quarta-feira, 30 de setembro de 2009

As contradições do mundo na crise em Honduras

Muito interessante o rumo que esta crise em Honduras está tomando. Aos poucos, os personagens vão mostrando seus reais propósitos. Por exemplo, quando o grupo de empresários hondurenhos passa a aceitar a ideia de restabelecer o presidente deposto, levanta a seguinte questão: ora, afinal de contas, o objetivo do golpe era moldar o governo Zelaya de forma a nunca mais ousar fazer qualquer consulta popular?

Estranho mesmo é perceber que no final da primeira década do século 21, um país latino-americano ainda é palco de movimentos políticos ilegais que ressaltam as diferenças de classe. Mas a luta de classes não é um slogan um tanto ultrapassado, de acordo com o próprio liberalismo?

Ora, o liberalismo se mostrou insuficiente para impedir a maior crise econômica desde a década de 1930. O Estado se mostra relutantemente necessário para regular os gastos, investir na sociedade e impedir a mão boba do mercado de fazer o que bem entende.

Mas é para controlar o Estado que a elite hondurenha apoiou o golpe que depôs Zelaya. Um Estado que, se já não serve para muita coisa – afinal, para o empresariado, quanto menos intervenção estatal, melhor –, ao menos ainda detém o monopólio do poder coercitivo – leia-se, polícia e forças armadas.

E o presidente interino Micheletti não pensou duas vezes em lançar mão de medidas coercitivas para calar a oposição. Não conseguiu. A corda foi esticada ao máximo e arrebentou. Afinal de contas, no século 21 parece ser difícil controlar a informação, a rebeldia e – mais ainda – a imprensa internacional. Parece que, aos poucos, a situação vai se ajeitar em Honduras. Mas tem que ser logo. Afinal de contas, um grupo de deputados brasileiros está a ponto de se encontrar com as lideranças hondurenhas e pode pôr tudo a perder.

Mas, num mundo cada vez mais contraditório, o grupo de nobres parlamentares é composto por, dentre outros, Cláudio Cajado (DEM) e Bruno Araújo (PSDB), de partidos que até pouco tempo criticaram a “intromissão brasileira em assuntos internos de outros países”.

Num mundo cheio de contradições, nem nossos deputados haveriam de ficar de fora. Talvez o fato de a crise de Honduras ter sido o assunto mais buscado na internet brasileira na última semana explique em parte o repentino interesse “nos assuntos internos” alheios. Até porque, no século 21, fazer um papel bacana por lá pode render uns votos por aqui.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Extremismo em alta

Em 1981, a força aérea israelense sobrevoou o Iraque e, de uma só vez, destruiu o reator de Osirak, encerrando o projeto nuclear de Saddam Hussein. Hoje, 28 anos depois, quando os olhos do mundo se voltam para a as pretensões atômicas de Mahmoud Ahmadinejad, sabe-se que uma única “viagem” ao Irã não será capaz de interromper o projeto hegemônico da República Islâmica.

Com a divulgação da descoberta de uma segunda e secreta usina em Qum, um breve futuro conflituoso se descortina pela frente. O Irã está militarizado. Mais perigoso do que isso, a alta cúpula do governo de Teerã está promovendo uma corrida armamentista cuja estrela principal é a busca por arsenal nuclear.

Concordo com a suposição publicada hoje pelo canadense National Post de que o extremismo oficial e bélico vem se fortalecendo nos principais postos de poder do país.

“Está cada vez mais claro que o Irã não é mais governado pelo supremo líder, Ali Khamenei, ou pelo conselho de mulás – algo que já seria ruim o bastante –, mas pela Guarda Revolucionária e seus aliados políticos, que compreendem os elementos mais extremistas da sociedade, dos militares e do próprio governo”, diz o editorial.

Já está claro para mim que é isso mesmo o que está ocorrendo. O problema é que tal arranjo configura um caminho sem volta. Afinal, o extremismo não dialoga, mas busca o conflito.

Neste caso, infelizmente, a reunião marcada com as potências ocidentais para esta quinta-feira seria inútil. Não restaria qualquer opção a não ser a aplicação de sanções. Mesmo com este cenário, levando-se em consideração que Teerã já estaria dominada pelo extremismo, o regime sairia no lucro.

Afinal, nada melhor do que a opressão das sanções internacionais e a ameaça de um ataque para unir a insatisfeita população iraniana – pelo menos a da capital – a um contestado governo.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Irã contra a parede

A grande notícia do dia é a divulgação feita por Barack Obama de que a inteligência americana sabia há anos sobre a existência de uma usina nuclear iraniana secreta. O comunicado foi seguido por um aviso corajoso e conjunto dos líderes de EUA, França e Grã-Bretanha. Os três reafirmaram estar dispostos a aplicar sanções a Teerã de forma a acabar com o jogo de gato e rato, morde e assopra de Mahmoud Ahmadinejad.

Nicolas Sarkozy foi mais além ao estabelecer um limite de dois meses para o Irã começar a cooperar com as demandas internacionais ou então encarar sanções profundas.

Já debati inúmeras vezes o assunto por aqui. No caso da gravidade do programa nuclear da República Islâmica, publiquei exatamente há uma semana denúncia pouco repercutida da Associated Press quanto a um anexo de um documento onde técnicos da IAEA (Agência Internacional de Energia Atômica, em inglês) concluem que o país planeja a obtenção de armamento nuclear.

O fato de hoje não é novo. A novidade é a mudança de postura dos três mais importantes líderes mundiais justamente às vésperas do primeiro encontro entre o Irã e potências ocidentais em 30 anos. A intenção é mesmo causar constrangimento a Ahmadinejad e colocá-lo na delicadíssima situação de estar sem saída.

Afinal, o presidente iraniano chega nu à reunião após a revelação de hoje. E, se desistir do encontro – o que não considero improvável de ocorrer –, ficará claro que não há qualquer alternativa ao ocidente senão aplicar mesmo as sanções.

