Sudão. Para ser sincero, ainda não encontrei repercussão da reeleição de Omar al-Bashir na imprensa brasileira. Ao mesmo tempo em que o mundo continua a mostrar descaso, a Cruz Vermelha Internacional divulga hoje relatório mostrando que o país já representa a maior tragédia humana mundial: segundo a organização, já são 4,9 milhões de refugiados desde 2003. Curiosamente, o segundo lugar é ocupado pela Colômbia, por conta da guerra entre traficantes, grupos paramilitares e tropas do governo.

Enquanto o caos no Sudão é contado na casa dos milhões, a missão formada por soldados das forças de paz das Nações Unidas e de países africanos evidencia com clareza como ninguém está nem aí mesmo: apenas 16.852 militares e 4.675 carregam a responsabilidade de evitar ainda maior número de mortes. E, vale lembrar, eles estão alocados no maior país da África em área e com 41 milhões de habitantes (o 29º mais populoso). Basta fazer uma conta simples para perceber que o contingente é bastante insuficiente.

A boa notícia é que a organização Human Rights Watch (HRW) já informou que a reeleição de Bashir não conseguirá livrá-lo das acusações no Tribunal Penal Internacional (TPI). Acho até que legalmente funcione assim, mas tenho dúvidas se, na prática, o presidente do Sudão não será capaz de barganhar politicamente. Principalmente com os países africanos.

Aliás, esta é uma carta muito poderosa que ele tem na manga. Existe uma clara possibilidade de o país se dividir em dois: o Sudão do Norte e o do Sul. Isso será inclusive tema de um referendo marcado para o ano que vem. Mas a União Africana é contrária a esta decisão por conta da provável confusão que a aplicação desta medida causaria.

Do ponto de vista político, a existência de dois países resolve pouco; se Bashir é corrupto e ditador, o Movimento de Libertação do Povo do Sudão, que representa os interesses separatistas da porção sul do país, não fica atrás. Também costuma aplicar punições aos dissidentes e silenciar os opositores.

Para completar, sempre existe a possibilidade de um conflito entre os dois lados, uma vez que os campos de petróleo mais produtivos estão localizados justamente no sul. Ou haverá um acordo entre eles para dividir os lucros da exportação ou Bashir não aceitará a divisão e usará a máquina do Estado para lutar pela "união nacional". Acho esta hipótese a mais provável.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Comunidade internacional se cala diante de tragédia no Sudão. Mais uma vez

Já escrevi alguma vezes sobre o Sudão aqui no blog. A catástrofe que ocorre no país desde 2003 não sensibiliza o mundo de nenhuma maneira. Nada surte efeito; nem os 300 mil mortos, nem os quase 3 milhões que foram deslocados de suas casas desde a eclosão do conflito entre o sul - de população majoritariamente cristã - e o norte - onde a maior parte dos habitantes é de árabes muçulmanos. Hoje, mais um capítulo desastroso foi escrito nessa história: o presidente Omar al-Bashir (foto), a principal autoridade política responsável pelo genocídio em Darfur, foi reeleito com 68% dos votos.

É importante deixar claro que observadores da União Europeia e do Centro Carter (do ex-presidente americano Jimmy Carter) consideraram a transparência do pleito "abaixo dos padrões internacionais". A frase nada mais é do um eufemismo para fraude eleitoral. Os dois principais concorrentes de al-Bashir já haviam se retirado da disputa justamente para denunciar o jogo de cartas marcadas.

Agora, o presidente do país vai fazer o que puder de forma a capitalizar para si o resultado das urnas. Acusado por crimes de guerra e contra a humanidade pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), vai se valer das circunstâncias do país para livrar-se de qualquer culpa. Como a situação do Sudão é de permanente incerteza, Bashir vai advogar o papel de única liderança política capaz de criar alguma estabilidade.

Ou seja, ao supostamente receber este voto de aprovação nas urnas, Bashir vai ligar os pontos, principalmente após um final de semana de mais conflitos, quando 55 pessoas foram mortas no sul do país: com quase 70% dos eleitores a seu favor - o Egito, por exemplo, já se movimenta nos bastidores para evitar que líderes africanos condenem o processo eleitoral no Sudão -, Bashir vai chantagear a comunidade internacional ao se colocar como o único com poder político suficiente para impedir mais derramamento de sangue.

Os organismos multilaterais vão protelar mais ainda qualquer condenação ao presidente sudanês em virtude da enorme culpa que carregam por nada terem feito nesses setes anos de genocídio em Darfur. O argumento de Bashir vai ser muito claro: ou permanece intocável ou não fará qualquer movimento para frear a imimente guerra entre sul e norte capaz de acrescentar mais mortes ao já deteriorado país. O histórico de inércia das Nações Unidas é longo e nada leva a crer que este quadro vai mudar. Por isso, acredito seriamente que Bashir será reeleito e tudo vai permanecer como está no Sudão. Desta vez, no entanto, com o aval internacional.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Sinais de um novo conflito no Oriente Médio

Hoje é um daqueles dias em que todos os movimentos são importantes. Inclusive os menores. Aliás, principalmente esses. Ainda sem muitas explicações, dois mísseis Grad de fabricação russa atingiram um armazém no Porto de Ácaba na Jordânia. Não houve feridos. Há um tanto de mistério nesta situação. Até porque nenhum país árabe ou islâmico iria atingir uma cidade jordaniana propositalmente neste momento. Muito provavelmente, o alvo do ataque era o balneário israelense de Eilat.

