sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Um cenário alternativo para o Oriente Médio. E um feliz ano novo aos leitores


Ainda sobre as muitas perspectivas de mudança para 2013, vale dizer que dois dos protagonistas do Oriente Médio passarão, de fato, por novas disputas políticas. Israel e Irã têm eleições marcadas para janeiro e junho, respectivamente. No caso israelense, são grandes as chances de continuidade de um governo liderado pelo atual primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Isso não significa que não haverá novidades, pelo contrário. Principalmente porque o sistema parlamentarista exige muitas articulações. Formar um governo que se sustente minimamente (ou seja, conte com a maioria simples dos 120 membros do parlamento) é para lá de complicado. Basta lembrar as últimas eleições, quando os dois candidatos em disputa, Bibi e Tzipi Livni, encontraram muitas dificuldades para formar alianças viáveis. 

No caso iraniano, as possibilidades de mudanças são ainda maiores. O presidente Mahmoud Ahmadinejad encerra seu último mandato em 2013 e não pode mais concorrer (este é seu segundo período na presidência). Haverá eleições em junho e a disputa interna é grande. Some-se a isso a realidade regional em que, mesmo ainda sem grandes alterações, países importantes conseguiram realizar rebeliões populares significativas, como Egito, Tunísia, Líbia e Iêmen. É claro que precisamos olhar para a Primavera Árabe sempre com muito cuidado, principalmente porque esses processos ainda não terminaram e todos os Estados citados permanecem distantes dos anseios populares de transformações concretas. 

Como escrevi anteriormente, os iranianos estão inseridos neste contexto regional. A repressão aos protestos de 2009, quando parte da população levantou suspeitas sobre a reeleição de Ahmadinejad, foi marcante, principalmente para a classe média urbana altamente politizada de Teerã. Curiosamente, o mês de junho passa a ser fundamental, uma vez que este também é o prazo em que, segundo estimativas do governo israelense, os iranianos terão alcançado quase plenamente a capacidade nuclear. Temos aí a interseção de dois eventos, ou melhor, possibilidades de eventos; a expectativa norte-americana quanto à sublevação popular no Irã, e a ansiedade em relação aos passos que Netanyahu irá tomar a partir da provável nova realidade regional onde os iranianos terão atingido seus objetivos nucleares. 

Este cenário apresenta duas situações; a primeira delas diz respeito às atitudes americanas. Sob pressão israelense, mas sem qualquer motivação política, militar e certamente financeira para autorizar o ataque, resta ao presidente Obama contar com a sorte. Mas estamos falando da maior potência do planeta – sorte não é uma variável real, ainda mais quando se trata de uma região estratégica aos EUA e cujo impasse pode ser previsto com tamanha antecedência. Sem a menor dúvida, os americanos aprenderam com os erros cometidos durante os primeiros momentos da Primavera Árabe. O apoio Ocidental – e, claro, americano – aos ditadores que se sentaram sobre o poder nos países árabes custou caro, ameaçando inclusive a afirmação do Oriente Médio num ambiente institucionalmente ainda mais hostil aos EUA. A confortável e duradoura aliança entre Washington e lideranças autoritárias regionais se mostrou um gol-contra em longo prazo. A Casa Branca esqueceu as oposições internas e jamais fez contato com elas. Tal equívoco ainda é o grande responsável pela situação de impasse em que os norte-americanos se encontram em países como Egito e Líbia, por exemplo – isso sem falar na Síria, país com o qual os EUA jamais usufruíram de boa relação. 

Disse isso tudo para mostrar a única solução que pode vir a resolver o problema que os americanos enfrentarão em junho; a sucessão de Ahmadinejad será a grande oportunidade para Washington acalmar a ansiedade israelense. E isso pode acontecer através da criação de contatos mais aprofundados com a oposição iraniana. Por meio do uso da vasta rede de inteligência que têm à disposição, os americanos poderão criar uma situação de caos político no Irã, tendo como pano de fundo a Primavera Árabe (por mais que o Irã não seja um país árabe, evidentemente). Inspirados pelos acontecimentos regionais, agentes americanos poderão armar grupos de oposição que contestem os resultados das urnas, desestabilizando o regime. Em troca, quando estivessem no poder, esses grupos assumiriam o compromisso de segurar o avanço nuclear do país, evitando assim um ataque israelense. 

Eu sei que este é um cenário que pode soar um tanto imaginativo, mas em médio prazo resolveria o problema americano. Já vimos situações muito menos razoáveis colocadas em práticas. Agradeço aos leitores pela companhia ao longo deste ano e desejo a todos um excelente 2013. Volto a publicar textos inéditos a partir da primeira semana de janeiro. 

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Obama começa a mostrar suas intenções internacionais para os próximos quatro anos


Certamente, o ano de 2013 será de importantes mudanças internacionais. O terremoto político e social que tomou conta do Oriente Médio desde 2011 vai prosseguir e, por isso, os governos do mundo inteiro que pretendem não ficar alheios a tudo isso precisarão se posicionar. E, com quatro anos de governo pela frente, o presidente Obama está muito interessado em exercer sua vocação internacional. Este é o principal movimento a que devemos assistir no próximo ano; um novo posicionamento de Washington em coordenação com a nova realidade do Oriente Médio. 

Já há alguns sinais deste movimento. Eles são lentos porque devem começar a ser explicitados a partir da primeira semana do ano que vem. Sabe-se, no entanto, que nomes importantes deverão deixar suas funções no governo, como é o caso da Secretária de Estado Hillary Clinton. Hillary fez uma boa gestão à frente do cargo mais fundamental na área de política externa, mas deixará uma impressão ruim na saída, na medida em que relatório mostra falhas de segurança e análise diretamente responsáveis pelo sucesso do atentado ao consulado americano em Benghazi, na Líbia. 

E, claro, os nomes dos sucessores têm sido ventilados. O ex-candidato John Kerry – derrotado por George W. Bush nas eleições presidenciais de 2004 – é o nome mais cotado para assumir. Para outro cargo importante, o de secretário de Defesa, há indícios de que Obama pode vir a escolher o ex-senador republicando Chuck Hagel (foto). E aí começa a primeira grande polêmica do novo governo; enquanto senador, Hagel assumiu posições contrárias a Israel em diversas ocasiões: recusou-se a assinar cartas de apoio ao país, recusou-se a pressionar a União Europeia para incluir o Hezbollah na lista de organizações terroristas (lembrando que a milícia xiita do Líbano foi o grupo que mais matou americanos depois da al-Qaeda); posicionou-se favoravelmente a negociações diretas com o Hamas; e, mais importante de tudo, votou contra a aplicação de sanções ao Irã de forma a pressionar o país a abandonar sua busca por capacidade nuclear. Hagel também é abertamente contrário a um eventual ataque às instalações nucleares iranianas. 

Ou seja, se Hagel de fato for nomeado para o cargo de Defesa mais importante dos EUA, o presidente Obama terá sido explícito de algumas maneiras quanto a seus objetivos para o Oriente Médio; não é segredo para ninguém o quanto o atual governo americano teme se envolver numa nova guerra na região – seria a terceira contra um país muçulmano em dez anos. Obama estaria também se posicionado no lado oposto ao atual governo israelense cujo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu foi o protagonista na ONU de um recado claro às intenções nucleares de Teerã. Quando a “linha vermelha” estiver próxima de ser ultrapassada – e pelos cálculos de Jerusalém isso deve acontecer entre março e junho do ano que vem – , algo deverá ser feito. E é muito óbvio que israelenses e iranianos não se sentarão à mesa para resolver o assunto. 

A nomeação de Hagel para comandar o Pentágono já é, por si só, uma maneira bastante explícita de Obama demonstrar como sua administração deverá atuar no Oriente Médio. Se Benjamin Netanyhau tinha alguma esperança de contar com a ajuda militar americana para frear as intenções do Irã, a resposta está dada. 

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Apoio russo à Síria já custou caro demais a Moscou


A escalada de violência na Síria chegou a um ponto irreversível. Não apenas porque o número de mortos já está na casa dos 40 mil, mas principalmente porque do ponto de vista estratégico o principal agente de defesa do regime começa a demonstrar sinais de cansaço. Nesta quinta-feira, o vice ministro da Relações Exteriores da Rússia disse que a possibilidade de “uma vitória da oposição não pode ser excluída”. 

Lembrando sempre que a aliança entre Rússia e Síria é antiga e frutífera. Os dois países firmaram cooperação econômica, cultural e militar. Do ponto de vista sírio, o benefício de receber armamento russo – o mesmo que, inclusive, vem sendo usado contra os rebeldes. Do ponto de vista russo, o acesso fundamental ao Mediterrâneo através do Porto de Tartus. A base naval russa na Síria se transformou em saída prática durante o inverno, quando os portos russos ficam quase integralmente congelados. 

