A Hungria está no centro de uma nova polêmica europeia que vai muito além das questões pontuais do país. O governo húngaro decidiu construir uma cerca de quatro metros de altura e 175 quilômetros de extensão em toda a fronteira sul. Há muitos países que criaram as próprias barreiras em regiões de fronteira, mesmo na Europa – casos de Turquia e Espanha, por exemplo.
Mas a questão húngara é interessante porque carrega intrinsecamente os muitos dilemas europeus deste século – e que devem permanecer por muito tempo. O país é governado pelo primeiro-ministro Viktor Orban, do partido de direita Fidesz. Como em muitos outros Estados do continente, a extrema-direita vem obtendo resultados significativos, atendendo a uma parcela do eleitorado que, entre outros assuntos, vê a imigração como ameaça à identidade nacional e, principalmente, aos empregos.
No entanto, a situação na Hungria não pode ser explicada somente como mais um caso local de sucesso do discurso da extrema-direita. Há outras implicações. A cerca será construída ao longo da fronteira com a Sérvia. Enquanto os húngaros são membros da União Europeia desde 2004, os sérvios ainda pleiteiam adesão ao bloco. O lado oriental do continente continua a perceber a UE como oportunidade (a situação na Ucrânia é mais um exemplo deste raciocínio), ao contrário dos vizinhos ocidentais. Portugal, Espanha, Itália, Grécia e Irlanda já se beneficiaram da associação e vivem dias turbulentos de crise econômica instalada há sete anos. A Grécia inclusive pode deixar o bloco de vez.
Há nisso tudo uma espécie de movimento estratégico de médio e curto prazos; eventualmente, Estados que participaram da fundação da UE podem sair e dar lugar a novos membros – casos de Ucrânia e Sérvia, por exemplo. A Grã-Bretanha é mais um exemplo de desilusão com o bloco, na medida em que há pressão política para que seus cidadãos decidiam em referendo nacional se o país deve ou não permanecer.
Voltando aos planos de construção da cerca, os sérvios já questionam abertamente o governo húngaro. Para a Sérvia, a barreira física pode se transformar em elemento de distanciamento ainda mais profundo do bloco europeu. A geografia ajuda a entender as razões deste impasse: a chamada rota ocidental dos Bálcãs é porta de entrada a muitos dos migrantes que fogem de conflitos na África e no Oriente Médio. O imenso contingente de pessoas que busca refúgio e uma nova vida na Europa encontra mais facilidade de chegar à UE por meio do território sérvio – e, posteriormente, húngaro.
A cerca a ser construída é sintoma de mais um dilema europeu contemporâneo (talvez o mais importante de todos): como lidar com os migrantes? De acordo com pesquisa da ONU, há hoje um total de 59,5 milhões de pessoas deslocadas à força. Ou seja, este não é um assunto que a UE poderá simplesmente esquecer.
Os europeus precisam equacionar alguns elementos bastante complexos: como não perder os países-membros fundadores e economias importantes (caso da Grã-Bretanha); como permitir a adesão de novos países sem que o bloco precise fazer investimentos financeiros para igualar economias estruturalmente desequilibradas dentro da zona do euro num período de crise; como manter a premissa fundamental da UE que prevê a livre circulação de pessoas (artigo 45 do Tratado da União Europeia); como sobreviver enquanto bloco unificado diante das pressões exercidas pelos ascendentes movimentos de extrema-direita.
Todos esses desafios são algumas das principais dificuldades que a UE irá enfrentar nos próximos anos. O prognóstico é de mudança no modelo de operação do bloco para que ele se sustente. Essa discussão por si só já será bastante prejudicial à manutenção dos atuais membros e deve comprometer a estrutura existente hoje.
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