O ocorrido hoje foi um movimento estratégico coordenado entre Obama, Brown e Sarkozy – e muito possivelmente com o conhecimento prévio de Ângela Merkel e Silvio Berlusconi. O Irã agora está pressionado contra o muro a apenas seis dias de se reunir com seus acusadores. A reunião da próxima quinta-feira ganha contornos ainda mais espetaculares.

Quem acabou passando por inocente foi a Rússia. Segundo agências de notícias locais, a porta-voz do presidente Dmitri Medvedev classificou a informação de “perturbadora”. Fiquem à vontade para acreditar que Moscou foi a última a tomar conhecimento da existência desta usina.

O interessante nessa história toda é o que ainda está por vir. Mas o tom de gravidade com que os três líderes levaram a público a descoberta dos serviços de inteligência americanos talvez sejam a esperança de uma abordagem mais firme das intenções nucleares de Teerã. Por si só, este é um fato positivo.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Expectativas para o G20

O Brasil já conseguiu uma vitória importante no caso de Honduras: o reconhecimento mundial de que o país é o porta-voz da defesa da restituição do presidente deposto. Ou seja, caso encerrado. Uma missão da Organização dos Estados Americanos (OEA) parte para resolver a situação e o embate – sangrento e por ora com poucas chances de resolução – entre Zelaya e Micheletti neste final de semana.

Acho que é chegada a hora de pular fora deste barco. O Brasil pode até tomar parte na mediação das conversas entre os partidários do presidente eleito e os golpistas. Mas fica claro que o papel principal agora passa a ser exercido pelo secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza.

Cabe lembrar que, após conseguir destaque durante a Assembleia Geral da ONU, o Brasil tem a partir de amanhã um encontro muito mais relevante para seus interesses neste novo mundo que se configura: a reunião do G20 em Pittsburgh, nos Estados Unidos.

Como país em desenvolvimento e cada vez mais presente no cenário internacional, é fundamental que o Brasil consiga apresentar suas demandas durante a cúpula. E é bem possível que isso aconteça, uma vez que é inegável que, após a crise financeira global, as grandes economias que não fazem parte do primeiro mundo precisam ser ouvidas.

“O consumidor americano não pode mais ser o ‘motor’ da demanda. Europa e Japão tampouco. A China pode ajudar, (...) mas com acesso a financiamentos, outros países em desenvolvimento talvez possam alavancar uma recuperação global”, diz editorial do Financial Times.

Ou seja, é preciso aproveitar o momento com soluções criativas para a crise. Possivelmente, o Brasil vai expor os dados importantes de baixos índices de desemprego e a redução da desigualdade como exemplos que legitimam o país como interlocutor importante da nova ordem global. É claro, Lula deve reafirmar a posição contrária à autorregulação indiscriminada dos mercados como ponto de partida para qualquer discussão.

O presidente brasileiro já apresentou esta visão em artigo assinado por ele e publicado na quarta-feira no Los Angeles Times.

“A mudança climática e a competição global por fontes energéticas e mercados confirmam o que já sabíamos: a globalização nos tornou mais dependentes uns dos outros. No ano passado, o Brasil tomou a dianteira na defesa da consolidação do G20 como fórum de líderes capazes de trazer racionalidade no gerenciamento da crise. Chegou o momento de mostrar vontade política para fazer ajustes fundamentais de estrutura”, escreve.

Vale prestar atenção também aos resultados dos diálogos entre China e EUA. Os dois gigantes do comércio internacional devem entrar em choque. Há pouco tempo, Washington decidiu tarifar os pneus exportados por Beijing. Em compensação, os chineses passaram a investigar as práticas comerciais americanas. É bem capaz de essa disputa se tornar ainda mais acalorada a partir de amanhã.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O preço que se paga

Alguns valiosos leitores deste espaço vieram me questionar pessoalmente sobre o texto de ontem. Em respeito a eles, sinto-me na obrigação de tentar me explicar ainda mais. Tudo o que escrevi teve como objetivo final procurar entender a lógica da atual política externa brasileira e como ela funciona no mundo. Apenas isso.

De qualquer maneira, um dos aspectos discutidos após a publicação foi relativo à interferência brasileira em assuntos internos alheios e quanto o país pode perder com isso.

Acho que cada caso deve ser analisado isoladamente. No exemplo hondurenho, mesmo com toda a crise que ocorre neste momento em Tegucigalpa, penso que o Brasil sai ganhando. Afinal, como escrevi ontem, consegue se transformar no porta-voz de uma “bandeira” justa apresentada durante a Assembleia Geral da ONU: a luta pela democracia e pela restituição do estado de direito.

Hoje mesmo, ao discursar em Nova Iorque, Lula tratou de capitalizar a atitude brasileira ao defender a decisão de abrigar Zelaya. Além disso, ao abrir as portas para o presidente deposto, o Brasil dá um salto – até arriscado, de certa forma – onde deixa a postura passiva de simplesmente defender o respeito à democracia e passa a atuar diretamente no conflito.

Existe sim a possibilidade de haver um desgaste brasileiro graças ao episódio em Honduras. Mas e daí? É preciso colocar na balança perdas e ganhos de todas as decisões.

Fica cada dia mais claro o quanto o governo atual pretende figurar no escalão principal das relações internacionais. Ao sair de cima do muro e se posicionar, é óbvio que Brasília não conseguirá obter unanimidade, seja internamente ou mesmo entre os países vizinhos. Este é o preço que se paga quando se decide entrar de cabeça no jogo.

Ao abrigar Manuel Zelaya na embaixada em Tegucigalpa, o Brasil simplesmente expressa na prática uma peça importante do discurso apresentado nesta manhã por Lula na ONU, quando o presidente brasileiro defendeu “uma nova ordem internacional sustentável, multilateral, menos assimétrica, livre de hegemonismos e dotada de instituições democráticas”.

