Nos últimos 12 anos, o Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) venceu todas as eleições na Turquia. Há poucos paralelos no mundo de resultados políticos tão impressionantes. A legenda do atual presidente Recep Tayyip Erdogan saiu vitoriosa das urnas em disputas nacionais (para presidente e eleições legislativas) e municipais. São 12 anos de variação também sobre as percepções internacionais aos discursos e decisões de Erdogan e suas intenções regionais.
O AKP chegou a ser considerado modelo para o Oriente Médio. Visto como empenhado na manutenção da democracia turca, pareceu exemplo a países da região que, em 2011, não sabiam como equilibrar as intenções da Primavera Árabe (eleições livres e transparentes, imprensa independente, crescimento econômico etc) às características locais (o peso da religião e a importância de manter costumes sem negar o mundo contemporâneo).
Houve momento também em que Erdogan se tornou o líder muçulmano mais admirado nos países islâmicos (árabes ou não). Em maio de 2010, a Turquia foi a principal patrocinadora de uma frota de seis navios que tentou furar o bloqueio de Israel a Gaza. O episódio foi amplamente capitalizado pelo então primeiro-ministro turco, e o embate retórico pessoal entre ele e os israelenses contribuiu bastante em sua tentativa de resgatar o prestígio da Turquia no Oriente Médio.
Mas o tempo passou e Erdogan se deixou seduzir pelo poder. Em 2013, pôs em prática repressão pesada a protestos contrários à decisão de transformar a área do Gezi Park, em Istambul, num shopping. Em cenas que pouco tempo depois seriam vistas aqui no Brasil, policiais foram violentos na abordagem aos manifestantes, lançando gás lacrimogêneo e canhões d’água.
Erdogan chegou a bloquear o acesso a Youtube e Twitter, passando também a processar jornalistas e lutar pela aprovação de uma lei que penaliza participantes de manifestações que não tenham sido autorizadas pelas autoridades. As perseguições sistemáticas a opositores e dissidentes levantaram ainda mais suspeitas sobre o ex-primeiro ministro e atual presidente, mas o realismo político das relações internacionais não permite a parceiros comerciais – mesmo críticos às práticas turcas – ignorar o poder do país, Estado nacional estratégico e cuja importância geopolítica e econômica é evidente neste momento de crise europeia e mudanças no cenário do Oriente Médio.
Nessas eleições, os curdos da Turquia também tentam, pela primeira vez, concorrer como grupo político organizado. Se o Partido Democrático do Povo Curdo (HDP) obtiver ao menos 10% dos votos, estará representado de maneira unificada no parlamento. A situação curda não é tranquila. Maior minoria étnica e linguística do país, os 14 milhões de curdos representam 18% da população turca. Seja qual for o resultado das eleições, a situação deve permanecer tensa; no parlamento, podem ser oposição a Erdogan. Se não forem eleitos, podem optar por buscar autonomia por conta própria, sem negociação com Ancara.
No ano passado, Erdogan se tornou o primeiro presidente eleito da Turquia (entregou o cargo de primeiro-ministro a Ahmet Davutoglu, seu ex-chanceler). Se o partido o AKP conquistar ao menos 330 dos 550 assentos do parlamento neste domingo, o líder turco poderá realizar um referendo nacional de forma a alterar a constituição para que o país adote o presidencialismo. Na prática, está em jogo uma espécie de aprovação às próprias ambições políticas de Recep Tayyip Erdogan e aos últimos 12 anos do AKP no poder.
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