Já se sabe que os mísseis foram disparados de algum ponto do deserto do Sinai, no Egito. Seguramente, não por forças oficiais do país, que mantém relações com Israel. Curiosamente, o ataque acontece justamente quando a região é sacudida pelas acusações israelenses de que a Síria tem transferido mísseis scud para o Hezbolah, no Líbano.
O episódio desta quinta-feira pode marcar o fim de um período de certa tranquilidade no Oriente Médio. Os acontecimentos se sucedem em ritmo acelerado rumo ao grande conflito do qual venho tratando há um tempo por aqui: entre a aliança xiita em busca de hegemonia e os Estados sunitas moderados que desejam a manutenção do status quo.
Hoje, o Irã deu início a mais uma ação promocional de seu poder militar. O país realiza outro exercício de guerra no estreito de Hormuz – o mesmo que Ahmadinejad disse que iria fechar no caso de sofrer um ataque de EUA e Israel. Não há muita novidade nesse tipo de manobra que os iranianos fazem desde 2006. Curioso mesmo é que, desta vez, Teerã optou pela demonstração de força no início do ano. Até agora, a república islâmica realizava os exercícios militares no final do ano. Não me espantaria se a mudança tivesse a ver com a o anúncio da nova política nuclear americana e do crescente empenho de Barack Obama para aprovar o novo pacote de sanções.
Como possivelmente todos os países da região estarão envolvidos de alguma maneira num eventual conflito, as lideranças do Oriente Médio estão procurando acomodação. Ou melhor, antecipação. Por isso, existe grande possibilidade de um encontro entre os presidentes da Síria e do Egito acontecer nas próximas semanas. Pelo menos é o que informa o influente jornal árabe Al-Hayat.
Se isso ocorrer, vão estar frente a frente dois dos principais e opostos líderes do Oriente Médio. Hosni Mubarak, presidente do sunita Egito, e Bashar Assad, presidente xiita sírio aliado de Irã, Hezbolah e Hamas. Segundo os jornalistas do Haaretz Amos Harel e Avi Isacharoff, haverá uma conversa franca, direta e sem meias palavras entre os dois presidentes (que não se encontram há quatro anos):
"Assad vai ser informado sobre a posição egípcia de que Damasco está colocando a região em risco ao transferir mísseis scud para o Líbano", escrevem. Ou seja, há a política de bastidores e os comunicados para a imprensa. Abertamente, nem Síria, nem Líbano admitem o repasse de armamento pesado. Na prática, no entanto, todas as lideranças já trabalham a partir dessas informações e iniciam um processo de articulação que pode terminar na deflagração da próxima grande guerra regional.
Fica evidente que, se os EUA preferem fingir que nada está acontecendo, seus aliados e inimigos pensam de maneira diferente. Cada um a seu modo se prepara como pode para enfrentar o que parece inevitável.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Indefinição americana

Os Estados Unidos acabaram tendo de se pronunciar sobre as acusações israelenses de que a Síria estaria provendo o Hezbolah, no Líbano, de mísseis scuds de longo alcance. A situação é delicada por uma série de razões. Em primeiro lugar, porque o governo de Damasco nega com veemência que seja provedor do armamento (aliás, esta é a única atitude possível. Imagina se Bashar Assad admitisse tal fornecimento?). Segundo porque a Casa Branca vive um momento de traumas e indefinições na condução de sua política externa.

A crise de autoconfiança americana no campo internacional é antiga. Mencionei o assunto na semana passada e o retomo agora: os EUA de Obama enfrentam um impasse com o programa nuclear iraniano que é associado pelos seus inimigos à busca de George W. Bush por armas de destruição em massa no Iraque. Mas as diferenças são muitas. Do ponto de vista político, o atual presidente é muito mais preocupado com a construção de uma realidade internacional multilateral do que seu antecessor.
Outro ponto importante é lembrar a quantidade de ocasiões em que as autoridades iranianas foram convidadas a conversar com os americanos sobre seus propósitos. Os inúmeros pedidos de Obama nunca foram aceitos. Pelo contrário. Ahmadinejad cada vez mais sobe o tom e tem como estratégia a oposição aos EUA, não a busca por conciliação.

De qualquer maneira, Obama reluta em anunciar ações práticas e tem enfrentado dificuldades para conseguir apoio a seu pacote de sanções. O presidente americano teme ser associado ao histórico de rejeição de Bush. Para isso, ele procura se distanciar o quanto pode de atitudes unilaterais. Ele quer punir Teerã. Mas pretende fazê-lo com a compreensão da comunidade internacional e no mais importante fórum internacional, a ONU.

Vale lembrar também que, se dentro de casa Obama atravessa um momento difícil - em março ele atingiu o mais baixo nível de aprovação desde que assumiu o cargo, 45% - ainda conta com admiração fora dos EUA. Se derrapar, não vai ter mais onde se escorar. Portanto, as questões internacionais adquirem maior importância. Se conseguir reverter a situação no Irã, por exemplo, pode conquistar apoio doméstico.

Mas quando a fase é ruim, tudo parece contribuir para aprofundar a crise. Neste final de semana, o New York Times publicou relatório do secretário de Defesa, Robert Gates, em que ele admite que os EUA não têm qualquer estratégia ou plano para o caso de o Irã insistir na busca por armamento atômico. Como isso seguramente vai acontecer - Ahmadinejad não dá qualquer sinal de que pretende recuar - a maior potência do planeta não sabe o que vai fazer.