A questão que se coloca é bem simples: o Brasil prefere ser avaliado positivamente pelos demais países ou escolhe o caminho de defender interesses próprios que necessariamente entram em choque com este ou aquele Estado? As atitudes que o Itamaraty vem tomando mostram qual foi a opção escolhida.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

A simbiose entre Brasil e Manuel Zelaya

Não é por acaso que a crise em Honduras voltou a tomar conta das manchetes nesta terça-feira. Tampouco foi ocasional o abrigo de Manuel Zelaya pela embaixada brasileira em Tegucigalpa. A retomada do assunto neste momento serve a ambos os lados – o do presidente deposto e o das ambições internacionais brasileiras.

Antes de entrar no mérito da questão, entretanto, acho válido lembrar que é natural que os países tenham planos e pretensões para a área de política externa. Portanto, nada de errado quando o Brasil reafirma suas intenções. Pelo contrário.

No caso da crise em Honduras, é útil a Zelaya e a Brasília que a comunidade internacional se volte para o assunto justamente quando representantes dos 192 estados-membros das Nações Unidas estão reunidos em Nova Iorque na véspera do pontapé inicial de uma das sessões da Assembleia-Geral mais aguardadas em muito tempo.

Ao receber Manuel Zelaya em sua embaixada na capital hondurenha, o Brasil se aproveita do momento para reafirmar aos olhos do mundo sua posição: é favorável ao Estado de direito e à democracia.

O expediente consegue elevar o capital da política externa brasileira e está sendo usado como forma de apresentar em igualdade de condições as questões que são caras ao governo Lula ao lado de tantas outras (programa nuclear iraniano, retomada do diálogo entre Israel e os palestinos, escudo antimísseis americano etc) que estarão em discussão em Nova Iorque nos próximos dias.

Trata-se de um golpe de mestre. Para Zelaya é igualmente útil, obviamente, uma vez que ele voltará ao foco depois de meses de esquecimento e notinhas de pé de página nos jornais.

Para mim fica claro, no entanto, que os ganhos servem mais ao Brasil, já que, mais uma vez, o assunto mostra o potencial de liderança regional exercida pelo país e lembra aos membros da ONU a principal reivindicação de Brasília: a reforma do Conselho de Segurança e a inclusão permanente do país.

O troféu cara de pau da vez vai para o presidente interino Roberto Micheletti, que, em artigo publicado na edição de hoje do Washington Post, tentou amenizar a característica não democrática intrínseca a seu governo.

“Diante de todas as reclamações (internacionais) que ocorrerão nos próximos dias, o ex-presidente (Zelaya) não irá mencionar que o povo de Honduras seguiu em frente desde os eventos daquele dia (o golpe de final de junho) e que nossos cidadãos estão à espera de eleições livres, justas e transparentes que ocorrerão em 29 de novembro”.

Quer dizer que o mundo todo deve esquecer que o presidente eleito do país foi retirado à força e nenhum país deve se manifestar diante deste fato? O povo hondurenho que “seguiu em frente” é o mesmo que tem sido punido diariamente com toques de recolher e violência policial? É melhor nem comentar.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Ahmadinejad se opõe a um Estado palestino

Eu ainda não decidi se considero Mahmoud Ahmadinejad estúpido ou um grande estrategista. Ou melhor, é bem provável que eu mesmo não saiba se a estupidez é um termo que se aplica a mim. Porque quando o presidente iraniano volta a repetir que o Holocausto é uma mentira, na verdade ele presta um grande desserviço aos palestinos que diz defender.

Ao dizer com todas as letras pela milésima vez que o Estado de Israel deve ser varrido do mapa, Ahmadinejad reafirma o argumento do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, de que o maior desafio de seu governo hoje é combater a ameaça nuclear iraniana.

Ao convencer seu gabinete, a opinião pública interna e mesmo a Casa Branca, Bibi consegue adiar a retomada dos difíceis diálogos de paz com a liderança palestina.

Na prática, ao manifestar suas crenças absurdas sobre a inexistência do Holocausto para logo em seguida reafirmar o plano de acabar com Israel, Ahmadinejad assina embaixo da doutrina de segurança de Bibi.

Vale lembrar, entretanto, que, ao fazer tais declarações – o dia em que os iranianos são conclamados às ruas para gritar “morte a Israel” –, uma outra manifestação tomava conta de Teerã: novamente os opositores ao atual governo iraniano saíram para protestar contra o resultado das eleições de junho passado.

Este é um “case” em tempo real que prova o quanto o conflito entre israelenses e palestinos favorece alguns setores – geralmente, os dominantes – do mundo muçulmano. É sempre uma válvula de escape capaz de unir vozes dissonantes em torno do ódio a Israel.

Na prática, entretanto, ele desfavorece os maiores interessados: os palestinos que permanecem sem discutir abertamente com o atual governo israelense questões-chave para a constituição de seu Estado.

Fica claro também que a solidariedade aos palestinos é apenas mais uma peça do discurso de Ahmadinejad. Mas ela não amolece seu coração quando é colocado na balança ao lado de seu projeto hegemônico regional.

Enquanto isso, Barack Obama se reúne amanhã em Nova Iorque com o próprio Bibi e também com o presidente palestino, Mahmoud Abbas. Sobre isso, matéria publicada na edição de hoje do New York Times trata de baixar as expectativas sobre o encontro:

“A Casa Branca informa que não espera alcançar qualquer grande avanço (nos diálogos entre os lados). Mas oficiais de Washington afirmam que Obama optou por manter as reuniões de forma a mostrar sua determinação em retomar o processo”.

Ou seja, o objetivo é sair bem na foto. Interessa ao presidente americano – que enfrenta uma baixa de popularidade –, ao próprio Netanyahu – que vai arrastando o assunto enquanto pode –, mas não aos palestinos – que deveriam “agradecer” todo o empenho de Mahmoud Ahmadinejad.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Escudo antimísseis, fato novo em Teerã e decadência da ONU

A decisão do governo Obama de suspender a instalação do escudo antimísseis na Polônia e na República Tcheca mostra como a Casa Branca enxerga estrategicamente o relacionamento com a Rússia. O tema foi exposto no texto da última quarta-feira e, se por um lado consegue devolver a bola para a “quadra” de Moscou, mostra certa inocência por acreditar que, a partir de agora, o Kremlin estaria disposto a cooperar com os americanos diante da ameaça iraniana.

