Michael Knights, especialista em segurança na região do Golfo Pérsico, cita uma conclusão que vem sendo repetida no Oriente Médio com cada vez mais certeza: o Iraque hoje está para o Irã assim como o Líbano está para a Síria. Ou seja, a relação entre os dois países que travaram sangrenta guerra nos anos 1980 passa a ser de proximidade. Mesmo que muitos iraquianos ainda enxerguem Teerã da pior maneira possível, as articulações políticas recentes dão conta de que um dos piores pesadelos do governo americano começa a se transformar em realidade: a influência iraniana no Iraque cresce a passos largos.
E, curiosamente, o agravamento desta situação começou a partir do que Washington acreditava ser uma de suas grandes conquistas regionais: a realização das eleições iraquianas, em março passado. Quando a disputa se transformou num embate entre sunitas e xiitas – num microcosmo da grande luta por poder em curso no Oriente Médio –, as forças regionais passaram a enxergar, com ainda mais força, o nicho de mercado representado pelo Iraque.
Formado em sua maioria por população xiita, os iranianos foram o destino óbvio das lideranças xiitas iraquianas. Mesmo as eleições ainda não se resolveram em boa parte por conta desta cisão. Ayad Allawi – xiita moderado apoiado por Estados sunitas que se opõem à ascensão do Irã – venceu o pleito. Seu partido, Iraqiya, conquistou 91 das 325 cadeiras do parlamento – duas a mais que o Estado da Lei, bloco xiita comandado pelo primeiro-ministro, Nouri al-Maliki. O nó político não foi desfeito porque o premiê insiste no direito de tentar formar um governo de maioria.
A existência deste impasse acabou por gerar a importante reviravolta do momento. O ambiente que americanos acreditavam minimamente estabelecido está a ponto de sofrer diversos e distintos retrocessos. No campo sunita, há o revés representado pela mudança percebida entre os militantes da Sahwa. A organização, apoiada pelos EUA, conseguiu virar o jogo na guerra ao colocar ex-membros de grupos radicais em luta contra a própria al-Qaeda. A administração americana prometera empregos aos combatentes num futuro sistema burocrático a ser criado no Iraque.
Agora, além de boa parte dos militantes não ter sido beneficiada por posições no incipiente mercado de trabalho governamental, os participantes da Sahwa assistem ao jogo político criar grandes possibilidades do estabelecimento de uma administração xiita. Como a minoria sunita iraquiana era beneficiada durante os anos de Saddam Hussein no poder, os membros desta comunidade temem a vingança dos xiitas, no caso de um governo marcado por divisões religiosas. E, para complicar ainda mais, os combatentes da Sahwa têm mudado de lado, juntando-se às fileiras de ninguém menos do que a própria al-Qaeda.
No campo político, Nouri al-Maliki não apenas travou o sistema, como passou a busca por legitimidade junto aos vizinhos xiitas de maior poder, os iranianos. A cúpula de Teerã não se fez de rogada e está aproveitando como pode. Além de ter conseguido forjar uma aliança entre o premiê iraquiano e o popular clérigo xiita Moqtada al-Sadr – exilado no Irã de onde manifesta sua oposição aos EUA –, busca claramente influenciar nos rumos políticos do Iraque. Al-Maliki esteve reunido com o líder-supremo da revolução iraniana, aiatolá Ali Khamenei, e com o presidente do país, Mahmoud Ahmadinejad (foto). Ambos fizeram questão de deixar claro o apoio à manutenção de al-Maliki no cargo.
Com a polarização do Iraque, os EUA perdem mais uma vez. É como se os americanos tivessem feito todo o trabalho para entregar o país no colo dos iranianos. E este é o maior interesse da República Islâmica; quanto mais influência o Irã tiver no Iraque, menor será a presença de Washington no Oriente Médio e – mais importante ainda – a Casa Branca irá perder sua maior base na região. Sem falar nos enormes ganhos políticos e econômicos iranianos.
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