Ou seja, atualmente o governo de Washington dá mostras de estar congelado pelo trauma. Reluta no Irã pelo senso de responsabilidade que carrega pela invasão do Iraque, em 2003. Mas precisa se pronunciar sobre assuntos importantes, como as acusações de Israel ao presidente sírio, Bashar Assad.
Por isso, Obama mandou convocar o chefe da missão do país na capital americana para comunicar que os EUA estão preocupados com a transferência de armamento para o Hezbolah. O episódio serve que, por mais que a calma no Oriente Médio seja um tanto sedutora ela é bastante aparente. Cedo ou tarde, a escalada iria começar. E ninguém pode conceber que a Casa Branca continue a não ter qualquer plano para resolver os impasses da região.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Brasil aposta alto no Irã

Não deixa de ser irônico o anúncio do Irã, nesta segunda-feira, de que vai construir mais uma usina nuclear para enriquecimento de urânio. Mostra a disposição do país de sustentar o enfrentamento com o Ocidente e levá-lo às últimas consequências. Também aumenta a expectativa quanto ao encontro de Lula e Ahmadinejad, em menos de um mês.

Por outro lado, no entanto, a declaração complementar de Mojtaba Samareh-Hashemi, assessor sênior do presidente iraniano, pode jogar um balde de água fria numa das pretensões brasileiras. Ele afirmou que, mesmo se Teerã vier a importar urânio enriquecido, não pretende interromper seu próprio processo de enriquecimento.

O Brasil já chegou a ser cogitado para realizar o processo e devolver o material para o Irã. Agora, mesmo que isso acontecesse, a república islâmica não estar disposta a voltar atrás no jogo. Ou seja, uma das principais possibilidades de barganha brasileira foi para o espaço.

O leitor Tiago Duarte apresentou uma teoria interessante sobre o encontro de Lula e Ahmadinejad. O resultado apresentado ao mundo poderia ser a autorização a técnicos brasileiros para inspecionarem as usinas iranianas. De fato, esta seria uma decisão positiva para os dois países.

Agora, minha interpretação sobre isso: para o Brasil, seria uma tremenda vitória num dos principais palcos de disputa internacional. O governo brasileiro seria, no fim das contas, o olho do mundo no Irã e poderia capitalizar o acordo para suas pretensões no Conselho de Segurança da ONU.

Ahmadinejad um lado positivo ao seabrir seu programa nuclear sem ceder à EUA ou Europa, seus maiores rivais. As autoridades iranianas mandariam um recado deixando claro que estariam dispostas a negociar, desde que não fossem pressionadas. As instalações seriam inspecionadas por técnicos do país que ainda lhes fornece um voto de confiança.

O problema para o Brasil seria se, cedo ou tarde, o Irã produzisse armamentos nucleares. Os objetivos internacionais do Itamaraty não seriam alcançados e o país entraria para a história mundial por não ter descoberto as reais intenções iranianas. Além, é claro, de se tornar o protagonista de um equívoco cujas consequências ninguém sabe quais serão.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Lula, o revolucionário

O encontro dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) encerrado em Brasília deixou claro que o grupo veio pra ficar e em pouco tempo vai se tornar uma tremenda dor de cabeça para EUA e União Europeia, representantes tradicionais de um mundo de poder de outrora. O documento final sobre as intenções dos países mostra também que Lula caminha a passos largos para se tornar o líder da composição. Algumas posições têm a sua cara.

São os casos, por exemplo, do pedido de reforma do FMI e do Banco Mundial. Não é de hoje que a posição do governo brasileiro é lutar pela mudança da balança de poder internacional. Para ser ainda mais específico, Lula defendeu seu ponto de vista há pouco mais de uma semana, durante visita da presidente da Libéria a Brasília:

"O Brasil não se transformou em credor do FMI para que as coisas continuassem como antes e exige reformas profundas para que os países em desenvolvimento possam ter uma voz realmente ativa na definição de seu futuro", disse.

Vale recordar que, durante o mandato de Lula, o Brasil deixou a posição histórica de devedor da instituição e adquiriu 10 bilhões de dólares em títulos do organismo.

A postura pragmática da política externa brasileira se aplica também para as relações econômicas. Se o Brasil mudou, as instituições financeiras internacionais têm que mudar também. Ou melhor, a maneira como enxergam o país e os demais membros deste novo mundo.
Aliás, a jogada do Itamaraty é transformar o Brasil em porta-voz deste grupo de emergentes. E este ponto é quase indiscutível. Afinal, nenhum outro Estado possui acesso a quase todos os atores internacionais relevantes como o Brasil.

Por exemplo, ao examinar apenas os membros dos BRICs, é possível ter uma ideia de como seria difícil para qualquer um deles se tornar líder do grupo: o Paquistão é um enorme bolsão populacional e tem importância política indiscutível. Mas a Índia tem péssimas relações com o país. A Rússia é vista com desconfiança pelos Estados do Leste Europeu; a China é alvo do ódio internacional por conta da pirataria que costuma entrar de sola nos mercados internos. O Brasil, no entanto, não tem qualquer problema aparente com nenhum dos atores.