Mas esta é uma premissa equivocada. Os teóricos e práticos responsáveis por elaborar as diretrizes internacionais da única superpotência global estão distantes de qualquer tipo de amadorismo. A decisão foi tomada porque os EUA sabem como seria desastroso aos russos – que optam por permanecer em cima do muro e seguem a perigosíssima linha de não pretender ficar mal com ninguém – expor que na prática Medvedev e Putin estariam um tanto realizados se Obama se enrolasse num problemático conflito com o Irã.

A sinuca foi devolvida. Caberá agora aos russos retribuírem a “gentileza” americana. E este novo capítulo de um dos mais importantes vértices da política internacional já tem data para acontecer: a próxima quarta-feira, dia 23, quando o presidente Dmitri Medvedev estará em Nova Iorque para participar da Assembleia Geral da ONU.

Até lá, no entanto, um novo elemento divulgado na noite desta quinta-feira promete complicar ainda mais o assunto: a Associated Press (AP) afirma ter tido acesso a um anexo secreto de um documento da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA, sigla em inglês) sugerindo que seus técnicos estão convencidos de que o Irã pretende sim construir uma bomba. E mais: o relatório diz que a República Islâmica possivelmente já teria testado um componente-chave para a obtenção do armamento.

Nunca duvidei das intenções militares do programa nuclear de Teerã. Acho, entretanto, que as informações publicadas pela AP devem ser explicadas pela IAEA. Afinal, vale lembrar que, em 2 de setembro, seu dirigente Mohamed El Baradei – que deixará o cargo em novembro – afirmara não haver qualquer prova concreta quanto à possibilidade de o Irã produzir armas nucleares num curto período de tempo.

Ora, como um anexo da IAEA pode contrariar informações divulgadas há pouco por seu dirigente máximo?

É um tanto lastimável perceber como, às vésperas de um de seus encontros mais importantes, a ONU pode estar desacreditada – a IAEA é um órgão das Nações Unidas. E não apenas por este relatório divulgado pela AP, mas também pelo polêmico documento sobre a guerra em Gaza.

A instituição – criada sob os escombros da Segunda Guerra para garantir a paz mundial – pode estar se esfacelando por conta da arriscada opção que seus membros têm tomado de privilegiar determinadas posições políticas. Acho que uma das alternativas seria transformar a Assembleia Geral da próxima semana numa oportunidade para se discutir seriamente o futuro da ONU. Até porque sua existência é mesmo imprescindível.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

ONU põe mais lenha na fogueira no Oriente Médio

O relatório divulgado nesta semana pela ONU que acusa Israel de crimes de guerra e contra a humanidade tem provocado polêmica. Não poderia ser diferente, uma vez que o assunto sempre desperta muitas paixões. Ainda mais quando se trata de um documento de temática tão delicada. A própria missão das Nações Unidas encarregada da investigação não conta com o apoio de países importantes.

Até porque, quando o conflito árabe-israelense é o foco, existe grande possibilidade de transformar a busca da verdade em manipulação política. No caso – o relatório que estabelece culpas e atribuições pelas mortes durante a guerra entre Israel e Hamas em Gaza, no início deste ano – há indícios de que isso realmente tenha acontecido.

Por conta dos resultados menos humanitários e mais políticos que a comissão buscava encontrar, Japão, Canadá, França, Grã-Bretanha, Itália, Alemanha e Holanda decidiram romper logo de cara com iniciativa da ONU.

Por outro lado, os maiores incentivadores para que esta missão acontecesse foram Síria, Somália, Paquistão, Malásia e Bangladesh – países que, digamos, não gozam de grande histórico de respeito aos direitos humanos.

Acusado de parcialidade, o sul-africano Richard Goldstone, presidente da comissão, escreveu um editorial aberto no New York Times para se defender.

“Se a justiça não puder se obtida através dos mecanismos locais, então os governos estrangeiros devem agir”, diz.

Com declarações como a acima, Goldstone gerou ainda mais controvérsia, já que também tira a legitimidade da Suprema Corte de Israel e questiona sua competência para julgar o assunto.

Mesmo o jornal israelense Haaretz – reconhecido internacionalmente por sua independência e postura crítica ao governo de Jerusalém – refuta as acusações contidas no documento.

Artigo do correspondente Ari Shavit lembra os recentes equívocos de Estados Unidos e membros da Otan que causaram a morte de civis no Afeganistão e pergunta se os líderes de potências mundiais também serão julgados pela comissão.

“A Arábia Saudita pratica de maneira declarada uma política de discriminação contra as mulheres que a comunidade internacional não enxerga. O Sri Lanka está acabando com o movimento nacional Tamil, causando um grave desastre humanitário. A Turquia oprime brutalmente a minoria curda e a comunidade internacional tampouco se posiciona”.

“Somente quando o assunto é Israel as leis e a justiça internacional descobrem que podem se manifestar. Somente a Israel se exigem padrões morais que não são exigidos a qualquer superpotência ou país do Oriente Médio”, diz.

Como escrevi tantas vezes na época do conflito – entre o final do ano passado e o início deste ano – o Hamas forçou um embate militar direto porque sabia que não perderia qualquer que fosse o resultado (e não poderia ser outro além de uma vitória inapelável de Israel).

Israel ganhou e perdeu. Perdeu porque, como Estado democrático, está vinculado a códigos de ética e conduta amplamente ignorados pelo Hamas – grupo que não reconhece acordos de paz e declaradamente não está comprometido e nem pretende se comprometer com qualquer processo de pacificação da região.

Este relatório divulgado é apenas a peça que faltava para legitimar a “vitória” do Hamas. É óbvio que todas as ações militares das partes devem ser investigadas. Mas por uma comissão que conte com juízes israelenses e palestinos. Seria inclusive uma forma que poderia culminar na retomada dos diálogos de paz.

