"O mundo não pode se permitir o risco de um novo conflito como o do Iraque. Por isso, temos insistido junto ao governo do Irã para que mantenha uma atitude flexível e de abertura às negociações. Mas é preciso que todos os envolvidos revelem essa disposição". Este é um trecho do discurso do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, durante a abertura da 65ª Assembleia Geral da ONU. Como já havia discutido no texto de terça-feira, a posição brasileira era barbada.
A grande estratégia internacional do Itamaraty compreende também um posicionamento ainda mais crítico em relação às potências ocidentais estabelecidas. Por isso, as palavras usadas pelo representante brasileiro nesta quinta foram duras:
"O Conselho de Segurança deve ser reformado, de modo a incluir maior participação dos países em desenvolvimento, inclusive entre seus membros permanentes."
Não apenas o texto, mas os recentes acontecimentos durante a estadia de Amorim em Nova Iorque evidenciam a posição em curso. Ao encontrar-se com a americana presa durante 14 meses no Irã, a diplomacia brasileira fez questão de destacar o papel fundamental de Brasília em sua libertação. É mais uma tentativa de mostrar dois aspectos que este governo considera relevante: a capacidade brasileira de dialogar com o Irã, e a centralidade do Brasil como interlocutor de peso que pode atuar nas questões mais importantes e complexas.
Além de explicitar tais aspectos no discurso, as ações procuram preencher de legitimidade as reivindicações. Mesmo não sendo atendido até agora em seu objetivo maior de reformar o Conselho de Segurança, o Brasil continua a enfatizar tal necessidade em todos os fóruns internacionais de que participa. Além disso, conta com o cenário do próximo ano para transformar as sonhadas modificações em realidade inevitável, com as participações de Brasil, Rússia, Índia, China, Turquia e África do Sul. Se isso acontecer, será praticamente impossível continuar a ignorar a relevância deste grupo de países no sistema internacional.
Amorim decidiu usar todas as formas de pressão de que dispõe. Por isso, reuniu-se com os demais ministros das Relações Exteriores dos BRICs com a intenção de propor que a ONU censure qualquer país que decida aplicar sanções unilaterais que não tenham sido aprovadas pelo Conselho de Segurança. Esta é uma forma de não apenas punir EUA e União Europeia por terem ignorado o acordo costurado por Brasil e Turquia na questão nuclear iraniana, mas também mostrar às Nações Unidas que Brasília ainda considera a instituição como o principal palco de discussões internacionais.
Isso no momento em que – como já discutido nesta semana – muitos colocam em dúvida a relevância da ONU. Ao tomar tal atitude, Brasília reforça seu compromisso com a organização na esperança de que ela reconheça tal esforço – de preferência, apoiando abertamente as reivindicações brasileiras.
Para concluir, confesso que tenho lido com certo espanto comentários sobre a atitude raivosa de Ahmadinejad durante seus discursos. Muitos analistas diziam ter expectativa de que ele buscasse uma conciliação com os americanos em sua estadia em Nova Iorque. Ora, como o Irã é um dos principais entraves internacionais contemporâneos, o presidente do país exerce o papel que seus maiores aliados esperam dele. Brasil e Turquia pretendem mostrar que dialogar com Teerã é a única forma possível de interação. Já europeus e americanos aplicam sanções unilaterais de forma a pressionar a república islâmica.
Se Ahmadinejad adotasse discurso mais ameno, simplesmente premiaria os países que o puniram. Em busca de ainda mais relevância internacional, manter o presidente iraniano raivoso é tudo o que brasileiros e turcos mais querem. Assim, justificam a abordagem conciliatória pela qual têm optado. O Irã é um ponto fundamental para as aspirações brasileiras – pelo menos, assim pensam os arquitetos das estratégias do Itamaraty. Da mesma forma, Teerã percebe que isso pode valer como rota de fuga das sanções. Neste caso, uma mão lava a outra.
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