A sucessão de acontecimentos ocorridos após o anúncio do acordo mediado por Brasil e Turquia com o Irã mostra um mundo em transformação. Fica claro agora o embate entre três líderes regionais importantes: a Turquia, no Oriente Médio, e Brasil e EUA nas Américas. Com a ascensão geopolítica brasileira, o impasse envolvendo a questão iraniana mostra uma briga por acomodação internacional.
Quem ganha com isso é o Irã. Pelo menos num primeiro momento. O "fato novo", conforme definição que vem sendo usada pela diplomacia brasileira, põe Washington e Brasília em rota de colisão. A polarização da América Latina é o cenário ideal para Teerã – já apoiada por países da região abertamente em confronto com os americanos, casos de Venezuela e Bolívia.
Mais ainda, cria um racha entre os membros do Conselho de Segurança da ONU. Os permanentes aparentemente estão fechados com o rascunho apresentado pelos EUA. Mas, para a resolução ser aprovada, é preciso também aprovação de ao menos nove dos 15 membros - rotativos e permanentes. E aí é que a situação se complica para Washington. Os países que ocupam atualmente os assentos não-permanentes são Brasil, Turquia, Áustria, Gabão, Bósnia e Herzegovina, Líbano, México, Nigéria, Uganda e Japão.
A aprovação pode não ser fácil. Se a China furar, o texto não passa. Se topar, além dos cinco membros-permanentes, será preciso também contar com ao menos quatro votos dos rotativos. Brasil e Turquia certamente serão contrários. Bósnia e Herzegovina, Líbano e Nigéria devem seguir o mesmo caminho. Restam Áustria, México, Japão, Gabão e Uganda. Desses cinco, quatro precisam ser convencidos pelos EUA. Se o México quiser se aproximar regionalmente do Brasil, será contrário. Se pesar na balança sua relação comercial com os americanos, irá apoiá-los. O fato é que o jogo permanece totalmente aberto.
Por ora, no entanto, quem mais colheu frutos foi o Irã. Além de deixar a impressão de estar em busca de "medidas para o estabelecimento de confiança mútua" (palavras de Sharon Squassoni, diretor do Center for Strategic and International Studied, de Washington), desestabilizou o Conselho de Segurança da ONU e causou enorme desconforto nas relações americano-brasileiras - que vinham sendo incrementadas, apesar das discordâncias, e mereceram inclusive a assinatura de um acordo militar, em abril.
Com a reação americana ao acordo, o Irã conseguiu polarizar os países do Conselho a partir de um pressuposto maniqueísta: os pró-americanos e os antiamericanos. Indiretamente, o próprio governo de Washington acabou contribuindo para o renascimento de um dilema típico de seus inimigos e que parecia ultrapassado a partir da eleição de Obama. Enquanto isso, Ahmadinejad ganhou ao menos dois defensores árduos: Brasil e Turquia, países que apostaram alto, mas ainda não puderam colher os frutos positivos da tentativa de exercer papel mais relevante no cenário internacional. Por ora, só receberam os golpes de potências reativas frente à possibilidade de uma maior divisão do poder.
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