Da maneira como foi concebido, escrito e publicado, serve apenas ao propósito de polemizar ainda mais um assunto já exaustivamente polêmico.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Irã: enquanto o circo está quase armado, o mundo dá passos largos rumo ao confronto

O Irã decidiu aceitar a proposta internacional para dialogar sobre... Sobre o que mesmo? O documento de cinco páginas divulgado internacionalmente pela República Islâmica até menciona o uso de energia nuclear, mas não expõe em qualquer momento a intenção do país de debater sobre o seu próprio programa atômico. O mais interessante é que as potências (EUA, Grã-Bretanha, França, Rússia e China, além da Alemanha) aceitaram a oferta mesmo assim.

Ora, por que Teerã deveria interromper seu maior projeto regional se consegue manter a situação em ponto morto sem qualquer prejuízo?

Os Estados Unidos, principalmente, estão fazendo qualquer negócio para levar o Irã à mesa de negociações. Neste caso, é uma busca muito mais pelo retrato bonito do encontro estampado nos jornais para satisfazer a opinião pública internacional do que a mínima ilusão sobre a possibilidade de enquadrar Ahmadinejad e – menos ainda – Khamenei.

A ideia era promover o encontro antes da Assembleia Geral da ONU marcada para o próximo dia 24. Mas até isso os iranianos conseguiram barganhar e as conversações devem começar só em 1 de outubro.

A promessa, no entanto, é que tudo se transforme num grande show. Ou melhor, num circo – para ser coerente à contraproposta iraniana. E, que ninguém se engane, os resultados para o que verdadeiramente interessa – o programa nuclear do país – devem ser nulos. Por trás do assunto, existe a atual dinâmica global que envolve não apenas o projeto da República Islâmica no Oriente Médio, mas o embate entre Rússia e Estados Unidos.

A empresa Stratfor – instituição americana privada – publica análises internacionais e não poderia deixar a questão iraniana de fora de seus comentários. O Irã está para se transformar num meio de a Rússia atingir quase todos os seus objetivos internacionais. É uma tremenda ironia do destino, mas faz todo o sentido, uma vez que aplicar sanções – como os EUA desejariam em última instância – requer a aprovação russa. E Moscou não está nem aí para os problemas americanos.

Até porque, quanto mais afundados na resolução das complicadíssimas questões do Oriente Médio, menos influência os Estados Unidos teriam no que a Rússia considera ainda hoje sua zona de dominação – vale lembrar toda a problemática envolvida na possível adesão da Ucrânia à OTAN, por exemplo.

“As chances de que os russos imponham sanções efetivas sobre o Irã são inexistentes. Tal medida não os levaria a qualquer lugar. E se o fato de não cooperar com sanções levar a um ataque israelense (ao Irã), ainda melhor. Isso pode diminuir e potencialmente eliminar a capacidade nuclear de Teerã – o que, em última instância, tampouco interessa a Moscou. Um ataque enfureceria os países islâmicos em relação a Israel. Ou seja, deixaria os EUA na delicada posição de apoiar os israelenses mesmo diante de tanta hostilidade. E, sob o ponto de vista da Rússia, tudo isso aconteceria ‘de graça’, sem nenhum esforço do país”.

É preciso dizer como toda esta “conveniência” pode ser responsável por jogar mais fogo neste cenário?

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Bin Laden está fraco e desesperado

E eis que Osama bin Laden decidiu aparecer novamente. Divulgou uma fita reafirmando sua disposição para se digladiar com a cultura ocidental, os Estados Unidos e Israel. Aliás, como numa monografia, o líder da al-Qaeda decidiu recortar o tema e focar seu ódio na relação entre americanos e israelenses. Bin Laden pode até estar enfraquecido, mas é impossível negar sua esperteza para encontrar um nicho de mercado.

Quase como um político numa mesa de negociação, desfilou argumentos que, segundo ele, justificam todos seus atos terroristas, inclusive os atentados de 11 de Setembro:

“Nós demonstramos e afirmamos muitas vezes, durante mais de 25 anos, que a causa de nossa discordância com vocês (ocidentais) é o apoio dado a seus aliados israelenses que ocupam nossa terra palestina”.

E mais:

“Essa posição – combinada com algumas outras injustiças – levaram-nos a realizar os ‘eventos’ (?) em 11 de Setembro”.

Ora, a jogada de mestre de Bin Laden ocorre justamente porque sabe o quanto a questão palestina é cara aos ocidentais e mesmo entre os americanos. Ao argumentar que somente o apoio dos EUA a Israel o teria levado a arquitetar o maior atentado da história americana, ele mostra entender bem como funciona a mente da opinião pública ocidental.

Por essas bandas de cá, existe uma grande necessidade de justificar o terrorismo. A cultura dos países ocidentais é felizmente distante do raciocínio fundamentalista. Para todos nós, existe uma chave racional que seria capaz de impedir a decisão e o planejamento de atos bárbaros como o assassinato em massa de civis inocentes.

Ou seja, ao mencionar o conflito árabe-israelense e a ocupação israelense de território reivindicado para a constituição de um Estado palestino, o líder da al-Qaeda busca – num ato desesperado – apaziguar corações e mentes da população ocidental. Ora, poderia se pensar, se o apoio dado a Israel é a razão que leva os fundamentalistas a cometer atos atrozes, basta que se retire este apoio e toda a violência que envolve o terrorismo será interrompida para sempre.

É justamente isso que Bin Laden quer que se pense quando divulga mais esta fita de vídeo – a 60ª desde os atentados de 11 de Setembro. Não custa lembrar, entretanto, que, ao supostamente dar suas razões para planejar tais atos, o líder da al-Qaeda já apresentou anteriormente razões distintas: a expulsão dos muçulmanos da península ibérica pelos reis católicos no século 15 e a corrupção da monarquia saudita atual e sua aliança com os Estados Unidos.