Não tenho nenhuma dúvida de que o grupo vai muito além de pretensões econômicas. Aliás, isso está muito claro, na medida em que as discussões em Brasília entraram também em aspectos políticos, como a abordagem ao Irã, por exemplo. A existência de algo do gênero é uma realização pessoal do próprio Lula, que há 30 anos defende a criação de um eixo independente de poder.

E o presidente brasileiro está a ponto de tornar realidade sua revolução. Sim, ele estudou muito e entendeu que a melhor forma de mudar o sistema é de dentro para fora. Se é preciso ser uma democracia consolidada, apresentar crescimento econômico e conseguir o crescimento do mercado interno para reivindicar posições internacionais, pronto, o país já é tudo isso. E agora Lula pode defender um mundo multipolar onde os novos atores podem participar do jogo. Se isso tudo não é uma revolução, então eu não sei o que pode ser.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Escalada entre Síria e Israel pode precipitar ofensiva ao Irã

Há uma certa sensação de calmaria no Oriente Médio. E, como os ciclos históricos têm demonstrado, períodos como este são sucedidos por tensões. E uma guerra se aproxima no horizonte. Por mais que um efrentamento entre Israel e Irã seja a possibilidade mais óbvia, esta semana pode marcar o início de uma escalada agressiva entre Síria e Israel.

O presidente israelense, Shimon Peres, declarou que o regime de Damasco tem fornecido mísseis Scud (foto) ao Hezbolah, no Líbano. E isso pode ser verdade. Relatórios de agências de segurança e inteligência ocidentais apontam que o governo de Bassar Assad produziu grande quatidade deste armamento desde o ano passado.

Como a aliança entre sírios, iranianos e o Hezbolah é inegável, a transferência desses mísseis para o Líbano é estratégica do ponto de vista de Damasco: manda um recado ameaçador aos israelenses sem comprometer oficialmente o governo da Síria. Afinal, a região não cansa de dar exemplos de jogo duplo internacional e a o regime Assad, ao mesmo tempo em que jura fideliade a Ahmadinejad, deve reabrir a embaixada americana - fechada, por decisão de Washington, desde o atentado terrorista que matou o ex-primeiro-ministro libanês Rafik Hariri, em 2005.

O alcance dos novos Scuds que o Hezbolah possui chega a 700 quilômetros de distância. Ou seja, suficiente para atingir qualquer ponto do território de Israel. Parece muito claro que o objetivo é se preparar para um eventual ataque ao Irã, justamente no momento em que as pressões sobre o programa nuclear iraniano chegam a seu estágio máximo. Todo mundo já está cansado de saber que, no caso de EUA ou Israel - ou ambos - bancar uma ofensiva, uma das primeiras respostas da república islâmica será ativar seus aliados na região. Ou seja, o território israelense seria atacado pelo Hezbolah, no norte, e pelo Hamas, no sul. Muito provavelmente através do lançamento de mísseis.

Em agosto do ano passado, o xeque Hassan Nasrallah, líder do Hezbolah, já havia declarado que era capaz de atingir qualquer cidade israelense. Ele disse possuir mais de 30 mil mísseis de diferentes alcances. Para completar a leitura da situação, a agência de notícias AFP informa que, nesta quinta-feira, diferentes facções políticas libanesas discutiram a integração do armamento do Hezbolah às forças regulares do país. Isso seria até um passo rumo a um grande acordo no Oriente Médio, desde que o governo libanês forçasse a milícia xiita a abrir mão de seus objetivos, como a destruição de Israel, por exemplo. Mas isso não vai acontecer.

A revista Foreign Policy oferece uma interpretação de como tudo isso pode terminar. Ou melhor, o que vai acontecer na região a partir do momento em que se torna clara a convergência de todos esses fatores.

"Se Israel decidir destruir as armas do Hezbolah, a iniciativa pode criar uma janela de tempo em que as cidades israelenses estarão sob uma ameaça mínima de ataques com mísseis. Seria a oportunidade perfeita para atacar o Irã sem o risco de sofrer retaliações dos aliados de Teerã no norte do país", afirma.

Eu realmente não duvido de que esta pode ser uma possibilidade real. E, se a estratégia militar israelense estiver pensando nisso, a ação não vai tardar a acontecer, uma vez que Ahmadinejad não se mostra disposto a dar um passo atrás em seu programa nuclear.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Brasil é pragmático em busca de seus objetivos internacionais

Enquanto as atenções americanas estão plenamente voltadas para o combate ao Irã, os responsáveis pelas pastas de Defesa de Brasil e EUA assinaram acordo (foto) prevendo cooperação militar entre os dois países. Ao contrário dos laços que Washington mantém com a Colômbia, por exemplo, o estreitamento das relações com os americanos não prevê o acesso a bases brasileiras. Trata-se somente de intercâmbio nas áreas de segurança, treinamento e desenvolvimento. Mais do que técnica, a decisão de Brasília mostra uma prática pragmática do Itamaraty.

Há grande divergência entre Lula e Obama em relação ao modo de tratar o programa nuclear iraniano. Mas se a intenção era deixar claro que os dois países não guardam ressentimento apesar do imbróglio, acho que o recado foi bem entendido.

"Na medida em que o Brasil emerge como potência-chave, ele trata de estabelecer seu próprio curso. É como se quisesse dizer: vamos nos alinhar com o Irã, se for útil. Vamos cooperar na área de Defesa com os EUA, se for útil. Ninguém pode nos dizer que o Irã é mau, mas também não pode dizer que os americanos são maus", diz Evan Ellis, professor de estudos de segurança nacional na Universidade Nacional de Defesa, nos EUA, em entrevista ao Christian Science Monitor.