Moscou está desgastada pela fidelidade assumida com Bashar al-Assad porque tem muito a perder. Certamente, o país não quer abrir mão de sua única saída para o mar durante o inverno e por isso se expôs internacionalmente e fez o que pôde para segurar o presidente sírio até o último momento. Mas, 40 mil mortos e 20 meses depois, os russos se deram conta de que não há muito mais o que fazer. Com o apoio chinês, o Kremlin vetou três resoluções que condenavam o regime de Assad no Conselho de Segurança da ONU. Curiosamente, a declaração do ministro das Relações Exteriores sobre a queda do presidente acontece no dia seguinte ao reconhecimento oficial dos EUA de que a oposição síria representa a autoridade de fato no país. Outros cem chefes de Estado de todo o mundo fizeram o mesmo. 

Por mais que a aliança entre Assad e a Rússia tenha sido frutífera, os russos começaram a abandonar Damasco em nome da manutenção de seus ganhos estratégicos. Reconhecer a queda do presidente representa também o início do passo seguinte: o estabelecimento de contatos com a oposição de forma a garantir, ao menos, que Tartus não será perdido. Afinal de contas, Moscou tem muito claro que não pretende amargar importantes derrotas estratégicas em sequência; perder a base naval ao mesmo tempo em que teve de engolir a aprovação da Otan da instalação de plataformas de mísseis patriot na fronteira entre Turquia e Síria para proteger o território turco de uma eventual ofensiva desesperada de Assad. 

O pior cenário aos russos já se concretizou: os mísseis na Turquia estão posicionados mais próximos do que nunca de sua própria fronteira. Aceitar a Otan batendo à porta é o temor histórico do Kremlin. O apoio irrestrito de Moscou a Damasco já está custando caro demais.  

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Egito: protestos atuais interessam muito pouco às potências ocidentais


A eleição do presidente Mohamed Mursi, no Egito, preocupou boa parte dos atores internacionais. Havia dúvidas sobre como um representante da Irmandade Muçulmana encararia as principais questões geopolíticas do país, como o acordo de paz com Israel, assinado em 1979, e o compromisso financeiro com os EUA. Como escrevi muitas vezes, em meio a tantos temores, havia também a expectativa de que, alçada ao comando formal do maior Estado árabe do mundo, o grupo assumiria postura mais pragmática e, portanto, conciliatória. 

Foi exatamente isso o que aconteceu. De alguma maneira, os líderes políticos em Washington e Jerusalém respiraram aliviados. O gesto mais simbólico do novo governo egípcio surgiu há pouco, quando, graças ao posicionamento pragmático de Mursi, Hamas e Israel alcançaram um cessar-fogo, interrompendo os oito dias de violência em Gaza e no sul do território israelense. Fiz um texto específico sobre o assunto e também analisei os vencedores deste arranjo político. 

No entanto, o pragmatismo externo de Mohamed Mursi não é extensivo à população egípcia. E esta nova crise pela qual o país passa tem muito a ver com isso. A revolta que levou a população aos milhares à Praça Tahrir exigia liberdade, democracia, emprego e justiça social. Desde a derrubada de Hosni Mubarak, em fevereiro de 2011, nenhuma dessas demandas foi atendida. Até entendo a necessidade de a constituição egípcia ser reescrita, afinal ela é de 1923 e certamente as mudanças sociais, políticas e até tecnológicas são inúmeras. Mas ninguém tem dúvidas de que a ideia por trás da nova redação tenha pouco a ver com eventuais atualizações. O ato de Mursi que retoma o controle presidencial dos poderes mostra bem o que pretende. Não dá para dizer que é uma surpresa, afinal o povo egípcio elegeu um presidente da Irmandade Muçulmana, não do partido socialista. 

Se o voto egípcio era de protesto – o que me pareceu o caso na época –, havia um furo importante em tal gesto. Se dar poder ao único grupo organizado nacionalmente e que esteve clandestino durante os anos de Mubarak soava como natural à maior parcela dos egípcios, não se pode esperar que a Irmandade Muçulmana se transforme do dia para noite. O islamismo político aponta como tendência em importantes países do Oriente Médio. Tunísia e Egito estão sob a liderança de grupos islâmicos que assumiram o poder e tiveram de dar roupagem política a suas demandas. Entretanto, os dois exemplos são casos recentes. A Turquia é o Estado onde este modelo se assentou no poder de maneira mais bem sucedida. Mas mesmo entre os turcos a frágil linha que impede islâmicos de tomarem controle pleno esbarra nas características específicas de formação da Turquia moderna, o que garante o equilíbrio de forças que mantém o país. 

O grande problema da reivindicação popular que impressionou o mundo inteiro é justamente o seu ponto mais admirável: a não vinculação a qualquer liderança ou partido. Os protestos espontâneos na Praça Tahrir tiveram a força para derrubar Mubarak, mas não para forjar um novo líder nacional. Neste vazio, a “revolução” foi sequestrada pela Irmandade Muçulmana. E agora a situação é pior; se antes havia o interesse das potências internacionais pelo temor do que ou de quem surgiria a partir deste processo, o pragmatismo geopolítico demonstrado por Mursi garantiu certa tranquilidade aos ocidentais; nesta nova onda de revolta no Cairo, os egípcios estão mais solitários do que nunca. 

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Momento propício a uma operação militar na Síria


Creio que, a esta altura dos acontecimentos, já é possível afirmar que uma ação internacional na Síria nunca esteve tão próxima de ocorrer. Isso porque há elementos demais que não apenas justificam uma intervenção, mas também porque, agora, vale muito a pena aos EUA adotar posicionamento mais firme. O primeiro ponto importante é óbvio: por mais que Washington certamente não tenha o menor interesse numa nova guerra no Oriente Médio, o presidente Obama já tem mais quatro anos garantidos pela frente. E isso lhe permite traçar uma estratégia mais ambiciosa. 

E Obama é um presidente interessado em exercer seu talento diplomático. E conta com a grandiosidade do cargo e, agora, com tempo. Não apenas o presidente americano, mas a secretária de Estado, Hillary Clinton, já deixaram muito claro que não aceitarão o uso de armas químicas pelo governo sírio contra a própria população. Mas eventuais dilemas morais não explicam a situação atual. Até porque, como escrevi no último texto, já há 40 mil mortos. E a maneira como as pessoas morrem é menos importante do que o fato de que elas estão sendo mortas. Ou seja, eventuais discursos morais estão atrasados em quase dois anos. 

O fato é que a Casa Branca estava esperando as eleições e os resultados para tomar decisões. E mais, por conta das grandes operações militares recentes (Afeganistão e Iraque), e também pelo tipo de imagem que Obama quer imprimir (e recuperar, claro), Washington hoje tem apoio internacional para tomar uma atitude mais firme. Assim como aconteceu na Líbia, quando os EUA lideraram uma coalizão de forças internacionais, mas não agiram unilateralmente. O mesmo deve acontecer na Síria, até porque, sintomaticamente, os americanos não foram os primeiros a reconhecer o bloco de oposição chamado de Coalizão Nacional das Forças Revolucionárias e de Oposição. Isso deve acontecer no encontro entre representantes rebeldes e Hillary Clinton, no Marrocos. Até agora, este grupo de oposição já foi oficialmente legitimado por Grã-Bretanha, França, Turquia e alguns aliados ocidentais no Golfo Pérsico. 

Ao contrário da imagem construída na primeira década do século 21, a Casa Branca sob a gestão Obama se pretende alinhada aos organismos multilaterais. Como não interessava bancar esta invasão síria por conta própria, os americanos juntaram um objetivo ao outro. Agora, além de reafirmar o suposto compromisso com o multilateralismo, ainda levam, de brinde, a aliança importantíssima com a Turquia, o mais importante país muçulmano e a décima-oitava maior economia do mundo. O caso turco é singular porque alia uma série de fatores que o tornam essencial às pretensões internacionais americanas. Muito além das questões econômicas, há objetivos estratégicos importantes. Os EUA precisam se reconciliar com o mundo islâmico. 

Nada melhor para isso do que estar ao lado da Turquia, cujo primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, é o líder político mais admirado entre a população islâmica mundial. Além disso, EUA e Turquia possuem alguns interesses comuns no Oriente Médio. Os turcos querem estender sua influência regional e, para isso, precisam isolar o Irã, esfriando as ambições hegemônicas do país, cujo único aliado árabe é, justamente, a Síria. Os EUA também querem conter os avanços políticos e militares iranianos, mas farão de tudo evitar uma guerra aberta. Ao mesmo tempo, entrar no território sírio e derrubar Assad pode soar bem no mundo árabe, cuja população está sensibilizada com a morte de civis sírios. 

