Era só o que faltava. Uma escalada na retórica entre Afeganistão e Paquistão logo agora que os EUA anunciam a progressiva retirada de suas tropas da região. É complicado entender isso porque no centro deste problema estão dois atores tão importantes quanto indecifráveis. Para situar, há protestos de cidadãos afegãos que acusam os militares paquistaneses de serem os autores de ataques realizados em sequência desde junho, quando mais de 700 mísseis foram disparados contra vilarejos que se estendem pela fronteira oriental. Não se tratam de acusações infundadas, mas os afegãos querem punir os responsáveis pela morte de 60 pessoas – isso sem mencionar que outras tantas centenas perderam suas casas.
Foto: desabrigados afegãos
O caso do Afeganistão é complicado. O país foi reinventado a partir do nada desde a invasão americana de 2001. Os EUA criaram instituições e um aparato político responsável pela ascensão de Hamid Karzai ao poder. Por mais que todo mundo torça pelo contrário, é preciso ser honesto e dizer que o Afeganistão ainda está longe – muito longe – de ser um Estado nacional tal como imaginamos por aqui pelo Ocidente.
Do outro lado desta equação está o Paquistão, país relativamente consolidado, mas cujas instituições têm fidelidades distintas. O governo central de Islamabad parece estar do lado americano – no caso, assumiu um compromisso de combater a atividade Talibã e terrorista a partir de seu território. Tanto que recebeu mais de 20 bilhões de dólares em ajuda de Washington desde 2001. O problema é que a se o Paquistão diz publicamente estar do lado dos EUA, o mesmo não pode ser dito sobre membros importantes de seus muitos escalões militares. Há profundas e graves divisões práticas e ideológicas em órgãos importantes, sendo que a ambiguidade mais conhecida – e tema de muitos posts por aqui – é representada pelas ISI (Inter-Services Intelligence, a agência de espionagem nacional) e por suas muitas fileiras de admiradores do discurso do Talibã e da al-Qaeda.
Desde segunda-feira, os militares paquistaneses estão em campanha contra o Talibã numa empreitada que, oficialmente, pretende pacificar a região que é conhecida por servir de abrigo a radicais que atacam tropas americanas ao longo da fronteira entre Paquistão e Afeganistão. Não se trata somente disso, é claro, mas Islamabad ainda precisa mostrar serviço a quem lhe fornece substancial ajuda financeira principalmente depois da gafe que envolveu a captura de Osama bin Laden e a revelação de que o líder da al-Qaeda se escondia há metros de quartéis militares e centros de treinamento paquistaneses. Mas não é só isso.
A ambiguidade do Paquistão está mais uma vez manifesta. O país sofreu constantes ataques por parte das forças da OTAN que em diversas ocasiões infringiram a soberania nacional na luta contra radicais do Talibã baseados no território. Quando os militares paquistaneses atacam o Afeganistão eles estão, de alguma maneira, dando o troco. E não apenas porque consideram isso justo, mas porque a própria população demanda respostas às ofensivas sofridas. Neste universo de muitas contradições e complexidades, apesar da grande ajuda financeira americana, o Paquistão é hoje um dos países onde o sentimento antiamericano encontra muitos adeptos. De acordo com pesquisas do Pew Research Center divulgada em junho deste ano, somente 12% da população acreditam que os EUA são aliados. O país hoje só perde para a Turquia no ranking que mede a impopularidade internacional americana.
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