Bin Laden não apenas está fraco, mas também está desesperado. Ao apresentar novos motivos que supostamente amoleceriam o ocidente, tenta dar a entender que está propondo um acordo. Mas, ora, acordos são firmados entre partes de igual poder. E este não é o caso no momento. A estratégia de Bin Laden não irá funcionar justamente porque suas declarações não são mais vistas como ameaças concretas. Oito anos após os ataques que deram visibilidade ao fundamentalismo islâmico, Europa, EUA e os demais países ocidentais estão preparados para enfrentar o terrorismo sem a necessidade de negociar com ele.

Mesmo assim, o líder da al-Qaeda decidiu em seu mais recente comunicado lançar mão de um trunfo que agrada não apenas à opinião pública do mundo árabe mas também sensibiliza o ocidente. É um gesto desesperado em busca de legitimidade e apoio popular.

O terrorismo é injustificável por natureza. Os grupos que patrocinam ou realizam seus atos o fazem pelo simples desejo de morrer e matar. As causas pelas quais alegam lutar são meras desculpas. Mesmo se obtivessem o que quer que reivindicam, novas e ainda mais complexas demandas seriam apresentadas logo em seguida.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

O novo nacionalismo de recursos

A busca por armamento militar empreendida neste momento na América do Sul – notadamente por Venezuela e Brasil – aos poucos vai sendo explicada. Interessante a reportagem publicada na edição deste domingo do jornal O Globo que relaciona as reservas de pré-sal às diretrizes de defesa brasileira.

E o caminho para entender a questão parece ser por aí mesmo. Uma pequena faixa do pré-sal fica além do que as convenções internacionais determinam ser parte das águas territoriais do Brasil. O fato configuraria uma brecha para qualquer país explorar esta parte das reservas.

E este é um problema principalmente quando que se torna claro que os embates internacionais têm como alvo os recursos – cada vez mais escassos e cada vez mais necessários para abastecer economias com populações que precisam consumir.

Não acredito, entretanto, no estereótipo do imperialismo. Pelo menos não nos dias de hoje. Não creio que qualquer país desenvolvido irá despachar um porta-aviões para os mares do sul de forma a explorar o pré-sal na marra.

Acho que o interesse nas reservas brasileiras vai se manifestar pela tangente. Na medida em que não se pode atingir o pré-sal de forma limpa, não duvido que o movimento ambientalista possa ser usado para contestar a legitimidade da extração.

E talvez por isso o Brasil tenha corrido tanto para fechar a compra de equipamentos militares franceses, não de aviões americanos. E não apenas isso: ficaria mais claro também que o governo Lula acreditaria que a ameaça viria dos Estados Unidos. Até porque Brasília já manifestara preocupação com a reativação, no ano passado, da Quarta Frota da Marinha americana para patrulhar a costa do Caribe e das Américas Central e do Sul.

A doutrina que tem marcado as decisões de Brasil e Venezuela é chamada por Nouriel Roubini, professor da Universidade de Nova Iorque, de “nacionalismo de recursos”. E ela explica em parte o que tem acontecido por aqui. O valor das descobertas brasileira – pré-sal – e venezuelana – a descoberta, na última sexta-feira, do maior reservatório de gás do país – está na percepção das fontes energéticas num mundo às vésperas do esgotamento de petróleo.

Por isso, ambos os países estão em marcha acelerada para nacionalizar os recursos. O pré-sal brasileiro e o gás venezuelano estão em outro patamar econômico; eles não foram descobertos somente para serem explorados, mas também são percebidos como patrimônio dos dois países. Da mesma maneira que Rússia e México usam o petróleo de forma estratégica, Venezuela e Brasil estão dispostos a agir da mesma maneira com o que têm.

O estudo de caso também mostra uma nova abordagem da velha visão global dos países em desenvolvimento como provedores de recursos. No século 21, os erros do passado servem como lição. Somente através de alianças, vantagens econômicas e acesso aos mercados do primeiro mundo, as potências poderão negociar a compra – mas nunca a posse – das fontes energéticas. É isso o que Caracas e Brasília querem deixar claro a partir de agora.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

11/9 oito anos depois

Há oito anos, o mundo mudou completamente. Em meio à letargia do pós-guerra fria, os atentados cometidos contra as Torres Gêmeas e o Pentágono sacudiram a humanidade ao recriar um eixo de oposição entre Ocidente e Oriente que se imaginava empoeirado no velho e distante passado dos tempos das cruzadas. Dessa vez, no entanto, a luta não teve a princípio um caráter expansionista, mas ideológico.

Quando se acreditava que o início do novo século anunciava o fim da história, foram os aviões lançados contra dois dos mais importantes símbolos (um econômico e outro militar) da maior potência planetária que lembraram que havia uma dissonância disciplinada e raivosa presente na metade de lá do mundo.

Olhando por este aspecto, o terrorismo sim conseguiu emplacar uma grande vitória. À força e usando métodos absolutamente condenáveis, conseguiu impor seu paradigma. Hoje, boa parte da população ocidental conhece, foi afetada ou ao menos ouviu falar do fundamentalismo islâmico.

Mesmo após duas guerras em seguida ao 11 de Setembro – Iraque e Afeganistão –, ainda está longe a resposta sobre se a principal organização articuladora dos ataques está para ser derrotada. Seu líder nunca foi encontrado. Muito embora editorial de hoje do britânico The Guardian defenda a tese de que o movimento está enfraquecido por conta dos sucessivos abalos à sua infraestrutura (“a habilidade de realizar operações na Europa e nos EUA foi reduzida através de ações de inteligência e medidas como o rastreamento de sua comunicação”), creio que seja quase impossível aferir com dados concretos uma possível decadência da al-Qaeda.

A ideologia de destruição, fundamentalismo e enfrentamento ao Ocidente do grupo terrorista conseguiu se promover ao status de primeiro escalão global. Jarret Brachman, professor de estudos de segurança da Universidade da Dakota do Norte, nos EUA, lança inclusive a bola sobre a sucessão hierárquica de Osama Bin Laden. E de uma forma ainda mais poderosa, uma vez que o “herdeiro” seria um jovem com conhecimentos dos meios de comunicação atuais – foi inclusive webmaster de um site do Talibã (!) –, o líbio Abu Yahya.