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

A crise síria e a hipocrisia internacional


Diante de tantos acontecimentos internacionais recentes, a maior crise humanitária do Oriente Médio ficou esquecida. Nesta balança política pragmática, os quase 40 mil civis sírios mortos desde 2011 pelo próprio presidente acabaram jogados para debaixo do tapete. A guerra entre palestinos e israelenses tem como costume histórico despertar muitas paixões, artigos na imprensa e posicionamento rápido da opinião pública internacional e também, é claro, dos representantes políticos. Apesar de este espaço ser dedicado à análise mais do que à exposição de minha opinião sobre quem está certo ou errado, permito-me aqui fazer o seguinte questionamento: por que tanto barulho diante da guerra recente em Gaza enquanto há pouca ou nenhuma manifestação, inclusive no Brasil, para condenar ou exigir das autoridades que se faça algo pelos civis sírios? 

Isso me faz duvidar, inclusive, daqueles que se autopromovem como defensores dos direitos humanos. Quando se calam diante das mortes de uns e vociferam quanto às mortes de outros, abrem mão da própria legitimidade e, mais ainda, levantam dúvidas quanto aos objetivos humanitários com os quais dizem se preocupar. Se 40 mil civis sírios não valem uma passeata, um artigo na imprensa, uma linha de condenação ao presidente Bashar al-Assad, então não se tratam de defensores dos direitos humanos, mas de políticos que escolhem determinados grupos para defender. São, para ser ainda mais claro, lobistas. Se remunerados ou não, é algo a se investigar. Podem ser lobistas voluntários, claro, obcecados por um assunto específico. 

Desde que Assad começou a assassinar a própria população, em março de 2011, venho escrevendo sobre os desdobramentos que um conflito na Síria pode precipitar. E um conflito na Síria está cada vez mais próximo. Os principais atores internacionais estão se mobilizando e uma guerra para derrubar o já quase derrubado presidente sírio pode se transformar num polo de atração das mais importantes rivalidades regionais. E estamos falando de um dos principais países do Oriente Médio. Comparada aos esforços da coalizão internacional que armou rebeldes na Líbia, uma eventual disputa no território sírio vai parecer um treino sem importância. E, vale lembrar, a ofensiva que derrubou Kadafi foi um fracasso – o país continua desestruturado e o “mix” de rebeldes financiado pelos principais países do Ocidente inclui, entre outros, membros da própria al-Qaeda. 

Obviamente, os EUA não vão assumir o fracasso representado pela morte de Kadafi e as suas consequências regionais. Mas é claro que isso está sendo levado em consideração no momento em que se estuda o que é possível fazer para deter Assad. Ou melhor, a preocupação é menos com o que o presidente faz com sua própria população e mais com o que pode fazer regionalmente, na medida em que as armas químicas que o governo sírio têm à disposição podem ser usadas. Movimentos recentes indicam que o regime sírio teria movimentado parte de seu armamento nuclear. Soa mais como uma forma de ameaça, principalmente por algumas razões: a principal delas, a reunião da Otan em Bruxelas, nesta terça-feira, realizada para tratar do pedido turco (país-membro da aliança militar) da instalação de mísseis de defesa no sul do seu território. 

Por tudo isso, acredito que já há movimentações estratégicas suficientes para dizer que que, finalmente, a crise síria poderá ser tratada seriamente. Este é um assunto que abordarei de forma mais profunda nos próximos textos. 

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O Estado palestino e as eleições em Israel


Se o reconhecimento do Estado palestino pela ONU irá influenciar decisivamente as eleições israelenses de janeiro, somente o tempo dirá. O fato é que, ao contrário do que se possa imaginar, a sociedade israelense apoia em grande escala a solução de dois países para dois povos. Pesquisas realizadas continuamente mostram que dois terços consideram a criação da Palestina pacífica ao lado de Israel a chave para resolver o conflito. Percentual similar também é encontrado entre os palestinos. A convergência de opiniões das pessoas é o reconhecimento da realidade prática: nem israelenses deixarão seu país, nem os palestinos desistirão de ter um Estado próprio. 

No entanto, o lugar-comum – que é verdadeiro – mostra que a política e seus representantes se interpõem para viabilizar o fechamento deste ciclo vicioso. Mas a reivindicação do presidente Mahmoud Abbas na ONU é uma oportunidade para resolver alguns impasses: o primeiro deles é a interrupção de negociações diretas. Não há motivo para não retomar o diálogo mútuo. Como escrevi em meu último post, reconhecer o protagonismo da Autoridade Palestina e suas ambições não significa somente respeitar os Acordos de Oslo, de 1993, mas também legitimar a única entidade palestina que abertamente entende a solução de dois Estados para dois povos como a única possível. 

A guerra recente entre Hamas e Israel serviu de combustível a radicais de ambos os lados. Ao Hamas, a legitimidade que buscava, muitas conquistas políticas internacionais e a possibilidade de silenciar o crescente movimento interno de apoio ao Fatah, do presidente palestino Mahmoud Abbas (antes do conflito com Israel, pesquisas mostravam que, mesmo em Gaza – território do qual a Autoridade Palestina foi expulsa pelo Hamas em 2007 – a popularidade do Fatah era de 40% contra 22% do Hamas, índice superior ao observado na Cisjordânia, inclusive). 

Ao mesmo tempo, o Likud, partido do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, é sustentado no Knesset, o parlamento israelense, graças a uma coalizão de partidos de direita e de ultraortodoxos que apoiam a manutenção dos assentamentos na Cisjordânia. O congelamento das negociações com a Autoridade Palestina é uma maneira de não ter de lidar com essas questões e implodir a coalizão. Netanyahu sabe que os partidos que o sustentam no cargo deixariam o governo no minuto seguinte a uma eventual promessa de desmantelamento dos assentamentos. Por essa aliança partidária, quanto mais tempo ganhar, quanto menos a questão palestina estiver sobre a mesa, maiores são as chances de permanecer à frente do governo israelense. 

Justamente por isso, a vitória palestina na ONU pode trazer o assunto novamente ao centro da discussão política em Israel. Até o momento, a única a se pronunciar abertamente sobre isso e prometer retomar as negociações como plataforma central de candidatura foi a ex-ministra das Relações Exteriores Tzipi Livni. Até há pouco filiada ao Kadima – partido cuja plataforma é o pragmatismo político –, fundou o seu próprio partido, HaTnuá (O Movimento). A partir de agora, é possível que o tema volte a ocupar os partidos e a ser discutido seriamente na campanha – o que possivelmente irá alterar o cenário confortável usufruído até então pelo Likud de Netanyahu. 

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Depois da guerra, Hamas ganha força e Autoridade Palestina se enfraquece


Esta é uma semana movimentada no Oriente Médio. E, mais especificamente, em questões importantes envolvendo o conflito árabe-israelense e, ainda mais pontualmente, o conflito palestino-israelense. Nesta quinta-feira, o presidente Mahmoud Abbas pedirá o reconhecimento de um Estado palestino na Assembleia Geral da ONU. A Palestina será reconhecida como Estado observador. Ao contrário do que o senso comum pode indicar, esta será a melhor notícia para Israel. 

Segundo o Wall Street Journal, o rascunho do pedido palestino não menciona a interrupção das construções de assentamentos judaicos na Cisjordânia como pré-condição para o retorno à mesa de negociações. Apesar de que tal reivindicação seria algo até bastante razoável, a mensagem do presidente Abbas é de que está disposto a negociar desde já. Este é um enorme avanço no conflito, muito embora o cenário atual interno nas questões políticas palestinas não lhe seja nada favorável. A Autoridade Palestina nunca esteve tão enfraquecida. 

O conflito entre Israel e o Hamas foi muito favorável a este último, mas nada lucrativo à AP. O erro estratégico do atual governo de Israel foi quase infantil, a não ser que tenha sido proposital (em qualquer dos casos, é muito ruim). Se o objetivo da guerra em Gaza era enfraquecer o grupo radical que se apoderou do território, o resultado prático da ação foi exatamente o oposto. Lembro que, como escrevi por aqui tantas vezes, o objetivo estratégico do Hamas é conseguir legitimidade regional. E, graças a Israel, o grupo jamais foi tão bem sucedido; além de ter obtido um cessar-fogo depois de mais de mil mísseis lançados sobre o sul de Israel, demoveu as forças israelenses de realizarem uma incursão terrestre e, para completar, ganhou prestígio interno entre os palestinos e internacional (nos países árabes e islâmicos), fortalecendo a aliança com o Irã. Ainda por cima, o Hamas agora dialoga diretamente com atores regionais importantes, como Egito, Turquia e Qatar. 