Ou seja, se o objetivo brasileiro era – e, de fato, é – apresentar-se internacionalmente como um ator independente, a meta foi atingida. Acredito também que esta seja a razão principal da insistência na legitimidade do programa nuclear iraniano.

Ninguém é bobo, e obviamente Lula e os arquitetos da política externa brasileira sabem das reais intenções de Ahmadinejad. Mas o presidente brasileiro vai tentar esticar ao máximo a corda porque o assunto é mais um dos pontos que servem aos propósitos de Brasília: o simples contraponto às sanções oferece ao país o protagonismo necessário para a reafirmação das reivindicações internacionais brasileiras que todo mundo já conhece.

Quando Lula diz que pretende conversar com Ahmadinejad e requisitar "provas" de suas reais intenções, há propósitos claros do Itamaraty: com este discurso, o governo brasileiro ganha mais tempo de exposição para suas demandas – afinal, o encontro acontece somente daqui a um mês; e cria um fato capaz de gerar enorme expectativa internacional para sua reunião com o presidente iraniano, o que aumenta ainda mais o papel de protagonismo internacional brasileiro.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Polêmica nuclear envolve Paquistão, Irã e Harvard

Durante os regates após o terremoto no Chile, foram encontrados indícios de material nuclear. A Argentina mantém um programa civil. O Brasil também. Diante da escassez energética de nossos tempos, muitos países desenvolvem usinas para produção de formas alternativas de abastecimento. Não é o caso apenas dos países sul-americanos, como se sabe. Aliás, o continente nem pode ser considerado um perigo para o equilíbrio mundial.

O encontro que se encerra hoje em Washington afirma que o maior risco para o Ocidente é justamente a possibilidade de o material nuclear cair nas mãos de organizações terroristas. Embora muitas vezes todo este discurso soe apenas como politicamente correto, eu sinceramente não estaria disposto a pagar para ver.

Existe um tanto de incredulidade na iniciativa americana de reunir 46 países para discutir segurança nuclear. Este pé atrás pode ser explicado talvez pela invasão ao Iraque, em 2003. A decisão do governo Bush foi precedida de debates e apresentações que pretendiam mostrar que Saddam Hussein detinha as tão faladas armas de destruição em massa. Como elas nunca foram encontradas, acho que, de certa maneira, a má-vontade mundial em relação à posição nuclear atual dos EUA guarda resquícios da ofensiva em solo iraquiano.
Alguns resultados curiosos têm sucedido as declarações de líderes reunidos na cúpula em Washington. Em primeiro lugar, a relutância e reatividade iranianas. Não havia como a reação ser diferente. Entretanto, o regime de Ahmadinejad sempre aproveita tais ocasiões para responder com ironias. Foi o que fez mais uma vez ao afirmar que, a partir deste final de semana, vai promover o seu próprio encontro para debater a proliferação de armamento nuclear. A decisão de Teerã me lembrou uma outra: em 2006, a república islâmica promoveu um concurso de charges sobre o Holocausto. Uma brincadeira de péssimo gosto e que tinha como objetivo provocar o Ocidente e, principalmente, Israel.

Outra consequência das reuniões na capital americana veio do aliado Paquistão. Tal como publicado neste espaço ontem, a corrida nuclear promovida por Islamabad é um risco real à segurança mundial, já que há acusações sobre a capacidade do país de manter seu arsenal a salvo de organizações terroristas - nunca é demais lembrar que Talibã e al-Qaeda atuam com certa liberdade no território. Mas as autoridades paquistanesas asseguram que seu esquema de segurança é de alto nível:

"Eu garanto que o Paquistão, como Estado nuclear responsável e democracia emergente, está ao lado da comunidade internacional em seu esforço de tornar este mundo um lugar melhor para se viver", disse o primeiro-ministro, Yousuf Raza Gilani. A dúvida que paira sobre as cabeças mais atentas a este assunto é justamente se um governo em frangalhos - que sequer consegue controlar suas próprias forças de segurança - irá conseguir manter o armamento atômico longe do alcance dos fundamentalistas que entram e saem de suas fronteiras perenes.

O problema é que estudo da Kennedy School of Government, da Universidade de Harvard, não concorda com isso. Para o professor Matthew Bunn, coordenador da pesquisa, o governo paquistanês está mais empenhado em proteger seu arsenal de ataques da Índia. Para ele, Islamabad não mostra o mesmo empenho para evitar o acesso por parte de terroristas. Fica a critério de cada um escolher em quem depositar sua confiança: nos acadêmicos de Harvard ou nos políticos do Paquistão.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Índia e Paquistão atrapalham os planos nucleares de Obama

O encontro promovido por Obama para discutir a segurança nuclear atende a uma ambição pessoal de campanha do presidente americano: garantir que, durante seu mandato, o material para fabricação de armamento atômico seja removido de todas as áreas consideradas vulneráveis. É uma meta grandiosa que mostra a disposição da Casa Branca em correr atrás para conseguir cumprir objetivos considerados estratégicos.

Alguns críticos do governo já repetem sem pudor que Obama é um presidente de um mandato apenas. Certamente, a determinação de focar sobre a redução nuclear atenderia a um tremendo propósito. Se, de fato, o presidente da mudança conseguir reduzir o arsenal mundial significativamente, haverá resultados muito significativos que poderiam ser apresentados na campanha de reeleição.

