Dando continuidade ao assunto de ontem, é importante deixar claro que a ONU tenta chamar a atenção para a fome na Somália há algum tempo. É verdade que não usou todos os meios possíveis, é verdade que não se engajou profundamente como deveria. Mas há sete meses a organização procura nos bastidores convencer países-membros a fazer doações. Dentre todos, os EUA repassaram a maior soma: 431 milhões de dólares. Como em boa parte de catástrofes humanitárias, o descaso do governo local pode ser responsabilizado pela tragédia. Ainda mais na Somália, onde há 20 anos não existe uma autoridade central que responda pela integralidade do território e – menos – pela criação de instituições.
O caso somali adquire cores bastante dramáticas porque não se trata somente de falta de dinheiro para salvar milhões de vidas em risco. O controle exercido pelo grupo terrorista al-Shabab sobre a maior parte do país dificulta qualquer tentativa de resgate. Ajuda financeira pura e simples não está em cogitação. Primeiro porque repassar verbas ao limitadíssimo governo oficial não resolve o problema de nenhuma maneira; segundo porque dar dinheiro ao grupo terrorista – vale lembrar que se trata do mesmo grupo responsável pelos ataques piratas aos navios internacionais – não faz qualquer sentido e a ajuda certamente não seria aplicada em medidas para aplacar a fome nacional.
A ideia do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, é tomar a dianteira do processo de reversão da crise. Vai ser difícil. Por mais elogiosa que seja, a iniciativa depende em boa parte da contribuição do al-Shabab. E isso não vai acontecer. Se existia alguma esperança de sensibilizar seus radicais, ela foi por terra nesta sexta-feira, quando o porta-voz do grupo deixou muito claro o que pensa da situação. Em pronunciamento numa rádio do país, Ali Mohamud Raage não poupou adjetivos para justificar o banimento das organizações humanitárias do território.
“A ONU está politizando a questão. Os ocidentais são espiões e cruzados cristãos. As agências (humanitárias) trabalham com suas próprias agendas políticas”, disse.
Certamente que as agências têm objetivos políticos. Mas é muito claro que seus objetivos são mais nobres que os do grupo terrorista. Pelo menos existe alguma preocupação com as vidas que correm risco neste momento. O al-Shabab faz toda a sorte de acusações, mas não apresenta qualquer alternativa para reduzir os estragos causados pela fome.
Na verdade, os radicais adotam postura pouco inteligente ao negar a entrada de ajuda internacional. Simplesmente, dão força aos movimentos contestadores, além de provocarem por tabela o fortalecimento de forças de pressão eficazes. Quanto pior a situação estiver na Somália, quanto mais imagens chocantes divulgadas pela imprensa, maior será o envolvimento da comunidade internacional. E aí não me refiro somente aos países, mas também às populações que irão pressionar seus governos para que façam algo.
E o simples questionamento do status-quo na Somália já representa um enorme prejuízo ao al-Shabab.
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