Partilho da visão de Brachman para analisar esses oito anos de conflito entre as potências ocidentais – lideradas pelos Estados Unidos – e a al-Qaeda. Acho que resume bem a imprevisibilidade que envolve a questão:

“Se estiver perguntando se os EUA derrotaram a al-Qaeda, é preciso questionar também: de qual al-Qaeda estamos falando? Dos líderes que operam em alguma área tribal de Paquistão e Afeganistão? Da ‘franquia’ que atua no mundo, notadamente em Iraque, Argélia e Iêmen? Ou da ideologia global que se autodenomina como al-Qaeda, mas que não é filiada ao grupo? Ao analisar as possibilidades de vitória, é preciso se perguntar também se vencer significa acabar com a organização ou apenas debilitá-la. Refere-se à destruição de toda a capacidade militar da al-Qaeda ou atenuar sua capacidade de conquistar corações e mentes ao redor do planeta”, escreve em artigo publicado na revista Foreign Policy.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O projeto internacional venezuelano

Há muito tempo a América do Sul não estava nas manchetes internacionais por conta de assuntos militares. Se a Colômbia virou notícia depois de autorizar o uso de bases por forças americanas, Argentina e Brasil decidiram ir às compras e a Venezuela a cada dia deixa mais claro seus objetivos regionais.

E, à exceção da Colômbia, os processos de concorrência e fechamento de contratos de Brasil e Argentina acabaram se internalizando. Ou seja, depois de ganharem certa repercussão internacional, a reformulação tecnológica na área militar dos dois países se tornou tema de debate interno. O mesmo não se aplica à Venezuela. Primeiro, porque Chávez consegue criar polêmica. Segundo, porque as ambições estratégicas do presidente venezuelano extrapolam fronteiras e pisam no calo de quem realmente importa: os Estados Unidos.

Chávez está em tour por diversos países e promete lançar provocações aos EUA em cada uma das visitas. No Irã, mais uma vez defendeu o projeto nuclear de Ahmadinejad e Khamenei e, pra completar, declarou abertamente que irá fornecer a Teerã 20 mil barris de gasolina todos os dias.

Trata-se de um embate quase direto com os EUA e União Europeia, que pretendiam bloquear a exportação do produto ao país asiático como forma de pressionar pela interrupção de seu programa nuclear. Chávez acaba de minar a plenitude desta medida.

Na Rússia, foi ainda mais longe. Ao se encontrar com o presidente Dmitri Medvedev, declarou oficialmente que a Venezuela passa a reconhecer a independência de Abkházia e Ossétia do Sul, regiões que integram a Geórgia cujas independências levaram à guerra entre Moscou e Tbilisi em agosto do ano passado. Para se ter a exata noção do ineditismo da decisão de Chávez, até hoje, além da própria Rússia, somente a Nicarágua havia reconhecido a soberania das duas regiões.

Enquanto no Brasil há gente demais opinando em política externa dentro do próprio governo, na Venezuela ocorre o oposto. Chávez é teórico e articulador das ações internacionais do país. A simplicidade da teoria, no entanto, é fácil de ser percebida. Em Caracas, a diretriz determina que qualquer oposição aos Estados Unidos é digna de apoio, mesmo que as relações sejam travadas com uma multiplicidade de atores como Rússia, Síria, Irã, Bielo-Rússia, Líbia, Argélia, dentre outros.

Ao que me conste, nenhum dos Estados listados acima partilha do Socialismo do Século 21 de Chávez.

Seja como for, Caracas pretende liderar um eixo internacional antiamericano. Se o projeto funcionar – com compra de armamento russo em curso, por exemplo – vai ser a primeira vez, desde a Crise dos Mísseis de 1962, que os Estados Unidos serão desafiados institucionalmente tão de perto.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Quem responde pela política externa brasileira?

Ainda sobre a parceria da França com o Brasil, há indícios de que a negociação para a compra de equipamento militar não está fechada, como foi divulgado pelo governo na segunda-feira. Agora se inicia uma inversão de ordem provocada pela ansiedade de dar uma notícia positiva a Sarkozy enquanto ele esteve por aqui. Um erro básico que compromete todo o processo.

Parlamentares questionam a transação e há inclusive dúvidas sobre as razões que justificariam tanta pressa na escolha dos caças franceses. Hoje pela manhã recebi em meu email uma mensagem oficial da embaixada americana em Brasília informando que os Estados Unidos não se negaram a transferir tecnologia militar para o Brasil – o principal argumento a favor da opção pelo equipamento francês.

O fato vai ser responsável por ocupar a imprensa brasileira no mínimo durante esta semana. Acredito, no entanto, que o post publicado ontem por aqui possa explicar os motivos que levaram Lula a noticiar a vitória da empresa francesa na licitação promovida pelo governo brasileiro.

A alta cúpula de política externa em Brasília fechou com a França. A parceria entre os países é vista como estratégica e, sob esta ótica, assinar um contrato caro e importante envolvendo a compra de caças, submarinos e helicópteros é parte de um quadro maior e cujos benefícios a ambos os países serão colhidos a longo prazo.

É o caminho que o Brasil escolheu. O problema é que há regras a serem seguidas. O poder executivo precisaria consultar os parlamentares, abrir o contrato e justificar sem meias-palavras a opção tomada. Até porque o embaraço agora é ainda maior. Voltar atrás é patético e mostra uma enorme desorganização burocrática.

Não é a primeira vez, no entanto, que a política externa nacional se mete em trapalhadas. Tudo porque muita gente se sente no direito de opinar e – pior – dar declarações públicas. Fica a pergunta: se o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, entram em choque sobre este assunto, quem é o responsável por manifestar a real posição brasileira?