Reunir líderes mundiais em Washington e terminar o encontro com compromissos firmes é um tanto messiânico. Cumpre parte das expectativas depositadas sobre Obama durante a corrida presidencial.

Entretanto, é preciso desfazer algumas trapalhadas do governo Bush. Por exemplo, o acordo nuclear assinado com a Índia despertou a ira do Paquistão. Como a corrida armamentista entre os dois países nunca foi segredo pra ninguém, não era impossível prever que Islamabad trataria de se dedicar à própria produção atômica.

O problema é que o Paquistão é hoje um amontoado de interesses e facções administrado por um governo central que recebe quantias exorbitantes de ajuda financeira americana. Se a cúpula que acontece em Washington pretende tratar justamente do perigo representado pelo arsenal nuclear, o caso paquistanês é emblemático. Muito possivelmente, é no território do país que as instalações nucleares estão menos distantes da al-Qaeda e do Talibã do que em qualquer outro lugar.

Mas este assunto não será tratado por Obama. Pelo menos não abertamente, já que, mesmo antes de dar início ao encontro formal, o presidente americano se reuniu separadamente com o presidente indiano e o primeiro-ministro paquistanês. Ninguém admite, mas um confronto nuclear entre Índia e Paquistão é hoje a maior pedra no sapato na estratégia messiância da Casa Branca. Curiosamente, são dois aliados americanos os responsáveis por atravancar a vida de Obama. Afinal, até o momento tem sido inútil seu esforço de tentar convencer os líderes dos dois países de que a maior ameaça à segurança mundial é o Irã.

Para piorar este cenário, o próprio Obama tem contribuído para esta trapalhada. No mês passado, Washington ratificou o acordo com a Índia criado por Bush. Ou seja, cada vez menos o presidente americano tem argumentos para frear as ambições dos rivais explosivos.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

EUA e Rússia perdem com confusão no Quirguistão. Mas não muito

Enquanto EUA e Rússia se desdobram em esforços diplomáticos para capitalizar com a assinatura do novo acordo de redução de armas estratégicas, os acontecimentos no Quirguistão tratam de jogar lama nos dois países, como escrevi ontem. A imprensa internacional não demorou a relacionar o silêncio americano quanto as práticas do governo Bakiyev, os interesses russos para fechar a base americana e o leilão entre ambos promovidos pelo presidente quirguiz. Ou seja, a tentativa de controlar a situação foi um fracasso. Resta saber agora quais serão as consequências disso a longo prazo.

Particularmente, acho que Washington e Moscou podem ficar tranquilos. Ressaltar que a Casa Branca faz acordos pragmáticos mesmo com governos corruptos e antidemocráticos não muda nada. Torna os Estados Unidos piores aos olhos daqueles países que já não possuem qualquer laço com os americanos. Em relação à Rússia, saber que o Kremlin fez o que pôde para prejudicar os interesses do então presidente Bush na Ásia Central muda quase nada. Talvez seja até um ponto positivo considerando a impopularidade do ex-presidente americano.

Penso, no entanto, que os EUA deveriam fazer algum movimento agora. Ao menos para recuperar parte da coerência perdida. Afinal, a Ásia Central e o Leste Europeu são regiões próximas e estratégicas, não apenas do ponto de vista militar, mas porque é muito claro que Washington pretende ser um parceiro importante das ex-repúblicas soviéticas. Vale lembrar que o país apoiou grandes ondas de reforma popular democrática em Ucrânia e Geórgia, por exemplo. Por isso, penso que não resta qualquer alternativa a Obama neste momento a não ser declarar apoio à opositora e interina no comando do país Roza Otunbayeva.

Aliás, neste ponto a Rússia saiu na frente, tendo sido o primeiro governo a reconhecer as novas lideranças no Quirguistão. É bom que Obama aja rápido. Caso contrário, o silêncio pode soar como apoio velado ao corrupto Kurmanbek Bakiyev.
Em relação a tudo o que tem acontecido no Quirguistão, não creio que este tipo de revolta seja surpreendente. Ou melhor, não tenho bola de cristal e estaria mentindo se escrevesse que estava mesmo à espera de algo do tipo. Até porque pouca gente por aqui costuma acompanhar a política doméstica dos países que não estão em evidência na Ásia Central.

No entanto, acho que é natural este tipo de revolta popular não apenas no Quirguistão, mas em todas as ex-repúblicas soviéticas.

Em primeiro lugar, porque os países se tornaram independentes apenas em 1991. Ou seja, o processo de estabilização nacional ainda está em curso, justamente porque faz muito pouco tempo que existem como entidades autônomas em relação à Rússia. Segundo porque estão localizados numa região que ainda busca acomodação. Não apenas as ex-repúblicas da Ásia Central, mas também no Leste Europeu. Esses recentes Estados ainda procuram se estabelecer baseados em dois grandes dilemas: a explosividade de vizinhos conflituosos - como é o caso dos países da Ásia Central - e a independência política em relação à própria Rússia - relativo aos países da Europa Oriental. Vale lembrar como Moscou costuma reagir mal quando Ucrânia e Geórgia sinalizam qualquer aproximação com o Ocidente.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Até o Quirguistão pode atrapalhar a política externa americana

A revolta no Quirguistão causou tanta surpresa que a imprensa ocidental ainda está um tanto perdida sobre as causas que levaram a população a tomar o palácio presidencial e exigir a renúncia de Kurmanbek Bakiyev. Num primeiro momento, chegou a haver um consenso de que a corrupção do presidente do país seria suficiente para explicar a situação. Depois, rumores sobre insatisfação quanto ao preço cobrado no fornecimento de aquecimento e eletricidade completaram o quadro de justificativas.