Para completar, autoridades de Israel estão no Egito para negociar com o Hamas (possivelmente, através de contatos indiretos) o estabelecimento da segunda fase do cessar-fogo que envolve o relaxamento das medidas restritivas à circulação de produtos e pessoas em Gaza. Toda esta mudança de cenário se deve à guerra recente, transformando o enfraquecimento da Autoridade Palestina e a ascensão do Hamas num recado prático muito perigoso. As escolhas erradas do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu acabaram por deixar de fora do processo Mahmoud Abbas, presidente da única autoridade política palestina que, desde os acordos de Oslo, negocia com Israel (a concepção da AP, inclusive, é fruto desses acordos). A única chance de reverter este quadro e fortalecer quem faz política é apoiar o pedido de reconhecimento do presidente palestino na ONU. 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Egito: importante é entender como será a nova constituição


Novamente, o Egito se aproxima de uma nova convulsão política. Apesar de não ter sido o palco do início da Primavera Árabe – o primeiro episódio de revolução popular aconteceu na Tunísia –, o país acabou marcado como o centro desta busca por uma nova ordem social e política. Ou, para ser mais preciso, o ponto mais importante de um breve instante árabe onde um movimento popular, espontâneo e sem uma liderança específica pretendia construir um novo pacto. Fundamentalmente, os egípcios foram às ruas porque queriam uma nova realidade que lhes desse emprego e perspectivas concretas do estabelecimento de um futuro melhor.

Todo este processo pegou o mundo todo de surpresa e deixou países importantes do Ocidente em situação constrangedora. Todos os atores mundiais do lado de cá do planeta estavam alinhados ao ditador Hosni Mubarak. Como escrevi tantas vezes, por uma razão bastante simples: política é constituída basicamente de pragmatismo, por mais que, pragmaticamente, diga-se de passagem, os líderes internacionais queiram dar roupagem moral ao que dizem e fazem. A Primavera Árabe foi, na prática, uma contestação nacional às diretrizes históricas das relações mantidas com o ex-presidente egípcio Hosni Mubarak.

Agora, pouco tempo depois de tudo isso, a Irmandade Muçulmana está no poder. Questionada internacionalmente por suas raízes islâmicas e seu discurso radical que ameaçava a mínima ordem regional, o receio de boa parte dos líderes ocidentais ao movimento começou a ser descontruído na semana passada. Graças à atuação direta do presidente egípcio Mohamed Mursi, da Irmandade Muçulmana, o também movimento islâmico Hamas (oriundo de seu “pai” ideológico no Egito) e o Estado de Israel aceitaram o cessar-fogo que pôs fim a oito dias de guerra aberta em Gaza e no sul do território israelense. Os temores quanto às perspectivas de o maior país árabe do mundo ser comandado pela Irmandade Muçulmana começavam a ser acalmados.

Mas no dia seguinte a este gesto que mostrava tamanho pragmatismo, Mursi pôs novamente os egípcios na praça Tahrir. Demitiu o procurador-geral, destituiu os poderes do Judiciário e declarou que toda decisão do presidente está imune a quaisquer questionamentos legais. Isso tudo acontece no momento em que o país discute a redação de uma nova constituição que irá definir, entre outros assuntos, o papel que a religião terá na realidade política e no dia a dia. Segundo Mursi, a decisão atual é necessária para que a constituição seja concluída.

No entanto, é bom fazer o seguinte esclarecimento de forma a compreender porque a Irmandade Muçulmana foi a grande vencedora nas eleições presidenciais; durante os mais de 30 anos de governo Mubarak, o grupo se estabeleceu como única oposição organizada ao governo, apesar de clandestina. É até natural que tenha vencido com folga durante a realização da primeira disputa política democrática. Se a decisão de Mursi soa simplesmente como antidemocrática – e é por isso que as pessoas estão cobrando publicamente no Cairo –, é importante deixar claro que o presidente egípcio destituiu juízes que, em boa parte, foram indicados ao cargo ainda durante o regime de Hosni Mubarak.

Não me parece que o atual presidente queira tomar o poder para si, mas garantir a redação da constituição. E considero este o ponto mais relevante; o conteúdo da futura nova carta magna do maior país árabe do mundo, um dos pilares fundamentais do Oriente Médio. É isso o que está em jogo a partir de agora.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Guerra em Gaza: os significados do cessar-fogo


Finalmente, o cessar-fogo entre Hamas e Israel foi anunciado. Sob muita pressão internacional, o aparente concerto de forças foi obtido graças ao pragmatismo de todas as partes envolvidas. No Oriente Médio, pragmatismo pode ser interpretado como uma enorme evolução. No entanto, é bom deixar claro que esta guerra aconteceu por conta de objetivos estratégicos de todas as lideranças regionais e internacionais. Em meu último texto, comentei sobre os ganhos políticos do Hamas. Para reforçar, acho importante dizer que esses ganhos imateriais foram bem superiores às perdas físicas, ou seja, à estrutura do grupo radical destruída pelos israelenses nos últimos oito dias. 

Na foto, os termos acordados no cessar-fogo

Pode-se dizer que este acordo bastante simples mediado por EUA e Egito representa o que chamo de negociação ganha-ganha-ganha-ganha. Isso mesmo; há quatro atores vitoriosos neste teatro político. Repito: os principais perdedores, como de costume, são os mortos e as famílias do que pereceram em nome desses ganhos estratégicos. Como já tratei das conquistas do Hamas, vamos aos fatos e aos demais vitoriosos a partir deste cessar-fogo:

Benjamin Netanyahu pôde conquistar uma vitória importante; se de fato os grupos radicais palestinos de Gaza segurarem o ímpeto de lançar mísseis sobre o sul de Israel, Bibi não deve ter dificuldades para ganhar as eleições do próximo dia 22 de janeiro. Com a sensação de tranquilidade, ele vai usar a lembrança do conflito recente como uma reafirmação de suas capacidades como liderança política, alcançando esta ilusória paz numa região que nos últimos anos se acostumou a viver sob as constantes ameaças dos mísseis. Ao mesmo tempo, ao agradecer aos esforços dos EUA e creditar a Washington a articulação deste “acordo”, procura restabelecer os laços estremecidos com o presidente Barack Obama, uma vez que as relações entre o presidente americano e o primeiro-ministro israelense foram as piores possíveis nos últimos quatro anos. Com Obama reeleito, Netanyahu precisava encontrar uma maneira de retomar o caminho que leve a um melhor entendimento entre Jerusalém e Washington. Até porque as possibilidades de o líder israelense permanecer no cargo são grandes. E, só para lembrar, estamos falando de um primeiro-ministro que deixou bem claro que o Irã deve ultrapassar a “linha vermelha” na primavera de 2013 – entre março e junho do ano que vem. Não dá para abrir mão do apoio americano neste cenário. 

Obama precisava mostrar serviço no conflito árabe-israelense, e no conflito palestino-israelense, especificamente. Alcançou ambos de uma só vez. O “acordo” atual foi mediado pelo Egito pós-Primavera Árabe. Estamos falando do Egito comandado pela Irmandade Muçulmana, grupo que durante as três décadas de governo Hosni Mubarak permaneceu clandestino. Tempo bastante para servir de inspiração a um grupo palestino em Gaza, que acabou criando o Hamas. Ao exigir dos egípcios membros da Irmandade Muçulmana uma postura pragmática, a Casa Branca, de certa maneira, dá ao grupo o molde que lhe convinha, fazendo-o reconhecer Israel e os acordos (e agora sem aspas) de paz firmados por israelenses e palestinos em 1979. Por sua vez, o Egito se livrou de um grande problema. Articulando o acordo e deixando claro que se solidarizava com as perdas palestinas, não precisou “trair” sua origem. Ao mesmo tempo, conseguiu se safar de uma custosa saia-justa internacional. Mergulhar no radicalismo certamente mergulharia o país no isolamento. E isso significaria perder aliados e dinheiro, claro. 

