Enquanto EUA e Rússia se desdobram em esforços diplomáticos para capitalizar com a assinatura do novo acordo de redução de armas estratégicas, os acontecimentos no Quirguistão tratam de jogar lama nos dois países, como escrevi ontem. A imprensa internacional não demorou a relacionar o silêncio americano quanto as práticas do governo Bakiyev, os interesses russos para fechar a base americana e o leilão entre ambos promovidos pelo presidente quirguiz. Ou seja, a tentativa de controlar a situação foi um fracasso. Resta saber agora quais serão as consequências disso a longo prazo.
Particularmente, acho que Washington e Moscou podem ficar tranquilos. Ressaltar que a Casa Branca faz acordos pragmáticos mesmo com governos corruptos e antidemocráticos não muda nada. Torna os Estados Unidos piores aos olhos daqueles países que já não possuem qualquer laço com os americanos. Em relação à Rússia, saber que o Kremlin fez o que pôde para prejudicar os interesses do então presidente Bush na Ásia Central muda quase nada. Talvez seja até um ponto positivo considerando a impopularidade do ex-presidente americano.
Penso, no entanto, que os EUA deveriam fazer algum movimento agora. Ao menos para recuperar parte da coerência perdida. Afinal, a Ásia Central e o Leste Europeu são regiões próximas e estratégicas, não apenas do ponto de vista militar, mas porque é muito claro que Washington pretende ser um parceiro importante das ex-repúblicas soviéticas. Vale lembrar que o país apoiou grandes ondas de reforma popular democrática em Ucrânia e Geórgia, por exemplo. Por isso, penso que não resta qualquer alternativa a Obama neste momento a não ser declarar apoio à opositora e interina no comando do país Roza Otunbayeva.
Aliás, neste ponto a Rússia saiu na frente, tendo sido o primeiro governo a reconhecer as novas lideranças no Quirguistão. É bom que Obama aja rápido. Caso contrário, o silêncio pode soar como apoio velado ao corrupto Kurmanbek Bakiyev.
Em relação a tudo o que tem acontecido no Quirguistão, não creio que este tipo de revolta seja surpreendente. Ou melhor, não tenho bola de cristal e estaria mentindo se escrevesse que estava mesmo à espera de algo do tipo. Até porque pouca gente por aqui costuma acompanhar a política doméstica dos países que não estão em evidência na Ásia Central.
No entanto, acho que é natural este tipo de revolta popular não apenas no Quirguistão, mas em todas as ex-repúblicas soviéticas.
Em primeiro lugar, porque os países se tornaram independentes apenas em 1991. Ou seja, o processo de estabilização nacional ainda está em curso, justamente porque faz muito pouco tempo que existem como entidades autônomas em relação à Rússia. Segundo porque estão localizados numa região que ainda busca acomodação. Não apenas as ex-repúblicas da Ásia Central, mas também no Leste Europeu. Esses recentes Estados ainda procuram se estabelecer baseados em dois grandes dilemas: a explosividade de vizinhos conflituosos - como é o caso dos países da Ásia Central - e a independência política em relação à própria Rússia - relativo aos países da Europa Oriental. Vale lembrar como Moscou costuma reagir mal quando Ucrânia e Geórgia sinalizam qualquer aproximação com o Ocidente.
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