Não penso que este ou aquele motivo tenha motivado a revolta popular em curso por lá, mas é bem possível que a união de todos os fatores permita a compreensão do que está acontecendo. O interessante é perceber que ninguém parece estar muito preocupado com isso de fato, mas nas consequências desta confusão para a política externa americana.

De fato, o Quirguistão isoladamente não tem muita importância no sistema internacional. Mas a região onde está localizado é fundamental no tabuleiro de ações geopolítico atual. Qualquer movimento significativo na Ásia Central interessa. A região é hoje um palco tão importante quanto o Oriente Médio.

No entanto, acho um tanto reducionista o caminho que vem sendo escolhido para esclarecer os interesses de Rússia e Estados Unidos no Quirguistão. A simples existência de bases militares das duas potências no país explica apenas em parte a ansiedade americana – mais até do que russa – em relação aos acontecimentos das últimas 24 horas.

Mencionar que a base de Manas instalada no país abastece com munição, alimentos e logística militar as tropas dos EUA e da Otan no Afeganistão é importante. Mas a complexidade é muito maior do que isso. Qualquer movimentação na região é observada com profundo interesse pela equipe internacional de Obama. A Ásia Central é um dos principais – senão o principal – campo de atuação externa do presidente americano. Ao deixar claro que considerava a guerra no Afeganistão justa, Obama acabou por encampar todos os problemas políticos dos países vizinhos.

Por isso ele teve receio ao comentar a aprovação do Congresso do termo “genocídio” para se referir ao assassinato de 1,5 milhão de armênios pelos turcos no início do século 20. A medida pressiona o presidente americano a confrontar não apenas a Turquia, mas também seu aliado Azerbaijão. Da mesma maneira, a aproximação com a Rússia é mais uma tentativa de diminuir oposições na região, uma vez que os Estados Unidos já têm problemas suficientes para resolver em Paquistão e Afeganistão.


O problema é que a crise no Quirguistão expõe mais uma decisão contraditória americana. É bom deixar claro que Obama está pagando por um erro cuja responsabilidade não é sua. Em 2005, Bakiyev chegou ao comando do país através de uma revolução que contou com a cumplicidade americana. Aí sim a base de Manas ocupa um papel central. Por conta do interesse em manter o entreposto, George W. Bush fez vista grossa para a corrupção no governo do presidente do país.
Numa decisão pragmática e controversa, a Casa Branca optou por não se envolver nos assuntos domésticos do Quirguistão. Washington precisava negociar o aluguel da base militar e conseguiu manter o controle de Manas graças a negociações com Bakiyev.

Agora, justamente quando Obama parece conseguir colocar a cabeça pra fora da água em sua estratégia internacional, há a ameaça de a decisão americana de silenciar cinco anos atrás vai voltar à tona. Seguramente, os EUA serão acusados de trabalhar com um padrão ambíguo. Se por um lado exigem eleições limpas, democracia e liberdade para opositores do regime no Irã, o mesmo não se aplica ao Quirguistão. E o presidente americano quer evitar a todo custo este desgaste.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Nova diretriz nuclear americana: quase todas as reações são positivas

A nova política nuclear americana é o principal assunto internacional do dia. Não poderia deixar de ser mesmo. Obama foi eleito por prometer mudança, reuniu multidões ainda durante a campanha mesmo ao discursar na Europa e provocou uma onda de otimismo global. Agora, parece que o presidente americano conseguiu finalmente dar um passo concreto, inteligente e que agradou aos progressistas que acreditaram na esperança anunciada por ele.

"Numa época perigosa, ele está tomando importantes decisões para garantir um mundo mais seguro e alavancar a credibilidade de seu país no momento em que busca conter as ambições nucleares de Irã, Coreia do Norte e outros. (...) A administração (Obama) corretamente optou por liderar através do exemplo. Estamos especialmente encorajados pela declaração de que os EUA não irão desenvolver novas ogivas nucleares", elogia editorial de hoje do New York Times.

Barack Obama conseguiu transformar o capital de simpatia internacional que esteve em queda nos últimos meses numa ação prática que seguramente vai lhe render ainda mais popularidade. A Casa Branca acredita que este é o momento de surfar nesta onda e pôr na mesa a carta do líder mundial pacifista que o mundo esperava do presidente americano.

Haverá ainda mais reverberação positiva principalmente durante a próxima semana. Como escrevi ontem, será o maior encontro promovido por um presidente americano desde a fundação das Nações Unidas, em 1945.

Se boa parte do Ocidente reagiu positivamente às novidades de Obama, o mesmo não pode ser dito sobre Mahmoud Ahmadinejad – certamente, um dos principais alvos das medidas. O presidente iraniano optou por desqualificar a experiência do líder americano.

"Políticos materialistas americanos imediatamente recorrem a suas armas como cowboys. Senhor Obama, você é um novato. Espere até que o seu suor seque e você ganhe alguma experiência. Seja cuidadoso e evite ler qualquer jornal colocado diante de si ou repetir qualquer declaração que lhe for recomendada", disse.