No final disso tudo, Israel e Hamas se reconheceram mutuamente ao longo desta guerra e, principalmente, ao acatarem este cessar-fogo. Se isso já havia sido feito em 2009, agora está ainda mais explícito, principalmente porque autoridades de alto escalão de Israel admitiram que estavam em conversações com o Hamas. Se por um lado todo este pragmatismo soa como evolução, como escrevi, há no meio de tantos vitoriosos um perdedor importantíssimo: a Autoridade Palestina, relegada à Cisjordânia. Muito mais pragmática e certamente menos radical do que o Hamas, a instituição atravessa seu pior momento. Principalmente porque um dos termos deste acordo prevê que, 24 horas depois que ele entrar em vigor, as partes – Israel e o Hamas – se comprometem a debater a flexibilização do bloqueio a Gaza e a livre movimentação de bens e pessoas. Ou seja, em oito dias de violência, o grupo radical ganhou mais do que a AP. E se, obviamente, um cessar-fogo é algo muito bom, a mensagem que este conflito deixa para a Autoridade Palestina é muito ruim. 

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Por que a guerra atual interessa demais ao Hamas


No último post, comentei sobre as muitas formas como a atual guerra entre Israel e o Hamas se relaciona com o jogo geopolítico regional. Mas é importante lembrar também que as duas partes estão muito interessadas em se promover internamente. É bem possível, inclusive, que o Hamas tenha provocado a crise atual em função de suas muitas derrotas internas – causadas também, é claro, pelo parcial, mas representativo, sucesso da Primavera Árabe no Egito. 

Desde a última guerra entre israelenses e palestinos em Gaza, entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009, o Hamas aceitou o cessar-fogo que impedia o grupo de lançar novos mísseis sobre o sul do território de Israel. Apesar disso, no entanto, outros grupos radicais palestinos, como a Jihad Islâmica, continuaram a efetuar disparos. Muitas vezes, no entanto, esses grupos foram cerceados pelo Hamas, autoridade máxima sobre Gaza desde a expulsão – pelos próprios membros do Hamas – do Fatah (grupo que compõe majoritariamente a Autoridade Palestina), em 2007. Até agora, por mais que o Hamas fechasse um olho para os demais grupos radicais que atuavam em Gaza, a manutenção do cessar-fogo era de seu interesse. Era. 

A visão estratégica do Hamas mudou em virtude de alguns fatores: o primeiro deles foi a eleição da Irmandade Muçulmana para a presidência do Egito. O grupo radical e clandestino durante as três décadas de governo Mubarak passou a autoridade máxima e oficial egípcia, como escrevi no último texto. As esperanças do Hamas se renovaram, afinal tratava-se da facção originária do próprio Hamas, que, nos últimos 30 anos, se opôs ao regime de Hosni Mubarak e, portanto, a todos os compromissos assumidos pelo presidente egípcio deposto: alianças com os EUA, manutenção dos acordos de paz com Israel, vigilância na fronteira entre o Egito e Gaza, repressão ao tráfico de armamentos do território egípcio ao palestino. O Hamas acreditou que tudo iria mudar a partir da presidência de Mohamed Mursi, membro da Irmandade Muçulmana. 

No entanto, nada disso aconteceu. Muito pelo contrário. Mursi manteve os acordos de paz com Israel – até agora – e também a vigilância sobre Gaza, a rigidez no controle de entrada e saída do território, a aliança com Washington, a cooperação militar com os israelenses para controlar o tráfico e a movimentação no deserto do Sinai e ainda impediu sempre que pôde a construção de túneis por onde passam bens e armas para o interior do território palestino. Para piorar o isolamento do Hamas, seus adversários internos ganhavam cada vez mais: no território, a manutenção do cessar-fogo era vista como capitulação, dando ainda mais moral para outros grupos radicais que agem em Gaza. Já na Cisjordânia, o presidente Mahmoud Abbas – do Fatah e chefe máximo da Autoridade Palestina – prepara-se para conseguir que a ONU conceda à Palestina o status de “observador”. Ou seja, o Hamas perdia de dois lados: no político, seu ponto fraco, e no militar, perfil original do grupo e seu modo tradicional de agir. 

Por tudo isso, o Hamas considerou que havia chegado a hora de mudar de estratégia, aliando-se aos demais grupos que lançaram ao longo de todo este ano mais de mil mísseis sobre Israel e colocando em uso as armas presenteadas por seu Estado-patrocinador, o Irã. Até o momento, parece-me que a decisão do Hamas foi vitoriosa, sob o ponto de vista de seus objetivos internos e externos. As imagens de israelenses indo ao chão em Tel Aviv para se proteger dos mísseis fazem sucesso junto ao público interno. Tanto que, neste final de semana, numa passeata na Cisjordânia – território do Fatah, grupo rival ao Hamas – as bandeiras verdes do Hamas eram preponderantes às amarelas, do Fatah. Do ponto de vista mais amplo, a atual ofensiva pôs lado a lado os primeiros-ministros egípcio e do próprio Hamas, mais uma vitória importante. Como de costume, quem perde com todo este jogo político são os civis inocentes, que pagam com suas vidas. 

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

A nova guerra entre Israel e o Hamas e o novo jogo politico do Oriente Medio apos a Primavera Arabe no Egito

Em primeiro lugar, peco desculpas aos leitores pela demora em escrever, mas isso se deve ao fato de estar distante da estrutura necessaria para postar com a frequencia que o momento demanda - o que tambem explica a precariedade dos recursos ortograficos deste texto. Mas vamos ao que interessa; a ofensiva israelense em Gaza e a insercao dos acontecimentos atuais no tabuleiro geopolitico do Oriente Medio. 

Ao contrario da cobertura pontual da grande imprensa, estou sempre preocupado em contextualizar as acoes dos atores regionais em perspectiva, levando em consideracao seus interesses estrategicos. O novo embate entre Israel e Hamas deve ser interpretado desta forma, muito alem de mais um ato isolado. Politica internacional e sua expressao militar - a guerra - nao costumam acontecer por meio de bravatas, discursos ou gestos apaixonados. Muito pelo contrario. E claro que a ofensiva atual tem a ver com o risco de cerca de um milhao de habitantes do sul de Israel, quase 15% da populacao total do Estado judeu. Mas nao e so isso. Os moradores desta regiao do pais sofrem com a ameaca do misseis do Hamas ha muito tempo, e a ofensiva de Israel no final de 2008 nao conseguiu destruir a infraestrutura de lancamento do grupo palestino que passou a controlar o territorio no ano anterior. 

Na semana passada, um jipe do exercito israelense foi atingido durante uma patrulha de rotina no interior das fronteiras israelenses. Tratava-se de uma operacao de rotina nas proximidades de Gaza. Por mais estranho que pareca, este pequeno ato carrega em si um significado muito maior; do ponto de vista geopolitico, ele representa um movimento de medicao de forcas pelo Hamas bastante similar ao crescimento continuo do Hezbollah, no norte de Israel, sul do Libano, que consolidou a milicia xiita como um importante ator regional do Oriente Medio. Ate o ano 2000, Israel manteve uma zona de ocupacao no sul do Libano, isolando minimamente o Hezbollah de porcao importante de sua fronteira norte. Por pressao interna da sociedade israelense, as forcas militares foram retiradas e Israel desocupou o sul do territorio libanes unilateralmente. Imediatamente, a milicia xiita passou a controlar a area e usa-la como base de operacoes. Seis anos mais tarde, Israel e o Hezbollah travaram uma guerra de 34 dias que permitiu ao grupo libanes, apoiado logistica e financeiramente pelo Ira, alcancar um de seus objetivos estrategicos: estabelecer-se como um ator regional a ser levado em consideracao em qualquer cenario atual do Oriente Medio. 

A atual ofensiva de Israel tem como meta conter a expansao do Hamas, principalmente por conta da realidade egipcia pos-Primavera Arabes, cujos resultados eleitorais deram a presidencia do pais justamente a Irmandade Muculmana - fonte de inspiracao ao nascimento do proprio Hamas, em 1987. Na pratica, tanto Israel quanto o grupo radical palestino estao colocando em teste o papel da Irmandade Muculmana neste novo Oriente Medio. 

O grande teste fica sobre os ombros de Mohamed Mursi, chefe politico da Irmandade Muculmana no Egito e eleito presidente do pais. Um dos principais pilares da fragil estabilidade regional, o Estado egipcio, o maior pais arabe, esta sendo chamado a se manifestar. Ao mesmo tempo em que a Irmandade Muculmana possui obvia identificacao com o Hamas, o grupo deixou a clandestinidade dos anos de regime Hosni Mubarak e passou a formalidade de ser parte integrante da formalidade e das burocracias impostas por esta transicao. Por mais ideologico que seja, o presidente Mursi agora nao pode virar as costas ao principal aliado financeiro do pais, os EUA, nem aos acordos de Camp David, assinados em 1979 e que selaram a paz com Israel. Ou melhor, a pressao atual quer que o Cairo faca sua opcao. No entanto, e bom lembrar que, se rasgar os acordos com os israelenses, e pouco provavel que os americanos continuem a repassar os tres bilhoes de dolares em ajuda financeira ao Cairo. 

