Uma notícia talvez surpreendente, mas que serve para mostrar o momento diferente pelo qual passa o Brasil: no próximo dia 8 de outubro acontece o encontro anual do FMI. Em outros tempos, a reunião causaria grande comoção entre as autoridades brasileiras. Não é o caso neste momento. Pode parecer pouco, mas a situação ilustra uma grande mudança de posicionamento. Este é um aspecto internacional positivo que será herdado pelo próximo presidente, seja ele quem for.
Acho válido traçar um rápido panorama externo do próximo mandato. Se Dilma de fato vencer as eleições, o Itamaraty (foto) deve manter as estratégias atuais. E isso pode significar não apenas a manutenção do pragmatismo independente, mas também um aprofundamento das divergências de posicionamento com os EUA. Aliados que se opõem a Washington em uma série de questões, como Irã e Turquia, por exemplo, acabaram ganhando prestígio em Brasília porque servem de trampolim para o projeto internacional brasileiro.
Como costumo escrever, a geopolítica é bastante complexa e coloca o Brasil em situação favorável, o que pode levar a Casa Branca a minimizar as críticas ao Itamaraty em nome de algumas características importantes; o Brasil tem se firmado como líder regional, mesmo a contragosto de competidores importantes – casos de México e Argentina; e um ponto que tem sido completamente esquecido é a dedicação local aos combustíveis alternativos.
Este é um ponto que tende a se tornar ainda mais importante a partir de agora para a administração Obama. O investimento na área não é apenas uma bandeira teórica que reafirma a diferença deste presidente americano em relação ao antecessor e ao Partido Republicano. Hoje esta é uma questão urgente, como mostra reportagem do New York Times.
“Combustível fóssil é a importação número um para o Afeganistão. Para proteger este carregamento, afastamos as tropas de seus principais objetivos no território: lutar ou se dedicar à população local”, diz Ray Mabus, secretário da Marinha e ex-embaixador na Arábia Saudita.
Ou seja, como maior produtor de etanol no mundo, as perspectivas de negócios brasileiros são muito animadoras. Ainda mais se levarmos em conta que a presença americana no Afeganistão não deve ser encerrada em curto prazo. Se de fato a ideia do Itamaraty é exercer práticas externas independentes e pragmáticas, perceber esta grande oportunidade pode ser uma forma de aplicar o discurso ao mundo real. Sem a menor dúvida, aliados como o Irã, por exemplo, não aprovariam tal interação entre Brasília e Washington.
Uma análise criativa feita pelo jornalista Vinod Sreeharsha aposta num governo de perfil internacional menos ativo, se Dilma for eleita.
“Enquanto o carisma de Lula é difícil de ser batido, Rousseff é considerada uma intelectual disciplinada. Assim, é pouco provável que ela empenhe esforços em ousadas iniciativa na área de política externa. Isso pode ajudá-la a se relacionar com Obama”, escreve.
Apesar de considerar esta visão interessante por seu pioneirismo, não acredito que Dilma represente qualquer mudança nas diretrizes internacionais brasileiras. Até porque os maiores estrategistas do governo atual devem permanecer em seus cargos, casos de Marco Aurélio Garcia e Celso Amorim – este último o ministro das Relações Exteriores que ocupa a pasta há mais tempo em toda a história da república.
Um comentário:
Celso Amorim não só tem sido nosso chanceler nos oito anos do lulismo, mas também no Governo Itamar, e tem uma carreira diplomática impecável, o que vem a ser um contraste enorme em relação a alguns de seus antecessores, como Abreu Sodré, Olavo Setúbal, Gibson Barbosa, Magalhães Pinto, Juracy Magalhães e mesmo o Celso Lafer, que com toda aquela alta cultura não pôde trazer conquista alguma pra cá. Talvez Celso Amorim seja o único ministro de Lula que não tenha sido contraditório. Ao mesmo tempo pode ter sido a única gestão que não contradisse a estratégia geral do governo. Diferentemente dos governos militares, por exemplo, cujos chanceleres iam ao exterior negar o uso de tortura que os outros ministros praticavam. Só de nos livrar do tacape do FMI o Lula merecia uma medalha (lógico que eu não iria dar), só gostaria que não tivéssemos pago um preço tão alto por isso: ortodoxia econômica e falsa governabilidade.
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