A decisão do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, permitindo a retomada das construções de colonos judeus na Cisjordânia desagradou a todos os personagens envolvidos no entrave israelo-palestino. Até o líder do governo israelense se viu vítima da própria arquitetura política que construiu. Sem os ultranacionalistas que o pressionaram a não renovar a moratória de dez meses ele mesmo não teria conseguido formar a coalizão que o sustenta no poder. É a história que vai determinar o preço que Bibi vai pagar por ter se metido neste imbróglio aparentemente sem saída.
O presidente americano, Barack Obama, tampouco está satisfeito, uma vez que se empenhou pessoalmente para colocar as partes de volta à mesa de negociações após 20 meses. Por ora, os resultados são nulos. Aos líderes do Oriente Médio, Obama dá mostras de irritação e já declarou a intenção de se envolver na questão somente depois das eleições legislativas americanas de 2 de novembro. Para a Casa Branca, fica o gosto amargo, quase a frustração total. Se avançar nas negociações de paz não é fator determinante para vitória interna dos Democratas, a estagnação do processo de paz às vésperas de um importante teste político nos EUA pode fornecer ainda mais material para as críticas cada vez mais ferozes do Partido Republicano.
Sabendo disso e com as mãos atadas pelos próprios compromissos políticos que assumiu para governar, não restou a Netanyahu nada mais a fazer a não ser pedir que os colonos fossem pouco festivos nas comemorações – no que foi solenemente ignorado. É curioso perceber como figuras políticas absolutamente opostas como Bibi e o presidente palestino, Mahmoud Abbas, se encontram em situação parecida. Enquanto o líder israelense cedeu às pressões de sua coalizão e mostra profunda falta de imaginação para encontrar qualquer solução sem desmoronar seu gabinete, Abbas também está de mãos atadas.
O presidente palestino precisa da pressão americana sobre Netanyahu para congelar a expansão dos assentamentos. Não vai poder contar com isso pelo menos durante o próximo mês. Tampouco pode recorrer à violência, como fez Arafat quando recusou a proposta israelense oferecida pelo então premier Ehud Barak, em Camp David, em 2000 – a segunda Intifada palestina foi lançada sobre os escombros do fracasso das negociações de paz. Digo que o presidente da Autoridade Palestina não pode fazer uso de tal recurso pelo simples fato de ele governar apenas metade de seu território, uma vez que Gaza continua sob controle do Hamas.
Por falar nisso, quem mais está satisfeito com este impasse é justamente o grupo radical. Desde o anúncio da retomada dos diálogos diretos, o Hamas mantém posição contrária a qualquer negociação (aliás, esta é uma das pedras fundamentais sobre a qual se apoia desde a fundação). É chegada a hora de colher os frutos. Poderia dizer também "chutar cachorro morto". Como o Fatah de Mahmoud Abbas foi expulso pelo grupo radical de Gaza em 2007, os fundamentalistas farão grande uso da retomada das construções judaicas na Cisjordânia para contestar ainda mais a liderança do presidente palestino.
Por sua vez, Mahmoud Abbas reagiu da única maneira possível diante da situação em que se encontra. Disse estar disposto a continuar a negociar – o mesmo foi dito por Netanyahu –, mas que levará a questão para debate na reunião da Liga Árabe marcada para a próxima segunda-feira. Não se trata apenas de uma forma de ganhar tempo como tem sido repetido desde a declaração, mas também uma maneira de buscar legitimidade, mostrar que quem representa as posições palestinas é a Autoridade Palestina, não o Hamas individualmente.
Agora, o mais importante: em entrevista ao jornal O Globo de hoje, o jornalista palestino Bassam Eid, diretor-executivo do Grupo Palestino de Monitoramento de Direitos Humanos (GPMDH), disse acreditar que alguma novidade está prestes a ser anunciada. Eu posso estar errado, mas apostaria no sucesso da formação de um governo de união nacional com Fatah e Hamas. Seria uma jogada de mestre neste momento, se o objetivo fosse derrubar de vez a coalizão de Netanyahu.
Juntos no poder e representando a Autoridade Palestina, Hamas e Fatah poderiam argumentar que estariam dispostos a retomar as negociações. Como os partidos que sustentam Bibi no cargo jamais admitiriam encontros diretos com o Hamas, o líder israelense estaria diante de um dilema realmente sem saída aparente: aceitar dialogar com este novo modelo da AP decretaria o ponto final no apoio dos partidos de direita – e talvez até dos Trabalhistas – ao gabinete, causando o fim do governo. Se não aceitasse negociar, reforçaria sua imagem internacional de intransigente, provocando nova chuva de críticas e um período de isolamento israelense muito parecido ao que aconteceu após a abordagem às embarcações turcas.
Um comentário:
Um dos piores problemas do regime parlamentarista é o peso que minorias extremistas (obs.: extremismo é muito diferente de radicalismo) têm como o Voto de Minerva capaz de dissolver um governo. Se Lula e FHC lotearama administração pública entre seus partidos de sustentação em nome de uma "governabilidade" extra-institucional em pleno regime presidencialista, imagine que tipo de privatização partidária de cargos públicos seria feita se a governabilidade fosse institucionalmente condição sine qua non para a existência do governo, como é em Israel...
Em quase tudo Ariel Sharon era tão ruim quanto Netanyahu, mas um único detalhe o credenciava: tinha autoridade. Como diria Maquiavel, até para um governante ser ruim é preferível que ele seja ruim e forte do que ruim e fraco. Uma aliança temporária entre Hamas e al-Fatah provavelmente azederá o processo de paz, mas não creio que isso tire o sono de Netanyahu--esteja ele cedendo aos colonos extremistas por fraqueza ou por desonestidade, o fato é que sua conduta pública é de um inimigo da paz, não importa o quanto seja impelido às conversações pelo estadismo magistral de Obama. Quanto à difamação fascistóide perpetrada contra o primeiro presidente negro dos EUA, é bem capaz de Netanyahu contar com um retorno dos Republicans ao poder, para que o espírito belicoso da Casa Branca não fique a dever ao seu próprio.
Estamos numa época em que a democracia venezuelana está com mais prestígio do que a democracia estadunidense ou mesmo a israelense. Talvez o ideal tivesse sido mesmo a implosão da coalizão de Netanyahu. Como diria Elio Gaspari, regimes que vivem de agressão fatalmente darão poder aos mais agressivos de seus integrantes. Foi só por isso que Costa e Silva se impôs sucessor do seu desafeto Marechal Castello Branco.
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