Ou seja, pelo o que foi possível compreender desta grande confusão de palavras proferida pelo presidente do Irã, sua estratégia em resposta à diminuição do arsenal nuclear americano segue duas linhas: atacar Obama; e insinuar que ele está sendo manipulado. O discurso de Ahmadinejad ainda se aproveita de velhas teorias da conspiração que garantem haver um plano dos meios de comunicação para manipular o mundo inteiro – e, segundo ele, Obama seria mais um destes enganados.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Obamitologia agora em versão nuclear

O presidente americano, Barack Obama, anuncia uma mudança fundamental em sua política nuclear: a partir de agora, os EUA se comprometem a não usar seu arsenal atômico contra países que estejam em conformidade com o Tratado de Não Proliferação de armas nucleares. Este é mais um passo da grande estratégia americana para fechar o cerco principalmente ao Irã.

A medida pode ser interpretada pela República Islâmica como um recuo de Washington. Mas uma cláusula, no entanto, mostra que o governo Obama ainda pretende manter o compromisso com seus parceiros históricos; no caso de um ataque nuclear contra os norte-americanos ou qualquer um de seus aliados, os EUA poderão responder como bem entenderem. Ou seja, neste caso, as armas atômicas ainda estarão à disposição.
Não tenho a menor dúvida, no entanto, que a decisão de Obama vai sofrer grandes críticas do Partido Republicano. Principalmente depois de um início de ano desastroso da diplomacia americana no Oriente Médio.
Fica claro, entretanto, que a Casa Branca enxerga a medida como fundamental para deixar ainda mais nítida sua estratégia internacional, já que ela consegue atingir dois grandes objetivos de uma só vez: valoriza as instituições multilaterais - no caso a Agência Internacional de Energia Atômica - mas sem abrir mão da firmeza no trato principalmente com Irã e Coreia do Norte.
Há outro aspecto interessante: alcança um objetivo de campanha e pessoal da carreira política de Obama, já que maximiza ainda mais a percepção de que o atual ocupante da Casa Branca é bem diferente do seu antecessor. A nova diretriz nuclear é comunicada uma semana após o acordo de redução de armas atômicas com a Rússia e uma semana antes do grande encontro sobre este tipo de armamento em Washington.
Na ocasião, Obama irá se reunir com 47 chefes de Estado para debater justamente a segurança nuclear global. Mais uma vez, o líder americano chama para si uma questão de inegável interesse internacional e contribui para a confirmação do mito surgido em torno de sua figura durante a campanha presidencial. Para completar a sensação de vivência da história, esta vai ser a maior reunião promovida por um presidente dos EUA desde a fundação da ONU, há 65 anos.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Lições do terrorismo

Nesta segunda-feira, o terrorismo escolheu o Paquistão para atacar. Desta vez, o alvo foi o consulado americano em Peshawar, na região norte do país. Mais cedo, porém, 43 pessoas foram mortas por outro atentado, também no Paquistão. O objetivo, no entanto, não era atingir qualquer símbolo da ocupação americana no vizinho Afeganistão, mas uma passeata do partido da etnia Pashtun. Nas duas últimas semanas, os ataques terroristas têm dado algumas lições ao Ocidente.
Pode soar estranho admitir que homens, mulheres e carros-bomba têm algo a ensinar. No sentido formal de aprendizado, não tem nada mesmo. Os eventos dessas semanas sangrentas servem para mostrar que o terrorismo procura justificativas para agir, mas seus argumentos são completamente evasivos. Qual o sentido de atacar civis numa passeata, por exemplo? Qual a explicação para assassinar pessoas no metrô?
Geralmente, este tipo de acontecimento acaba por ser posteriormente interpretado pelo Ocidente. A imprensa e os analistas vão atrás de explicações para entender a motivação daqueles que cometeram o ataque. A libertação disso e daquilo, a defesa desses e daqueles valores. Costumamos rotular com slogans até bonitos as intenções do terrorismo. Este é um pensamento ocidental ingênuo e admito seguir esta lógica muitas vezes. Precisamos de motivos que sejam capazes de fechar um ciclo lógico. O problema é que este ciclo não existe.
O local onde aconteceu a passeata de hoje no Paquistão fica muito perto de onde outro ataque foi cometido pelo Talibã neste começo de ano. Na ocasião, o alvo era a cerimônia de inauguração de uma escola para meninas.
As duas últimas semanas também servem para derrubar um dos maiores mitos do lugar-comum: a centralidade dos conflitos no Oriente Médio para a existência do terrorismo. A teoria de que o conflito árabe-israelense é maior perturbador da paz mundial é uma dessas verdades absolutas que são repetidas sem pudor. Sempre escrevi que esta questão é apenas uma justificativa para as ações terroristas.
O que tem ocorrido nos últimos 15 dias mostra que este é o caminho menos equivocado a ser seguido. Mesmo que se alcance a solução definitiva, ampla e justa entre israelenses, palestinos e os países árabes, sempre haverá novos motivos para cometer ataques suicidas. Pode ser a luta pela formação do grande Emirado do Cáucaso, pode ser a luta contra o apaziguamento da região norte do Paquistão. E pode ser também uma simples passeata de oposição ou a abertura de uma escola para meninas.
Cabe aos ocidentais o exercício de algumas vezes abrir mão da busca pela explicação desses atos. O terrorismo é simplesmente inaceitável. Nada pode justificar o proposital assassinato de civis para fins políticos, religiosos ou de qualquer natureza.