Após a captura e morte de Muamar Kadafi, em 2011, o então primeiro-ministro do Conselho Nacional de Transição da Líbia, Mahmoud Jibril, deu uma declaração para lá de otimista sobre as perspectivas a partir daquele momento: “Confirmamos que todos os males, mais Kadafi, desapareceram deste amado país. Acho que os líbios precisam perceber que é hora de começar uma nova Líbia, uma Líbia unida, um povo, um futuro”. Hoje, quatro anos depois, a realidade é bem diferente. A Líbia não tem mais um ditador, mas, por outro lado, passou a figurar na lista de Estados nacionais falidos. Há dois governos rivais que não se reconhecem e disputam o direito de comandar o país.
Tudo isso tem algo de imaginário, uma vez que, na prática, o território líbio é retalhado entre os diversos grupos terroristas e suas diferentes fidelidades. Desde o último dia 9, o grande vencedor do Oriente Médio desses tempos tomou a cidade de Sirte, justamente onde Kadafi nasceu e, posteriormente, foi capturado. O Estado Islâmico está na Líbia e vem ampliando seus domínios.
Kadafi foi derrotado por uma coalizão de países ocidentais, com o apoio da Otan (a aliança militar ocidental), ainda na esteira da Primavera Árabe e acabou substituído por regimes que se contrapõem entre si e que não tem poder de fato sobre a integralidade do território. A disponibilidade da Líbia serviu como porta de entrada aos grupos terroristas da região e, de forma dramática, ao EI.
Diante desta falta de perspectivas, os EUA realizaram o primeiro ataque aéreo ao território desde a ofensiva de 2011. Dois caças F-15 bombardearam uma propriedade em Ajdabiya, no leste do país. Em teoria, o ataque matou Mokhtar Belmokhtar, conhecido por sua habilidade de fugir de inimigos. Belmokhtar era argelino e já havia sido considerado morto outras vezes. Durante muitos anos foi traficante de cigarros e chegou ao posto de um dos principais lideres da al-Qaeda no Norte da África (também conhecida como al-Qaeda do Magreb). Foi também um dos primeiros membros do grupo a exigir pagamento de resgate para libertar reféns como forma de levantar dinheiro. Além disso, o governo americano suspeita de seu envolvimento no ataque ao consulado de Bengazi, em 2012, em que o embaixador Chris Stevens e outros três cidadãos dos EUA foram mortos.
A suposta morte de Mokhtar Belmokhtar provocou interesse internacional em função dos feitos do terrorista. Mas há algo de estranho na situação em que estava envolvido quando foi atacado pelos caças dos EUA; uma reunião entre membros da al-Qaeda e do Estado Islâmico. Os dois grupos são rivais e o EI nasceu como dissidência à organização criada por Osama bin Laden. Já se sabe que, nas operações do dia a dia, as duas facções vêm se aproximando. Há notícias de membros da al-Qaeda que se filiaram ao EI. Há outros grupos, como o Boko Haram, na Nigéria, que já declararam fidelidade a Abu Bakr al-Baghdadi, o autodenominado califa do EI.
Não há dúvidas de que o Estado Islâmico é hoje a organização terrorista mais temida em todo o mundo. É também o grupo que consegue atrair mais seguidores internacionais e que exerce a maior influência no jogo político regional. O assassinato de Belmokhtar pode se transformar num símbolo do momento em que o mundo descobriu que o Estado Islâmico está obtendo sucesso em se tornar o guarda-chuva do terrorismo internacional, deixando para trás a al-Qaeda e absorvendo seus membros e capacidade militar. O que era ruim pode piorar.
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