sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Território livre na fronteira entre México e EUA

As eleições legislativas americanas do próximo dia 2 serão marcadas pela extrema polarização entre os candidatos democratas e republicanos. O movimento ultraconservador Tea Party será um ator mais relevante do que nunca. Seus representantes, inclusive, têm conquistado terreno político ao colocar em pauta temas como legalização do aborto, das drogas e leis mais firmes para deter o avanço da imigração ilegal. Por conta disso, as sangrentas lutas que tomam conta do México merecem atenção especial. Mais do que simplesmente reservatório de mão-de-obra, a instabilidade política no vizinho do sul passou a ser mais importante do que nunca aos americanos.

No lado esquerdo da foto, San Diego, nos EUA; no direito, Tijuana, México

A guerra entre cartéis do tráfico é também um símbolo da porosa região de fronteira. Os acontecimentos recentes mostram que as entidades políticas dos dois países dão lugar, na prática, a um território autônomo que se sobrepõe às autoridades locais americanas e mexicanas. A organização criminosa conhecida como Fernando Sanchez é um exemplo disso.

Quando seus membros tiveram as ligações telefônicas grampeadas por oficiais dos EUA, a estrutura da quadrilha se tornou conhecida. Como aponta o Washington Post, ao contrário das velhas lealdades familiares que costumam ditar a ilegalidade mexicana, a quadrilha investigada apresenta um modo de operação distinto. As ordens sobre sequestros, assassinatos, transportes de mercadorias e entregas são dadas a partir de uma base estabelecida em San Diego, na Califórnia.

Ou seja, o arcaico sistema de fidelidade foi substituído pela moderna gestão globalizada. A criminalidade conta ainda com a complacência de policiais corruptos dos dois lados da fronteira e de cidadãos americanos comuns. E é por isso que as autoridades dos EUA estão preocupadas com a situação. Como está muito claro pelas descobertas recentes, não é possível simplesmente reforçar a segurança na fronteira – aliás, como ordenou o presidente Barack Obama, é sempre bom lembrar.

A Casa Branca parece ter noção do tamanho da ameaça que movimentações como esta representam. Com as inúmeras possibilidades oferecidas pelo enorme mercado consumidor dos EUA, era uma questão de tempo até as "sedes" decidirem estabelecer filiais mais próximas de seus clientes.

George Friedman, fundador do Stratfor, já previu a existência de uma zona de fronteira entre México e EUA com vida própria. A análise está em seu ótimo livro "Os Próximos 100 Anos". Concordo com esta tese e acredito que os interesses ilegais tendem a acelerar este processo. E o barateamento dos meios tecnológicos irá exercer papel fundamental. Afinal, hoje já não são necessários grandes aparatos físicos para manter estruturas de trabalho. Com o crime não é diferente. A diferença, no caso, é que a virtualização de determinações e decisões acaba por beneficiar muito mais os cartéis do que a polícia.

Não se sabe ainda como a tendência de fluxo livre na região costeira entre o norte do México e o sul dos EUA irá influenciar a política americana. Por ora, Washington demonstra preocupação apenas com a inibição das ações. Mas não é impossível imaginar que o poder de grupos mais sofisticados – como a Organização Fernando Sanchez, por exemplo – tenha ambições ainda maiores. Se ela já conseguiu colocar no bolso parte de policiais mexicanos, por que imaginar que não faria o mesmo na Califórnia? Como o poder dos imigrantes na sociedade está longe de ser subestimado, não se pode descartar que grupos criminosos pretendam se projetar politicamente.

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