Depois que as duas únicas agências de notícias iranianas, Fars e Irna, divulgaram a informação de que o presidente Ahmadinejad estaria disposto a enviar urânio levemente enriquecido ao Brasil, houve uma sucessão de confusões, explicações, desmentidos e malabarismos políticos. Se isso de fato acontecer, o governo brasileiro definitivamente será alçado ao status de jogador internacional de primeira linha. E isso certamente interessa a Brasília. E, é claro, a Teerã também.
Para se ter ideia de como a situação pode sofrer um revés interessante, a proposta – originalmente de autoria de Estados Unidos, Rússia, França, China, Grã-Bretanha e Alemanha – pressupõe o envio de combustível nuclear iraniano para o exterior e sua devolução a Teerã em forma de isótopos para o tratamento de câncer. A conversa entre os presidentes de Venezuela, Hugo Chávez, e do Irã foi a mesma. Tratou apenas de adaptar o eventual acordo para os moldes da política externa de dois dos principais símbolos da política não-alinhada. Ou melhor, países que pretendem ser enxergados desta maneira.
Baixando tom da euforia que tal acordo possa provocar, vale lembrar que este não é um fato completamente novo. A sugestão já ocorrera entre o final do ano passado e o início deste ano. E, na ocasião, o Brasil declinou da oferta com o argumento de que não haveria condições técnicas de realizar a operação no país.
E aí vale especular sobre as possibilidades. Quando Celso Amorim e Marco Aurélio Garcia afirmam que o país poderia se envolver num eventual acordo nuclear com o Irã, eles estão jogando com algumas possibilidades: 1 - esqueceram de tudo o que foi dito sobre a problemática técnica, algo que considero muito pouco provável de ter acontecido; 2 - estão surfando na onda de preocupação mundial sobre o assunto e decidiram aproveitar a deixa para esquentar ainda mais o encontro programado entre Lula e Ahmadinejad, no próximo dia 15.
Parece-me que a última opção é a mais viável. O problema é que, por conta disso, o Brasil acaba por participar do velho jogo de empurra iraniano. Não é de hoje que a tática de Ahmadinejad se resume a simplesmente sustentar ao máximo a situação enquanto puder. E o pragmatismo brasileiro optou por aceitar o plano em nome dos possíveis benefícios que possa colher mais para frente.
Por isso, a confusão causada pelas declarações de Lula, Marco Aurélio Garcia e Celso Amorim é proposital. Quanto menos claras e mais contraditórias, menos óbvia é a posição que o Brasil vai adotar até o encontro do dia 15. Vale lembrar algumas afirmações das autoridades brasileiras para deixar evidente este propósito:
"O Brasil espera e busca uma solução negociada e pacífica para a questão”, declaração de uma fonte do Itamaraty que não explica qualquer coisa.
"O Brasil não trabalha com a hipótese de ser depositário do urânio do Irã. Há lugares mais perto do Irã que o Brasil. Mas isso vai depender muito do Irã", declaração que não nega, não aceita e ao mesmo tempo não descarta a hipótese ventilada pelas agências de notícias iranianas.
Só devemos descobrir mesmo o que foi combinado nos bastidores entre Brasil e Irã depois do encontro do dia 15. Até lá, ficaremos apenas com as confusões propositais.
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