Por trás das justas homenagens aos esforços de resgate chilenos, é preciso pensar sobre a natureza econômica de um país cujo trabalho nas minas está no centro da arrecadação nacional. A exploração de cobre - e sucessiva exportação - responde por 40% da renda nacional. Não é à toa que este não foi o primeiro acidente envolvendo mineiros.
Desde 2000, 34 trabalhadores morreram todos os anos durante o processo de mineração. O ponto alto deste histórico de mortes aconteceu no ano de 2008, quando 43 pessoas deram suas vidas durante o trabalho. A exploração do cobre sustenta o Chile há muitos anos.
Um dos artigos mais interessantes que li nesses últimos dias é de Daniel Henninger, do Wall Street Journal. Ele diz acreditar que a operação de resgate é mais um exemplo das vantagens do capitalismo, argumentando que as diversas empresas privadas que ofereceram peças e equipamentos só o puderam fazer porque desenvolveram tecnologia de alto desempenho - o que, segundo ele, só é possível num ambiente competitivo.
É uma verdade. Ou melhor, é apenas uma parte da verdade, uma de suas muitas faces. Por exemplo, vale questionar se os mineiros teriam sido submetidos a péssimas condições de trabalho se o livre-mercado não estivesse em busca de maiores quantidades de cobre vendidas a preços mais baixos. A mina São José só foi reaberta para exploração - mesmo sem oferecer segurança apropriada aos empregados - por conta da pressão do governo chinês.
Ou seja, o mesmo mercado global que conseguiu unir parceiros internacionais privados durante o salvamento de certa forma foi o responsável por colocá-los debaixo da terra inicialmente. É preciso levar todos esses aspectos em consideração. Até porque, não acho que o episódio sirva como argumento definitivo e maniqueísta para qualquer bandeira ideológica. Particularmente, considero que a grande lição de tudo isso é ressaltar a capacidade solidária humana.
Sobre os argumentos expostos no Wall Street Journal, acho válido também discutir o atendimento médico oferecido aos mineiros após o resgate. No "mundo ideal do livre mercado", o governo chileno não teria arcado com as despesas hospitalares. Ou melhor, sequer existiriam hospitais públicos. Que tipo de atendimento os mineiros teriam recebido, considerando que, em média, seus salários não ultrapassam os 1,6 mil dólares?
Aliás, esta é uma questão que está na ordem do dia nos EUA, com os movimentos mais conservadores rotulando o presidente Obama de "socialista" por sugerir a criação de um plano de saúde popular capaz de cobrir as despesas médicas da maioria da população americana.
Talvez este episódio pudesse servir para incrementar esta discussão entre os americanos, mas acho pouco provável. Curiosamente, este mesmo livre-mercado comemorado por Henninger pode acabar ressaltando ainda mais as discutíveis escolhas recentes chinesas (maiores parceiros comerciais do Chile. A China responde por 16,46% das exportações chilenas).
Se internamente Beijing restringe a prática, internacionalmente parece ser a maior entusiasta do capitalismo sem qualquer fundamento ético: por exemplo, além de ter sido ator importante no processo de reabertura da mina São José, continua a vender armamento para os radicais islâmicos de Darfur, no Sudão, além de apoiar com equipamentos os projetos nucleares de Coreia do Norte e Irã. Talvez, a China acabe se tornando a principal prejudicada quando o mundo deixar de se maravilhar e decidir estabelecer limites para a sociedade do livre-mercado.
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