Uma das explicações para isso acontecer com certa frequência – na guerra entre Israel e o Hamas, no início do ano, não faltaram palpiteiros oficiais em Brasília, por exemplo – é justamente o glamour em torno da área internacional. Dá para escalar um time de futebol de salão listando os que costumam se pronunciar oficial e extraoficialmente sobre a política externa brasileira: além do presidente Lula, é claro, Nelson Jobim; Celso Amorim; o assessor especial da presidência, Marco Aurélio Garcia; o presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini; e até o secretário de Relações Internacionais do partido, Valter Pomar.

Qual deles vai responder pela confusão atual? Ou todos vão agir como sempre e sair falando o que bem entendem por aí?

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Por que França e Brasil decidiram se unir

A visita de Nicolas Sarkozy ao Brasil é repleta de significados. Não apenas pela transação militar que conseguiu emplacar por aqui. Mas, principalmente, porque evidencia uma visão estratégica nova e à frente de outros países. A França parece ter compreendido que o mundo mudou e, com isso, os parâmetros que regem a diretriz de política externa de Paris.


O que me chamou bastante atenção foi a entrevista concedida pelo presidente francês ao jornal O Globo, do Rio de Janeiro, publicada no domingo. Dentre as muitas declarações em que exalta o Brasil – é claro, há um tanto de confete no que diz –, fica registrada a intenção de mudança de organismos multilaterais um tanto ultrapassados.


O mais arcaico e poderoso é o G-8, criado no século passado por potências do século passado e baseado em parâmetros de poder do século passado. Sarkozy se antecipa à falência declarada do grupo e mostra ter decidido pular fora do barco antes que ele naufrague de vez. O presidente francês propõe ampliá-lo no mínimo em seis países – com o Brasil incluído, claro.


E este foi o pulo-do-gato da parceria que se torna a cada dia mais concreta entre Paris e Brasília. Ambos sabem que é preciso enxergar a nova ordem mundial (no caso da aproximação com uma potência emergente como o Brasil), mas sem abrir mão do poder conquistado até aqui (sob a ótica brasileira, é importante ter a França como um aliado estratégico, já que ela é reconhecida como tal pelos demais países que ainda mantêm o status quo internacional e pode inclusive participar da viabilização de um assento permanente ao Brasil no Conselho de Segurança da ONU, o grande sonho de consumo da política externa brasileira).


O governo francês vem se encaixando como pode nesta característica de parceria, alianças e participação em diversas questões internacionais. Não é à toa que, após ter se destacado no estancamento da guerra entre Israel e o Hamas em Gaza no início deste ano, decidiu retornar à OTAN após 43 anos de afastamento. Associar-se a um país que se configura como potência de acordo com os novos moldes internacionais é parte de uma estratégia maior.


Num mundo onde valores como supremacia bélica e corrida armamentista dão lugar aos poucos às variáveis econômicas, a França parece ter escolhido o Brasil como parceiro. Vale lembrar que, dentre os membros dos BRICS (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China), o Brasil parece ser o único que apresenta características mais próximas à França – um Estado laico democrático e ocidental. Não é à toa que Sarkozy esteve por aqui. Vender helicópteros e aviões me parece ser apenas a ponta do iceberg.


Vale lembrar que a próxima reunião do G20 acontece já a partir do próximo sábado, dia 12 de setembro. Este fórum sim é importante. É lá que o novo e o velho mundo vão se encontrar para decidir sobre as questões deste século que vivemos: economia, clima, consumo dos recursos disponíveis e aumento populacional.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Armênia e Turquia adotam o pragmatismo como solução

Como a semana começou com a discussão sobre o uso da história em benefício de decisões políticas, decidi escrever sobre o mais recente exemplo de que, às vezes, a retomada de estudos do passado pode servir como ponte para o processo de pacificação atual. É exatamente isso o que deve ocorrer entre Turquia e Armênia, dois países que não mantêm relações de qualquer natureza.

Isso pode mudar em breve, uma vez que os dois lados devem anunciar o estabelecimento de bases para o diálogo em 14 de outubro, quando turcos e armênios disputarão uma partida das eliminatórias da Copa do Mundo de futebol.

O grande impasse entre os países decorre de uma enorme discordância sobre a interpretação do massacre de 1,5 milhão de armênios por forças do Império Otomano, em 1915. A Turquia discorda em vários aspectos: de que seja responsável pelo genocídio, uma vez que o Estado nacional turco ainda não existia, e, principalmente, do uso dos termos “massacre” ou “genocídio”.

Independentemente do que a Turquia pensa sobre o assunto, o fato é que houve a deportação e o assassinato em massa de 1,5 milhão de Armênios. Este é o ponto que me parece mais importante, não conceitos sobre quais palavras devem ou não ser usadas.

Seja como for, levando-se em consideração que seria difícil convencer os turcos a abrirem mão de sua posição histórica – além do mais, o assunto é até hoje um tabu na Turquia – as partes chegaram a um acordo que mostra bem como o bom-senso pode ser usado para desarmar espíritos e, mais importante, seguir adiante na normalização das relações: uma comissão de historiadores e especialistas armênios, turcos e de outros países será formada para estudar a documentação sobre o assunto e promover o diálogo mútuo.

É óbvio que nenhuma das partes iria abrir mão de suas posições. Até porque, se o fizessem, perderiam legitimidade interna para assinar qualquer acordo. A solução encontrada é a mais simples e também a única existente. Tocar discursos, conceitos e prática ao mesmo tempo.

Simultaneamente a tudo isso, é fundamental que Armênia e Turquia mantenham relações porque serve economicamente a ambos. As relações internacionais obedecem a fatores talvez até mais pragmáticos do que a vida pessoal de cada um. Retomar o diálogo serve a interesses que beneficiam os países num mundo cada vez mais integrado. E, neste caso, como a Turquia é o estado mais desenvolvido economicamente, é Ancara que manifesta maiores ambições regionais, como explica à revista Time o analista Hugh Pope, do International Crisis Group, de Bruxelas:

“Se bem sucedidos, os diálogos podem retomar o prestígio do país e de sua capacidade de reforma doméstica, como um pacificador regional e também de estar realmente empenhado no processo de ingresso como membro da União Europeia”, diz.