O presidente afegão, Hamid Karzai, foi honesto ao admitir ter recebido sacolas repletas de dinheiro do governo iraniano. A quantia total soma cerca de 1 milhão de dólares e parece não constranger o ocupante do cargo mais alto da hierarquia do país. Doações abertas ou investimentos nas muitas áreas carentes do Afeganistão não levantariam suspeitas. Mas entregar dinheiro vivo ao presidente soa muito estranho.
Não é segredo que o Irã se movimenta para aumentar a influência em todo o Oriente Médio. A confissão de Karzai é somente mais um aspecto dos distintos campos de atuação de Teerã. As declarações acontecem após o conturbado final de semana em que veículos de todo o mundo reproduziram os documentos divulgados pelo site WikiLeaks. Além da “ajuda monetária ao Afeganistão”, há novas evidências de que milícias treinadas na república islâmica agem para combater as tropas americanas no Iraque.
Há relatórios para todos os gostos. E é bom que se diga que eles mostram apenas as descobertas de setores da inteligência americana. Os documentos relatam treinamento de combatentes xiitas pelas Guarda Revolucionária iraniana e pelo Hezbollah libanês. Também mostram planos ambiciosos, como sequestros de oficiais do Ministério da Educação do Iraque e captura de soldados americanos.
A mensagem de parte do novo vazamento promovido pelo WikiLeaks é clara: os EUA acreditam que o Irã pretende influenciar a política iraquiana. E a atuação do governo de Teerã é um tanto temida pela Casa Branca. Afinal, treinamento de milícias e apoio ao primeiro-ministro que busca formar o gabinete em Bagdá mostram a mistura de dois elementos de grande complexidade logística.
Nos casos de Iraque e Afeganistão, não se trata apenas de um jogo que se enquadra na luta por assertividade regional. Para Teerã, é uma disputa contra a presença americana em suas fronteiras. No lado oeste, Iraque; no leste, Afeganistão. As lideranças da república islâmica não saem por aí dizendo isso, mas a verdade é que assistir passivamente aos americanos se consolidarem militarmente logo ao lado não é uma possibilidade.
Como lembra reportagem do Christian Science Monitor, no lado afegão, as forças americanas estão instaladas na base aérea de Shindand (foto), localizada a pouco mais de 120 quilômetros das fronteiras iranianas. O objetivo das autoridades do Irã não é nem de longe fortalecer os governos de Afeganistão e Iraque, mas impedir que ambos se fortaleçam a partir do apoio que recebem dos EUA.
Assim, a situação ideal para Teerã é que Cabul e Bagdá sempre recorram aos iranianos em busca de dinheiro ou apoio político. E a república islâmica está empenhada em conseguir seus objetivos. Para isso, usa todas as armas de que dispõe: o treinamento de milícias xiitas para combater os esforços americanos de estabilização no Iraque; a compra de membros do alto escalão do governo de Hamid Karzai, no Afeganistão; e a consolidação comercial do Irã – hoje, o país é segundo maior exportador de produtos para o Iraque. No caso de uma invasão americana, os bens essenciais deixariam de ser vendidos como forma de retaliação.
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