Os atentados em três continentes realizados nesta sexta-feira podem ter sido realizados pelo Estado Islâmico ou por autointitulados membros do grupo terrorista. Se foram realizados por terroristas com alguma participação formal no EI importa pouco. O que mais importa é a aderência da ideologia, o poder do discurso. Hoje, o EI já se sobrepôs à al-Qaeda e está estabelecido – de fato e no imaginário – como a principal ameaça à segurança internacional. Se em 2001 a al-Qaeda inaugurou a era do terrorismo “franqueado”, o EI conseguiu, 14 anos depois, pôr em prática a lógica perversa de trabalhar a partir dos elementos distintos que as realidades ocidental e oriental apresentam.
No Oriente Médio, o grupo se sente bastante à vontade e já conta com conquistas territoriais significativas na Síria e no Iraque. Nesta sexta-feira, também assassinou 146 pessoas na cidade de Kobane, na fronteira entre Síria e Turquia. Seus inimigos são sempre os não-sunitas. Na prática, os muçulmanos são as principais vítimas. A ideia é reforçar a identidade do EI como uma espécie de protetorado dos sunitas – mesmo que a população muçulmana sunita jamais tenha feito tal pedido. A lógica é dividir para conquistar. E daí a intenção, cada vez mais evidente, de reforçar a guerra étnica entre os próprios muçulmanos.
No Kuwait, país de maioria sunita mas com importante minoria xiita, os terroristas mataram 27 pessoas num atentado a uma mesquita xiita (foto). É o primeiro ataque do grupo a um Estado do Golfo Pérsico. Isso é particularmente importante, na medida em que a disputa regional do Oriente Médio passa pela aliança entre as monarquias do Golfo que se contrapõem ao eixo xiita liderado pelo Irã. Em comum a todos, o temor ao EI e a seu objetivo de acabar com as fronteiras nacionais em nome do projeto de restauração do Califado. No Kuwait, especificamente, não há registros significativos de hostilidades entre xiitas e sunitas. Está claro que o EI procura mudar esta situação, evidenciando a estratégia regional do grupo: a guerra sectária.
Na Europa, a estratégia é diferente. O EI se aproveita do ciclo político local. A cada recrudescimento da extrema-direita europeia, a cada tentativa de tornar os muçulmanos comuns reféns das consequências de atos da bárbarie do fundamentalismo, o EI comemora. O abismo é a única maneira de existência, não há qualquer possibilidade de um caminho comum entre as culturas. E aí os atentados desempenham papel fundamental neste projeto, já que alimentam o discurso político dos partidos mais radicais e enfraquecem os moderados. É na Europa também que o EI pretende encontrar adeptos. E quanto mais marginalização, mais ressentimento, mais exclusão da sociedade, melhor. Esses elementos estão na base de muitos dos europeus que buscam adesão ao EI e no isolamento dos muçulmanos que vivem nos países europeus.
Não se pode examinar os acontecimentos desta sexta-feira trágica sem levar em consideração todos esses fatores.
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