A Somália é hoje, oficialmente, um país semifaminto. Este é o diagnóstico da ONU para duas áreas do território. As Nações Unidas podem exercer neste caso uma de suas principais tarefas. Criada em 1945 para manter a paz no planeta, acabou por se transformar num ator com sua própria agenda política. Crises humanitárias como a atual de alguma maneira acabam por lembrar à organização o motivo primordial que justifica sua própria existência. Afinal de contas, como é possível haver paz e fome simultaneamente?
Envolvidos em tantos jogos políticos, os muitos braços de atuação da ONU se perdem em emaranhados de interesses de seus Estados-membros. E isso é até um tanto natural. Os países têm como característica fundamental a luta por benefícios para suas populações. Como fórum que reúne esta comunidade bastante diversa, a organização passou a palco de embate entre propósitos, ideologias e estratégias distintas. O grande problema é que ela mesma pende para este ou aquele lado. Mas é impossível exigir a imparcialidade completa, na medida em que as Nações Unidas atuam diretamente em assuntos políticos de alta-voltagem.
Nada disso, no entanto, impede que a própria ONU eleja prioridades. E quando um dos membros da comunidade internacional chega a seu pior estágio – como é o caso da Somália –, a instituição tem o dever de intervir e de voltar todos os seus esforços para amenizar a situação. Vale dizer também que a denúncia partiu da própria ONU, que determinou que o país está a caminho do precipício humanitário a partir dos índices de comparação. Para as Nações Unidas, a fome está oficialmente instaurada quando os seguintes indicadores se tornam realidade: taxa de desnutrição acima de 30%; morte diária de dois adultos ou mais num universo de 10 mil pessoas; falta de acesso à comida para grandes contingentes populacionais.
A Somália reúne todas essas características. O preço de alimentos de alta necessidade aumentou mais de 270% em um ano. Se ninguém agir, a fome pode se espalhar para os quase 4 milhões de habitantes num prazo de apenas dois meses. Para completar, há um indicador catastrófico que explica em boa parte a situação. A Somália é um Estado falido no sentido mais básico do termo. O país simplesmente não existe como ente nacional e está dividido entre um governo fraco que controla uma pequena parcela do território e o al-Shabab, grupo terrorista apoiado pelo al-Qaeda – e certamente o al-Shabab não está nem um pouco preocupado com a qualidade de vida dos somalis.
As dificuldades agora são muitas. Tão difícil quanto convencer o grupo terrorista de que o momento é grave e será preciso baixar as armas para salvar a população é mobilizar a comunidade internacional, os doadores. Segundo a organização humanitária Oxfam, a ajuda mundial ainda está 800 milhões de dólares abaixo do mínimo necessário. A própria ONU vai tentar conseguir 300 milhões de dólares nos próximos dois meses. Quem sabe este não seja o momento em que a ONU e a Somália encontrarão um rumo depois de tantos equívocos institucionais?
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