O chanceler francês, Bernard Kouchner (foto), deu entrevista ao Globo de hoje afirmando temer que o presidente Lula seja enrolado pelo Irã. A declaração da autoridade francesa soa um tanto ultrapassada. Não pela crítica ao líder brasileiro, mas por crer na existência de atores incautos no cenário atual. Como escrevi algumas vezes, inclusive ontem, acredito mais no voluntarismo brasileiro em sua relação com os iranianos. Tendo o cuidado de me isentar por ora no juízo de valor quanto à velha tática de Ahmadinejad de embromar para ganhar tempo – o que ele faz desde sempre quando se trata de seu programa nuclear –, a verdade é uma só: o Brasil optou neste momento por esticar a corda ao máximo em relação à aprovação das sanções a Teerã.
Curiosamente, Kouchner não foi capaz de fazer esta avaliação. Aliás, tenho certeza de que fez, mas preferiu não expor o que Paris pensa de verdade. Não há ingênuos nas relações internacionais. Muito menos o Brasil, país que conseguiu em apenas oito anos passar de figurante a protagonista. Talvez, de certa maneira, haja um tanto de nostalgia da parte do chanceler francês, como alguém que sonha com o velho e acabado mundo onde o norte decidia e o sul era apenas informado. Vale dizer que, após a declaração, ele emendou afirmando que "França e Brasil são países que se amam" (seja lá o que isso signifique).
Apenas para relembrar, Lula e Ahmadinejad se encontram em Teerã em pouco mais de uma semana. Até lá, o Itamaraty optou por manter a política de não se posicionar ao lado de França, Grã-Bretanha e Estados Unidos pela aprovação de mais sanções ao Irã. É uma forma de manter o protagonismo internacional e, quem sabe, aumentar o suspense para eventuais surpresas sobre o resultado das conversas no Irã – essas já, sem dúvida, devidamente combinadas com o regime islâmico.
Acho que a política externa brasileira pode ser traída somente pela crescente radicalização da República Islâmica e de seus aliados. Este não é um cenário improvável, muito pelo contrário. Desde a controversa reeleição de Ahmadinejad, em junho passado, os iranianos têm virado as costas para os parceiros que não comungam de dar um aperto na oposição. O Brasil parece ser a exceção que confirma a regra.
A BBC Brasil tem publicado uma série de reportagens sobre regimes totalitários. Ao abordar o Irã, o veículo revela, por exemplo, que, dos 475 candidatos que se apresentaram para disputar a corrida presidencial, somente quatro foram aprovados pelo Conselho de Guardiões. Para complicar, a Guarda Revolucionária tem sido cada vez mais presente na vida pública e política do país. Já mencionei alguns meses atrás a intenção que a ala militar mais radical do país tem de criar seu próprio canal de "jornalismo".
Para completar, a Turquia – Estado com relacionamento cada vez mais próximo ao Irã – anunciou hoje a aprovação de 26 mudanças constitucionais cujo objetivo parece ser um crescente controle das instituições do país pelo partido AK, de fortes tendências islâmicas. Esta é uma ameaça real ao caráter laico turco, princípio inerente à criação da Turquia moderna, em 1922, por Kemal Ataturk.
Ou seja, é preciso que o Brasil leve todos esses fatores em consideração, mesmo tendo como norte o pragmatismo que vem apresentando com sucesso na condução de sua política externa. Fechar os olhos para a radicalização de parceiros importantes é aceitar o beijo da morte. Até porque, o livre acesso brasileiro no mundo só é possível porque ninguém põe em dúvida seus objetivos. Basta que essa percepção mude e as portas serão fechadas.
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