E tudo isso que esta em jogo agora no Oriente Medio.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Obama tem missão duríssima na área internacional


Sobram desafios para as relações internacionais a serem conduzidas por Obama “reloaded”. A cada dia mais cidadãos comuns compreendem que não é possível agir como no século 20. Assim, se política externa ainda não é um tema decisivo na vida das pessoas, ignorar as muitas e importantes decisões internacionais que o presidente deve tomar não é uma opção. 

Obama é certamente o mais internacionalista dos presidentes dos EUA. E todo mundo aposta que, neste mandato, irá agir com firmeza no cenário global. Com a garantia de mais quatro anos, a Casa Branca tem muitos assuntos urgentes a resolver. A situação na Síria, o fim da guerra do Afeganistão, a transição política chinesa, o nacionalismo russo e o projeto nuclear iraniano são as questões mais importantes e estão na agenda do dia de Washington. 

A guerra civil síria já completou 20 meses. Até agora, os EUA se recusaram a fazer grandes movimentos. Isso porque, como escrevi por aqui outras tantas vezes, os americanos têm pouco interesse em sacar Assad. Não porque têm grande apreço pelo presidente sírio, mas porque o país é – embora injusto com seus cidadãos – estável. A administração alauíta do presidente sírio conseguiu estabilizar a Síria, inclusive mantendo a fronteira com Israel em relativo estado de tranquilidade nos últimos 40 anos – até esta semana, é bom dizer. Agora, no entanto, Washington deve agir de alguma maneira. E não se trata da defesa dos 20 mil mortos pela repressão de Bashar al-Assad. 

A Casa Branca está numa encruzilhada e aprendeu bastante com o fracasso na Líbia. Também como escrevi por aqui outras vezes, os rebeldes líbios eram compostos por gente de fidelidades distintas: membros arrependidos do governo Assad, jihadistas de diferentes grupos e até mesmo terroristas da al-Qaeda (a organização interpretou a instabilidade do país como oportunidade estratégica de alcançar sucesso e contrabalançar o poderoso discurso popular, espontâneo e descentralizado do que se convencionou chamar de Primavera Árabe). A Síria simplesmente não pode se transformar numa nova Líbia pós-Kadafi. Sua posição estratégica e seu arsenal militar colocariam em risco ainda maior a região mais problemática do planeta. 

Ao mesmo tempo, ficar de braços cruzados não é mais uma opção. Principalmente porque o Irã também entendeu que apostar em Assad é sua última oportunidade de contar com a aliança estratégica de um país árabe (localizado na fronteira com Israel, para ser ainda mais claro). Por isso, os EUA vão investir sim na oposição síria, mas sem repetir os erros do caso líbio. Vão estabelecer contatos políticos mais próximos com a oposição a Assad, oferecendo ajuda, mas exigindo garantias de manter proximidade ao futuro governo. E, para complicar, Obama vai ter de investir muito de seu setor de inteligência nesta tarefa, uma vez que a opinião pública americana não pode nem sonhar com mais uma guerra no Oriente Médio. 

Abordo a questão iraniana em próximos textos. 

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Nos EUA, reforma migratória passa a ser prioridade republicana


A ressaca moral e política republicana dá o tom do momento exatamente posterior à derrota do partido nas urnas. Se uma mensagem ficou clara o bastante no dia seguinte à reeleição de Barack Obama, ela diz respeito ao caminho demográfico inevitável dos EUA. Como escrevi ao longo deste processo desgastante de campanha partidária, ignorar a realidade não é uma forma de alterá-la. O partido Republicano está sentindo isso na pele. 

Agora, a chapa Romney-Ryan é história. Possivelmente, se as ambições do partido de retomar a Casa Branca forem sérias, - e certamente são -, o purismo de dois candidatos identificados com o país que não existe mais – ou melhor, existe na memória e na minoria da representação demográfica – não deve se repetir. Mesmo os mais republicanos dos comentaristas políticos tiveram de admitir a necessidade de mudança interna; ou a legenda se adequa para conseguir minimamente se comunicar com as pessoas ou está fadada, invariavelmente, à derrota. E é a partir desta constatação que os republicanos já pensam no senador pelo Estado da Flórida Marco Rubio como o nome a ser lançado em 2016. 

É uma boa aposta, mas não garante vitória. Primeiro, será preciso mudar o discurso. Enquanto os republicanos não pensarem numa forma de encarar a questão da imigração de maneira mais flexível, os latinos não irão votar num partido que chegou a propor, inclusive, “autodeportação”. Pois é. Ninguém vai votar em quem defende a deportação de um primo, de um tio, de um amigo. Mesmo que Obama tenha sido um dos presidentes mais rigorosos quanto à fiscalização e policiamento da fronteira com o México, ao menos consegue se apresentar como liberal. E acho mesmo que o presidente irá pensar numa reforma, mesmo tendo de enfrentar a resistência de uma Câmara dominada pelos republicanos. Mas, se até o porta-voz da casa, o nada liberal John Boehner, já disse que o assunto deve andar, é capaz mesmo de a tão discutida reforma migratória sair do papel. 

Acredito que, inclusive, este será um dos grandes temas dos próximos quatro anos de mandato de Obama. Justamente por conta desta constatação eleitoral de que não é mais possível ignorar a nova cara dos EUA. Para azar dos republicanos, no entanto, a situação é de cobertor curto. Se contarem somente com a origem do senador Marco Rubio, ainda não terão resolvido o problema. Principalmente porque são os asiáticos, não os latinos, que compõem a minoria com os maiores índices de crescimento. 

De fato, acho que a declaração de John Boehner – reconhecido por sua inflexibilidade – não é de graça. Ele e os republicanos mais ambiciosos politicamente sabem que, além de mudar o discurso, será preciso tomar medidas práticas. E aí voltamos à reforma migratória. Se este assunto era visto pelo partido como tabu, agora seus membros mais sagazes perceberam que esta se configura como a principal oportunidade republicana de renascimento.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Reeleição de Obama é a vitória da “Nova América”


Para alívio da maior parte do planeta, Obama venceu. A lógica dos colégios eleitorais favoreceu o presidente, mas sua vitória foi ainda mais significativa: a estratégia democrata também foi vitoriosa e mostra a capacidade do partido de entender quem são os novos americanos, quem representa sua base de apoio e como falar com eles. A mudança que Obama prometia em 2008 não veio como se imaginava, até por conta da herança catastrófica deixada por Bush. Mas a “mudança” que determinou o resultado dessas eleições é tão significativa quanto o slogan da campanha de quatro anos atrás: um novo país está nascendo e foi ele que emergiu fortalecido das urnas. 

Obama sabia que sua base de apoio excluía, em boa parte, o extrato social que compunha o imaginário dos EUA: homens brancos cristãos. Essa parcela da população – que durante a maior parte da história americana foi o retrato do país – está diminuindo. E, com isso, o quadro político também está mudando. Obama não apenas é parte desta mudança como cidadão, mas também representante político voluntário dessas pessoas. Quero dizer com isso que o presidente sabe o que a “Nova América” espera dele, mas também se coloca como parte deste grupo. O voto em bloco de todas as minorias em Obama determinou sua vitória. 

A estratégia democrata simplesmente adequou três fatores simples: o discurso natural de Obama (ou seja, ele não precisou se “violentar” para reafirmar valores que já eram seus), o aspecto ideológico do partido, e a interpretação óbvia de dados sobre o tecido social e populacional americano disponíveis a quem quisesse consultá-los; segundo os números do censo norte-americano, na primeira década deste século, a taxa de crescimento dos cidadãos americanos de origem asiática foi de 43,3%. A população negra cresceu 12%, e os latinos, 43%. O crescimento da população branca foi de apenas 5,7%. Hispânicos, negros e asiáticos correspondem hoje a 50,4% do total de crianças nascidas nos EUA. 

Nas urnas, deu a lógica. Entre os latinos, 70% votaram em Obama; entre a população negra, 96%. E Obama foi vitorioso não apenas por ele mesmo ser negro, mas porque inclui as minorias em seu discurso, porque as considera parte dos EUA, porque não se nega a debater e escutar o que pensam, porque é parte de um partido que tem esta tradição. É natural que as pessoas identifiquem o presidente como alguém que os representa. Principalmente porque, do outro lado, os republicanos insistem em fazer escolhas que remetem à “Velha América”, um país conservador branco e que não faz nenhuma questão de esconder sua preferência pela população mais rica. A rejeição ao Obamacare e à ideia do presidente de taxar a parcela mais rica dos americanos acabou não convencendo negros e latinos de que os republicanos os representavam. De acordo com pesquisa do Centro Conjunto para Estudos Políticos e Econômicos, em 1940, 42% dos negros entrevistados se declaravam republicanos (índice similar aos que se declararam democratas). Quatro anos atrás, 76% se assumiram como democratas e somente 2%, republicanos. 

