Neste sábado, o mundo assiste à celebração do nascimento de um novo país, o Sudão do Sul. A cerimônia realizada na capital Juba conta com a presença de importantes líderes mundiais, como o ex-secretário americano Colin Powell, o secretário de exterior britânico, William Hague, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, a enviada norte-americana Susan Rice, 30 chefes de Estado do continente africano e, incrível, o presidente do Sudão, Omar Hassan al-Bashir, acusado formalmente pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) de ser responsável direto pelo genocídio em Darfur, no oeste do país.
Foto: sudaneses do sul reverenciam a bandeira do país
Isso pode soar estranho – e esta é uma reação não apenas compreensível, mas também esperada. Bashir não só estará presente à cerimônia como também está previsto que ele faça um discurso. A situação não causa somente desconforto às personalidades, mas também aponta as contradições que cercam o evento. O novo país é fruto da guerra e da democracia ao mesmo tempo. Nasce após referendo popular de resultados amplamente favoráveis à emancipação da parte sul do Sudão (até agora o maior Estado africano) e também do conflito mais longo e sangrento ocorrido na África. A guerra civil sudanesa ocorreu entre 1983 e 2005 e foi responsável pela morte de mais de 2 milhões de pessoas.
A situação é bastante favorável a Omar Hassan al-Bashir, que mostra toda sua habilidade política e usará o palanque de forma a aparecer mundialmente como um líder pacífico. Por mais que o Sudão tenha se resignado – acatou a independência do Sudão do Sul –, Bashir está longe de estar satisfeito. Se por um lado demonstra ter aceitado o resultado das urnas, não esgotou seu vasto arsenal de provocações e obstáculos ao novo país. O ano de 2011 já é o mais sangrento desde o fim da guerra civil, em 2005. Quase 2,4 mil pessoas morreram em conflitos étnicos cujos agentes são amplamente apoiados pelo presidente sudanês. Desde 5 de junho, as tensões na região de Kordofan do Sul (estado do Sudão localizado próximo à fronteira do Sudão do Sul) têm aumentado e os conflitos entre o exército regular sudanês (controlado por Bashir) e tropas leais ao novo país já provocaram a fuga de mais de 73 mil pessoas.
Apesar da independência deste sábado, é preciso deixar claro que os conflitos não terminaram – e não há mesmo razão para crer que eles irão terminar em breve. Principalmente porque os Estados recém-separados ainda mantêm divergências em assuntos fundamentais: o traçado exato das fronteiras (e daí os conflitos em Kordofan do Sul) e controle da produção de petróleo. Não são temas marginais ou simples de serem solucionados. E não imaginem que Bashir irá abrir mão de benefícios em nome de algum altruísmo político.
O fato é que o Sudão do Sul passa a controlar 75% da produção diária dos 490 mil barris de petróleo. Curiosamente, o caminho para a solução pode ser uma espécie de demonstração da nova balança de poder internacional. O Sudão do Sul não possui tecnologia própria ou capacidade logística de extração. A empreitada ficará a cargo das estatais petrolíferas de China, Malásia e Índia. Neste caso específico de diplomacia econômica, todo mundo conhece o posicionamento chinês voltado quase que exclusivamente para o pragmatismo. Resta saber como agirão Malásia e Índia em caso de escalada de violência. No fim das contas, a festa de sábado pode ser apenas o pontapé inicial de novos conflitos.
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