Muitos brasileiros ainda se recordam com tristeza do já distante 16 de março de 1990. Na ocasião, a então ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello (que para felicidade dela e do Brasil mora hoje em Nova Iorque, muito distante de Brasília), anunciou o confisco de parte das contas correntes e da poupança dos cidadãos comuns. A decisão causou espanto, raiva, decepção e a quase certeza de que as medidas tinham como objetivo se apropriar da renda dos brasileiros trabalhadores em nome de uma aposta que não daria certo. Agora, na Grã-Bretanha, acontece um fenômeno parecido.
O pacote de austeridade divulgado pelo ministro das Finanças, George Osborne (foto), também acerta com foice a vida dos que dispõem de menos recursos. Para variar, a solução encontrada para consertar as decisões econômicas governamentais e o jogo do mercado financeiro parecem sempre cortar muito dos têm pouco. O jornal britânico Guardian, inclusive, usa o termo aposta para se referir às medidas.
O objetivo do aperto é reduzir o déficit orçamentário que hoje é de 245,5 bilhões de dólares. Para isso, todo mundo vai perder. Cerca de 500 mil empregos públicos devem deixar de existir – a consultoria privada PriceWaterhouseCoopers estima que o mesmo número de cargos privados será extinto. Como sempre, também sobrou para a aposentadoria. Homens e mulheres só poderão se aposentar a partir de 66 anos de idade. A "democracia" do processo pode ser comprovada com cortes em todas as áreas: a passagem de trem vai subir 3%, gastos em educação superior sofrerão cortes de 40%, sendo seguidos também por defesas contra enchentes (15%) e orçamento militar (8%). Serão 138 bilhões de dólares "economizados" em gastos públicos até 2015.
Para quem acredita que medidas deste tipo podem funcionar, basta lembrar o ocorrido na Argentina neste início de século 21. Por uma questão de sorte política e competência governamental, escapamos dessa. E justamente graças à estratégia que decidiu inverter esta lógica. Enquanto durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso os assessores econômicos do Fundo Monetário Internacional (FMI) aconselhavam a adoção dessas receitas, Lula optou por seguir caminho independente. Até porque soa um pouco ingênuo premiar o mercado que, no fim das contas, contribuiu em larga escala para que a situação chegasse a este patamar.
A mecânica seguida pelo Brasil - e que se mostrou correta, uma vez que evitou que o país mergulhasse na crise mundial - é defendida por Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia em 2001.
"Redução de investimentos em educação, tecnologia e infraestrutura serão ainda mais custosos no futuro. (...) O aumento do desemprego, especialmente se persistente, provocará a deterioração das habilidades e do capital humano, fenômeno que a Europa experimentou nos anos 1980", escreve.
Não se pode esquecer que qualquer governo democrático foi eleito por pessoas. E elas deveriam sempre ser a prioridade nos momentos das decisões difíceis. Passar adiante a conta para os cidadãos, além de desonesto, não costuma ser eficiente. Os dirigentes britânicos acreditam que talvez em 2015 a vida pode melhorar. Mas a que preço?
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