A derrota nas urnas na eleição desta terça-feira é apenas uma constatação de que os republicanos erraram a mão e encontram cada vez menos apoio – o Tea Party é um movimento forte, mas extremamente “nichado”. Por isso, em declaração à CNN, Steve Schmidt, estrategista do partido Republicano, classificou o resultado e a campanha como uma grande catástrofe. “Esta é, esta deve ser, a última vez que que o partido Republicano tenta vencer desta maneira”. Ou seja, excluindo a realidade de que o país está mudando e se colocando como representante dos EUA do passado, cuja população tende a se tornar cada vez mais minoritária. Se os republicanos insistirem em adotar a mesma estratégia, já podemos começar a pensar em qual candidato democrata irá suceder Obama daqui a quatro anos. 

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Eleições americanas: hoje os EUA começam a escrever mais um capítulo histórico


É isso aí, pessoal. Hoje é o ponto final da campanha pelo cargo político mais importante do planeta. E os meses que antecederam o dia de hoje foram para lá de sujos. Os candidatos usaram todo tipo de armas retóricas e empenharam milhões de dólares para se atacar mutuamente. De longe, Mitt Romney foi quem mais se expôs. E o fez, inclusive, de maneira irresponsável, como no vídeo vazado que quase encerrou sua carreira política, quando o candidato deixou claro que Obama necessariamente receberia 47% dos votos daqueles que “se vitimizam e vivem graças à ajuda do governo”. 

Cheguei a publicar, na época, que este episódio poderia não apenas acabar com as chances do republicano, mas enterrar sua carreira política. Errei feio. Estamos falando dos EUA, país que sempre nos surpreende com reações como a ocorrida; Romney não apenas deu a volta por cima, como também empatou com Obama, ultrapassando o presidente na contagem total dos votos. Vai entender. A campanha americana é suja, mas a verdade é que aqui no Brasil não estamos em posição de garantir que nossas eleições presidenciais sejam o grande espaço elegante e desinteressado para o debate de ideias. Basta lembrar o que aconteceu na última disputa, quando o então candidato José Serra foi atingido por uma bolinha de papel e, como tentativa de capitalização política do ocorrido, chegou a fazer uma tomografia. Setores que o apoiavam, inclusive na imprensa, classificaram a bolinha de papel como um “atentado à democracia”. Isso sem falar que, durante parte da campanha, o debate se polarizou entre a defesa e o ataque ao aborto. Pois é. 

No caso dos EUA, Romney se excedeu em inverdades a ponto de seu assessor-chefe dizer claramente que “não permitiria que a campanha fosse regulada por quem checa fatos”. A mentira estava liberada oficialmente. E assim ocorreu, a ponto de Steve Benen, responsável pela redação do blog de Rachel Maddow, da MSNBC, contar 917 dados e fatos errados usados a favor de Romney.

Do ponto de vista ideológico, o embate Romney e Obama foi limitado; os dois candidatos entenderam que o público queria soluções para os problemas econômicos e acabaram focados no assunto. A parte ideológica também seguiu o lastro da economia, e o partido Republicano tentou transformar o presidente num porta-voz do socialismo. O vice de Romney, a estrela em ascensão Paul Ryan, chegou a declarar que as ideias de Obama representam “uma ameaça aos valores ocidentais” (!). Isso porque os republicanos distorcem o conceito de livre mercado e papel do governo. Para eles, o livre mercado é a forma de recompensar justamente quem trabalha. Qualquer intervenção, qualquer tentativa de equilibrar a desequilibrada relação entre empresas e os cidadãos, põe em risco os empregos e a criação de riqueza. Entrevistado pelo New York Times, Rich Hart, professor de economia e mentor de Paul Ryan, disse temer que os EUA se transformem numa espécie de “Estado socialista europeu”. Está aí a visão simplória republicana. 

Para sorte de Obama, os deslizes de Romney acabaram sendo divulgados com mais impacto nesta reta final. Os dados equivocados sobre as montadoras Chrysler e GM sobre os quais comentei no último texto pegaram muito mal. E ainda tiveram importância maior justamente por afetarem a população de Ohio, um “swing state” onde a indústria automobilística é grande empregadora. Agora, para piorar o lado republicano, surge a notícia estranhíssima de que o ex-presidente George W. Bush proferiu uma palestra secreta nas Ilhas Cayman e seus participantes foram orientados a não comentar, em nenhuma hipótese, o que Bush disse durante o encontro. Pegou muito mal. Ainda mais porque, não custa lembrar, o próprio Mitt Romney possui 25 milhões de dólares investidos em fundos nas Ilhas Cayman. E a Bain capital, antiga empresa do candidato e fonte de seu sucesso financeiro, possui 138 investimentos no arquipélago e 40 contas secretas. A partir de hoje, dia 6 de novembro, saberemos como os americanos entenderam tudo isso. 

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Republicanos divulgam anúncio com dados errados, provocam ira de Chrysler e GM e dão presente a Barack Obama


Aos partidários de Obama, notícias importantes: Romney está cometendo deslizes que podem fazer a diferença nesta reta final de campanha. O candidato republicano está se atrapalhando justamente em questões sobre as quais insistiu em debates e que foram usadas para inventar a imagem de gestor capaz de criar empregos. Este é o foco das discussões envolvendo a disputa presidencial e desde o primeiro momento a equipe de Romney tentou desqualificar as decisões de Obama na área de economia. Agora, isso pode estar sofrendo um revés.

Tudo porque a dias da votação final, Romney decidiu ser ainda mais agressivo no que diz e na publicidade que divulga em anúncios de rádio e TV. Numa polêmica com poucos precedentes na história eleitoral americana, o candidato republicano errou ao afirmar que a Chrysler decidiu levar a produção para a China, e a General Motors estaria a ponto de transferir 15 mil postos de trabalho também para o país comunista.

Este tipo de acusação cala fundo no imaginário do cidadão americano médio e, mais ainda nos dias de hoje, por algumas razões: a indústria automobilística sempre foi um ramo fundamental da economia do país; implica a GM, uma das empresas mais simbólicas dos EUA; e, finalmente, reafirma o poderio econômico chinês – e a China ocupa hoje a mesma posição representada pelo Japão nos anos 80, a de país que, em questão de tempo, se nada for feito, ultrapassará a capacidade econômica americana. Isso não vai acontecer, mas este temor mexe com os sentimentos e preocupações dos americanos.

As acusações de Romney visavam a um alvo cirúrgico; o estado de Ohio, considerado um importante “swing state”, ou seja, um estado que normalmente não está alinhado a nenhum dos dois partidos e, portanto, tem resultado indefinido. Não por acaso, o tom alarmista quanto aos postos de trabalho no setor automotivo foi adotado justamente em Ohio, onde 850 mil empregos são diretamente dependentes da indústria automobilística. Seria um golpe de mestre, se os dados não estivessem errados.

A resposta aos anúncios republicanos não partiu da campanha democrata, mas das próprias empresas citadas, algo que raramente acontece principalmente porque as corporações evitam se manifestar publicamente sobre questões eleitorais. Mas, como foram mencionadas diretamente, se sentiram pressionadas a dar declarações oficiais desmentindo as informações divulgadas por Romney. A Chrysler disse que, de fato, está mesmo aumentando a produção na China, mas o objetivo é estritamente a venda no mercado chinês, não no americano; ainda acrescentou que a produção para o mercado americano permanece nos EUA. Já a resposta da GM soou ainda mais constrangedora aos republicanos.

Segundo a GM, o corte de 15 mil postos de trabalho aconteceu antes de 2009 – justamente quando o presidente Obama conseguiu aprovar o resgate governamental, salvando a empresa. Para piorar o lado de Romney, a GM seguiu adiante e declarou que, a partir do resgate, novos empregos foram criados. Se a campanha democrata decidir pisar fundo, tem material pesado para contra-atacar. Vale dizer que, pesquisas divulgadas nesta quarta-feira, mostram a vitória de Obama em 11 dos 13 “swing states”. 

