quarta-feira, 3 de junho de 2015

Bashar al-Assad, a luta contra o EI e as prioridades americanas no Oriente Médio

Neste texto (clique aqui para ler) expus a estratégia do presidente sírio, Bashar al-Assad, para se manter no cargo. Ele admitiria perder parte do território – pelo menos temporariamente – ao Estado Islâmico em nome de reforçar o pragmatismo ocidental em torno de si. Sem Assad, a vitória estaria garantida ao EI. Por alto, é por aí. O texto explica de maneira mais aprofundada. Mas, de qualquer maneira, é importante deixar claro que isso não significa que o presidente sírio irá abrir mão da Síria. Sua posição deve ser a de reforçar enclaves na região costeira, Damasco, Hama e Homs. Assad também se vale do conflito sectário regional mais amplo, o que coloca em disputa os eixos de Estados e atores não-estatais de xiitas e sunitas. 

A família Assad é alauíta, minoria muçulmana – e minoria na Síria – que seria mais próxima aos xiitas. Os sunitas do EI pretendem construir o califado islâmico sunita. Assad sabe que nem ele nem seus aliados xiitas fazem parte deste projeto. E, claro, os Estados nacionais da região não estão dispostos a cooperar para o próprio fim. Em virtude disso, a guerra entre xiitas e sunitas está em curso da maneira mais dramática. Deixou de ser apenas uma espécie de batalha silenciosa local e foi posta em prática na Síria e no Iraque. Assad aposta também em seus aliados regionais: a milícia xiita libanesa Hezbollah (já em operação na Síria) e o Irã – o Estado xiita regional cujas pretensões de hegemonia no Oriente Médio são históricas e que agora chegaram ao ápice. 

O caso iraniano é emblemático. É uma história de idas e vindas; em 1979, a revolução local estabeleceu um sistema que rompeu com os EUA. As relações com o Ocidente ficaram rarefeitas. O programa nuclear iraniano impulsionou negociações com os ocidentais, e o governo do ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad isolou o país. Discursos favoráveis ao fim de Israel e a sistemática – e provocativa – negação do Holocausto transformaram a relação entre Ocidente e o Irã num problema. O temor de guerra regional deu ao projeto nuclear iraniano o caráter de prioridade internacional. A posse de Hassan Rouhani, em agosto de 2013, foi interpretada como possibilidade de distensão. Considerado moderado, seu governo acenou ao Ocidente. Em abril deste ano, o acordo preliminar com o chamado P5+1 (grupo formado por EUA, Grã-Bretanha, França, Rússia e China) foi extensamente capitalizado como vitória – pelos dois lados, é bom dizer. O  acordo final precisa ser alcançado até o final do mês de junho. Este é o prazo formal estabelecido, pelo menos até agora. 

Justamente nesta semana, o presidente Rouhani reafirmou sua aliança com Bashar al-Assad (“Teerã não esqueceu suas obrigações morais com a Síria e continuará a fornecer ajuda e apoio em seus próprios termos ao governo e à nação Síria”). Há aí alguns aspectos a serem analisados: o primeiro deles é o peso que o Irã deve dar a esta questão. Evidentemente, as autoridades do país entendem a dinâmica regional. A relação entre iranianos e o governo Assad é de interdependência. O Irã precisa fortalecer seus aliados regionais de forma a conter o eixo sunita e não se isolar ainda mais. Bashar al-Assad precisa dos iranianos para manter a aliança xiita. Neste jogo global, o Irã é agora mais um porta-voz dos interesses xiitas (e do governo Assad) diante do Ocidente. Nas negociações de bastidores do acordo definitivo com o Irã, o P5+1 deve ser questionado sobre os avanços do Estado Islâmico e a manutenção de Bashar al-Assad como presidente da Síria. 

O outro lado da história tem a ver com o posicionamento dos EUA. O presidente Obama não conseguiu se transformar no presidente americano que resolveria as pendências globais. Esta era a expectativa internacional. Era também a imagem que a equipe de Obama construiu do então candidato. No ano que vem, os americanos vão às urnas novamente, e Obama precisa apresentar resultados (como já expliquei anteriormente, nenhum país vota em função da política internacional, mas é importante construir narrativa vencedora até para que o candidato Democrata possa argumentar nos debates). Diante da impossibilidade prática de alcançar resultados determinantes no conflito entre israelenses e palestinos, a atual administração percebeu que pode terminar o mandato com duas grandes conquistas: a reaproximação com Cuba e o acordo definitivo com o Irã – visto com um dos patrocinadores do terrorismo internacional, o acordo já tem sido defendido internamente nos EUA como a desmobilização de um dos mais importantes opositores aos interesses de americanos e seus aliados. 

Todos esses elementos tornam a situação na Síria bastante delicada em Washington; os EUA não nutrem qualquer afeição a Assad, principalmente após o episódio de uso de armas químicas no país (leia aqui). Por outro lado, precisam negociar com o Irã, encontrar algum ponto de acomodação em troca do acordo; e, ao mesmo tempo, manter os Estados sunitas aliados (Egito, Arábia Saudita, países do Golfo) conformados. A divergência entre as monarquias do Golfo Pérsico e o Irã é histórica, da mesma forma que a aliança entre americanos e sauditas. Como é pouco provável equacionar todos esses elementos, os americanos deverão eleger prioridades. E as prioridades deste momento são o acordo nuclear com o Irã e a manutenção dos aliados sauditas. O governo de Bashar al-Assad talvez consiga se beneficiar deste cenário. 

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