Os ataques terroristas na Noruega têm inspiração numa velha e conhecida fonte: o mito do retorno à origem. O atirador Anders Behring Breivik é assumidamente defensor desta bandeira ideológica bastante comum. Em tempos de crise econômica – como este atual – ela retorna com mais força. Curioso, no entanto, é que a boa vida dos cidadãos noruegueses não corre qualquer risco. O Estado de bem-estar social não está, de nenhuma maneira, em baixa.
A economia explica apenas em parte o radicalismo do discurso e da prática de Breivik. O que também está por trás de sua complexa operação de assassinato em massa é um escopo cultural presente em muitas sociedades – e certamente não apenas na norueguesa, que fique bem claro. Há um amor resplandecente pelo passado, pela reconstituição da pureza nacional. O vilão de sempre passou a atender pelo termo de multiculturalismo. Para os grupos de direita, a suposta tolerância dos países europeus ao fluxo migratório carrega, intrinsecamente, o potencial de destruir a pureza dos povos originais. Acho que todo mundo sabe onde este discurso termina, certo?
Pois é. A questão é que a tese defendida por Breivik também é repleta de ingenuidade. Ela ignora as mudanças mundiais, não suporta qualquer troca cultural e é, acima de tudo, maniqueísta ao extremo. De um lado, estariam os cidadãos nacionais noruegueses, puros e impotentes. De outro, estrangeiros – muçulmanos, de preferência – que têm todo o poder de dominar a Noruega e macular – a partir de um plano coletivo, articulado e muito bem-sucedido – a sociedade original. Ou seja, ao mesmo tempo em que deprecia a influência externa, dá a ela toda a plenitude de poder. Esta é apenas uma das tantas contradições teóricas do extremismo nacionalista europeu.
É importante deixar claro que o ocorrido na Noruega não é um fato isolado politicamente. Trata-se da exacerbação de um discurso que anda na moda. O propósito inicial da União Europeia (UE) de ser um Estado supranacional está em baixa; líderes importantes como Nicolas Sarkozy, David Cameron e Angela Merkel têm dado dicas de que vão optar por medidas ainda mais restritivas à imigração; vários países europeus discutem atualmente o banimento de símbolos religiosos e culturais em nome desta mesma “proteção aos valores nacionais”; e, por fim, a inegável ascensão ao primeiro plano político de partidos que defendem com mais intensidade essas mesmas plataformas (ou cuja razão de existência gira em torno basicamente dessas questões).
O extremismo europeu e toda a narrativa que ele apresenta não é, de nenhuma maneira, muito diferente do fundamentalismo islâmico. Ambos condenam o estrangeiro, o diferente. Ambos acreditam que o não pertencente no que se supõe o mito original representa a grande ameaça à continuidade de suas respectivas histórias. E, curiosamente, é no extremismo que esses discursos se encontram. É na negação da mistura, da presença e da troca que eles “dialogam”.
2 comentários:
Ótimo texto, parabéns.
SRN
Tiago
Obrigado, Tiago. Fique sempre à vontade para comentar.
Abs,
Henry
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