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Furacão Sandy é mais um fator importante nas eleições dos EUA

Todo mundo quer cravar uma posição sobre como o furacão Sandy afetará o resultado final das eleições americanas. Apesar de ser impossível dar uma resposta que não leva em consideração margem de erro, alguns sinais podem ajudar na análise sobre o fenômeno. Posso dizer, no entanto, que, com certeza, Sandy não se restringiu a um fenômeno natural, mas as circunstâncias tornaram o furacão uma peça do jogo político. 

A primeira interpretação é a mais óbvia delas. Em 2005, o presidente republicano George W. Bush agiu muito mal no socorro às vítimas do furacão Katrina. A ausência e posterior ineficácia do resgate federal à população atingida acabou se transformando num exemplo de como a Casa Branca não deve atuar no caso de grandes tragédias. Se ao deixar o cargo Bush foi o presidente a ostentar os índices de popularidade mais baixos da história, boa parte deste recorde negativo se deve à péssima impressão construída durante e após a passagem do Katrina. Lembrando que Romney é do mesmo partido de Bush; os republicanos – e ainda com mais intensidade o Tea Party – defendem a diminuição dos gastos do governo. O atual candidato Romney só não se mostra contrariado com o empenho da administração atual em ajudar vítimas e organizar planos de contingência em coordenação com os governos estaduais porque isso certamente colocaria em risco sua vitória no próximo dia 6. 

Mas ao mesmo tempo em que agora ninguém questiona o papel de Washington, o peso do sucesso ou do fracasso está sob os ombros do presidente e candidato Barack Obama. É verdade que nenhuma das campanhas ousa fazer uso do furacão Sandy como “material” para criticar o adversário. E este é um ponto muito mais favorável a Romney do que a Obama. Se Sandy causar grande destruição e matar centenas ou milhares, caberá ao candidato Romney somente se solidarizar às famílias das vítimas. Ao presidente, caberá o escrutínio público e da imprensa. A campanha republicana não precisará fazer absolutamente nada. 

E outro aspecto prático: os democratas são dependentes de votos de nichos específicos. Latinos, negros e jovens formam um importante grupo de apoio ao presidente. No entanto, apesar de o tecido social norte-americano estar mudando, pesquisa do instituto Gallup mostra que o eleitorado negro corresponde a somente 12% do total de votantes; os latinos, 7%. E, para piorar, esses eleitores são os menos entusiasmados com as eleições. Entre aqueles que devem ir votar, os chamados “likely voters”, 49% dizem que tendem a votar nos republicanos, enquanto 46%, nos democratas. Quatro anos atrás, o Gallup apontava que 54% desses eleitores votariam em Obama. E todo mundo sabe como essa história terminou. 

A missão da campanha do presidente é, há poucos dias das eleições, convencer os aptos a votar a comparecerem às cabines. E aí voltamos ao furacão Sandy. Por um lado, o fenômeno forçou Romney a cancelar eventos em Ohio e Virginia. Mas isso não significa que Obama vencerá nesses estados simplesmente porque, se Sandy provocar uma catástrofe, os eleitores simplesmente não terão como votar. Tudo isso adiciona ainda mais elementos à grande incógnita que é esta eleição presidencial. Possivelmente, só saberemos quem será o próximo presidente americano na última hora.  

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Romney disfarçado e o possível confronto de 2016


A corrida presidencial norte-americana está empatada. Isso nos garante um final realmente emocionante e, como já ocorreu, possivelmente algum erro de contagem. Penso que, o que quer que aconteça, Romney já conseguiu alcançar um objetivo muito interessante nesta campanha: esconder sua verdadeira natureza radical e do grupo que sustenta sua candidatura. E esta vitória é ainda mais relevante quando levamos em consideração o vídeo vazado que tinha potencial para pôr na geladeira sua carreira política. 

Os assessores de Romney são realmente geniais. Nos debates, o candidato optou por perder nos argumentos, mas ressaltar sua postura de homem gentil. Mesmo quando bateu em Obama, sorriu. Mas, para lembrar, o próximo possível presidente dos EUA é um homem conservador e apoiado pelo Tea Party, a ala mais radical do Partido Republicano e cuja força nos últimos cinco anos tem mostrado que o grupo é um fator de mudança no cenário político norte-americano. Há quem considere, inclusive, a possibilidade de cisão interna e ruptura. Acho isso bem possível, mas com a tomada mesmo do Partido Republicano. 

A campanha de Romney quis jogar para debaixo do tapete quem o candidato realmente é. A reforma da imigração, por exemplo, é um assunto superimportante, mas quase não tem sido mencionado. Aliás, a estratégia dos republicanos aplica a seguinte lógica: há poucas propostas, mas sobram críticas a Obama. Se há crise econômica e desemprego, basta esquecer que Obama recebeu-a de presente do governo Bush. Ou melhor, provocar esquecimento. 

A imigração é um tema tão importante que pode mudar os EUA. Estimativas dão conta que, em 2040, a população latina já será maioria no país. Este fator leva a algumas reflexões: o Tea Party se distancia dos latinos; os republicanos aumentam a virulência do discurso. Romney foi o pré-candidato republicano mais agressivo contra a imigração durante as primárias. Este não é apenas seu modo de ver o assunto, mas uma tendência partidária. Ou os republicanos irão rever a maneira como se dirigem ao eleitorado latino ou estarão fadados ao fracasso. Como nos últimos cinco anos o Tea Party tem seguido uma trajetória de discurso ainda menos conciliatória, não me parece que, ao garantir Romney na presidência, o bloco radical assuma qualquer recuo. Muito pelo contrário. 

Já pensando nas eleições de 2016, o eleitorado latino tenderá a ser um nicho ainda mais Democrata: o descontentamento com o presidente Romney – e com um congresso majoritariamente republicano – poderá deixar o caminho aberto para o retorno de um presidente democrata. Tudo isso, é claro, se Obama perder agora. Mas acredito que a variável de agressividade do Tea Party permaneça inalterada seja qual for o resultado dessas eleições. 

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Obama é o mais preparado para continuar comandante-em-chefe


Vou ser explícito logo de cara: a vitória no debate sobre política externa não muda nada no cenário das eleições americanas do dia 6 de novembro. Desculpem-me se magoei os mais sensíveis, mas Obama não vai levar a disputa por ter mostrado o despreparo de Mitt Romney quando confrontado com as muitas questões internacionais. A estratégia de Romney era simplesmente não ser humilhado. Empatar era vencer. Perder por pouco não era apenas aceitável, mas também previsível. 

E, claro, Romney tentou sempre que teve a oportunidade conectar a política externa aos problemas econômicos dos EUA. Obama se saiu bem e soube responder e virar o jogo até nesses casos. No placar frio dos três debates, o resultado final foi a vitória do presidente por dois a um. No entanto, os confrontos têm pesos distintos e, mais ainda, interpretações particulares. Hipoteticamente, derrubar o adversário nos três debates não garante sucesso nas urnas – até por conta do supercomplexo processo eleitoral americano. 

De volta ao debate desta segunda-feira, Obama foi mais agressivo, menos parcimonioso e focado em deixar claro (e ele teve sucesso nisso) o quanto política internacional lhe é familiar. E não somente isso: o quanto ele tem senso de responsabilidade de saber fazer uso de suas atribuições como comandante-em-chefe. E este é um ponto muito importante. 

No início deste texto disse que a vitória num debate sobre política externa não muda nada – ou muito pouco – no cenário eleitoral. Mas é bom deixar claro como a política externa é importante à presidência. Isso porque este é um dos raros temas que o presidente conta com quase autonomia absoluta no processo de decisão. Ser o comandante-em-chefe não é apenas uma forma de tratamento, mas a responsabilidade de ter o poder de colocar em ação as principais forças armadas do mundo. E por isso o debate é, ao mesmo tempo, importante, mas também pouco relevante do ponto de vista eleitoral. 

Em relação ao enfrentamento entre os candidatos, vimos que eles concordam na maior parte dos assuntos. Romney tentou implicar Obama numa espécie de armadilha quanto à aliança com Israel (ponto central do debate, inclusive). Não foi bem sucedido, uma vez que o presidente soube se sair bem, lembrando a cooperação militar sem precedentes e o exercício conjunto entre as forças dos países nesta semana. Romney ainda teve de ouvir Obama desdenhando de seus conhecimentos numa estratégia vencedora em que, a partir daí, ficou ainda mais clara a diferença entre os dois. 

De qualquer maneira, por mais interessante que tenha sido o embate, houve pouca novidade. Talvez o aspecto curioso tenha sido a declaração de Romney sobre o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad. O candidato republicano disse que iria buscar o indiciamento do iraniano por crimes de guerra devido ao incitamento de genocídio contra Israel. Soou como promessa de campanha, mas é muito pouco provável que, se eleito, Romney leve isso adiante.